Prefeitura “terceiriza” educação
20 janeiro 2018 às 11h03

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Secretaria de Educação não tem previsão de inauguração de unidades escolares e mantém convênios; uma das instituições conveniadas é investigada sob suspeita de fraude

Sem construir nenhuma escola municipal, nem dar continuidade às 12 obras de Centros Municipais de Educação Infantil (Cmeis) paralisadas – algumas desde 2014 – a gestão Iris Rezende “terceirizou” a educação de pelo menos 5 mil alunos, em 84 unidades conveniadas, apenas no ano passado, com um investimento anual de R$13 milhões em parcerias parciais ou integrais com instituições filantrópicas, sem fins lucrativos. Para este ano, a rede reduziu para 40, segundo a Secretaria Municipal de Educação (SME).
Em 2017, de acordo com dados do Conselho Municipal de Educação (CME), eram 32 escolas com convênio Total e 50 em convênio Parcial, que atendem de zero a cinco anos. Pelo menos quatro atenderiam ao Ensino Fundamental, de 1° ao 9° ano.
Mesmo com a manutenção dos 40 convênios, repetiu-se, aliado a panes no sistema e falta efetiva de vagas, o caos no período de matrícula. A reportagem percorreu Cmeis – conveniados ou não –, a Defensoria Pública, e, em quatro visitas à sede da Secretaria Municipal de Educação, constatou os transtornos que se repetiam. O jornal Opção noticiou, em sua versão online, desde 3 de janeiro, quando iniciou-se as matrículas, várias reclamações por que passam pais em busca de vagas.
Segundo a SME dois critérios, pelo que prevê a legislação, qualificam possíveis convênios: as instituições devem ser filantrópicas e sem fins lucrativos. Muitos contratos firmados, contudo, são obscuros, sem qualquer transparência, mesmo se tratando de dinheiro público, total desrespeito à Lei 12.527, regulamentada pelo Governo Federal em de 18 de Novembro de 2011 e a Lei de Acesso à Informação no âmbito municipal n° 9262, de 22 de maio de 2013. Não existem dados, nem a prestação de contas de tudo o que é repassado a estas unidades no site da SME ou da Prefeitura.
Instituições religiosas, associações de moradores e até com o Tribunal de Contas do Município (TCM) têm parcerias de diferentes tipos com a SME, dependendo do que a instituição filantrópica consegue, ou não, fornecer. Algumas delas têm prédios, mas não conseguem arcar com os custos com professores, coordenadores, funcionários da cozinha, auxiliares de limpeza e monitores; outras pagam os professores, mas a prefeitura custeia os gastos per capita do aluno, ou seja, com material de higiene pessoal, materiais pedagógicos e alimentação.
Em contratos de Convênio Parcial de Cooperação Técnica e Financeira, por exemplo, regulado pela Lei n°8.666/93, a instituição deve aplicar 8% dos recursos financeiros destinados pela SME para materiais didáticos e, no máximo, 92% com os gastos referentes à remuneração de pagamento de pessoal, incluindo o décimo terceiro salário dos funcionários que tenham vínculo empregatício com a parceira.
Cabe à Prefeitura avaliar o ensino, acompanhar, orientar por meio das Equipes Técnica e Pedagógica o desempenho do atendimento prestado às crianças, observando quanto aos aspectos legais da Educação Infantil. Dependendo da demanda, a SME ainda pode ampliar ou reduzir a meta de alunos nas unidades.
É recorrente a falta de recursos nessas parcerias, deixando professores sem estrutura mínima. Três professores, de instituições distintas, contaram que falta de giz a lanche para os alunos. Uma escola vinculada a uma associação Espírita, por exemplo, atende 75 crianças – de dois a cinco anos. A Prefeitura, diz a diretora que pediu anonimato, “ajuda apenas com uma quantia simbólica para o pagamento de funcionários”, dentre eles, oito professores.
As conveniadas são medidas paliativas em uma cidade que cresce desordenadamente, com migração constante e nascimentos astronômicos anualmente. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Goiânia registrou o nascimento de 20.276 bebês em 2016, enquanto que em 2015 registrou 22.422 novos goianienses.
Outro fator determinante é a migração de crianças de escolas particulares para as públicas em um contexto de crise. Segundo dados do Conselho Municipal de Saúde (CMS), pelo menos 11 escolas particulares fecharam as portas em 2017.

O aumento da demanda este ano pôde ser sentido a partir da obrigatoriedade de os municípios atenderem na rede municipal alunos de quatro e cinco anos depois da lei nº 12.796/2013 e os pais responsáveis pela matrícula dos filhos.
“Existe toda uma construção de uma política de educação voltada para obedecer a lei que passou a obrigar o aumento da oferta. Quando a oferta se torna obrigatória o município precisa se adequar e o município tem um tempo para se adequar”, explicou a presidente do Conselho Municipal de Educação, a professora Acácia Aparecida Bringel.
Com isso, alguns Cmeis passaram a não abrir mais vagas para esta faixa etária, sendo, as crianças, matriculadas em escolas tradicionalmente preparadas para atenderem ensino fundamental, ou seja, crianças acima de seis anos. A procura seria muito maior se existisse uma campanha que desse publicidade a essa nova regra. É o que diz o presidente do Fórum Municipal de Educação (FME), Elcivan Gonçalves França. “Se tivessem campanhas, os pais procurariam e, certamente a Prefeitura não conseguiria atender à demanda.”
Para o diretor de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego), Napoleão Batista, o ideal seria que todas as escolas fossem públicas. “Quando a prefeitura não consegue construir novas escolas e Cmeis é preciso fazer convênios, que se torna uma necessidade para atender os estudantes que têm os direitos garantidos à educação”, disse. Ainda segundo Batista, o importante é garantir a boa educação. “O maior problema das conveniadas é que os professores não têm autonomia, como participar de greve, por exemplo.”
O coordenador geral do Sindicato dos Servidores da Educação de Goiânia, Antônio Gonçalves, classifica muitas das conveniadas como precárias. “É um absurdo como que a Prefeitura não investe em escolas, em ensino efetivamente público, e submete os profissionais e crianças a situações absurdas. Muitos servidores reclamam de perseguição, da falta de respeito. Salários muito abaixo, desrespeitando o piso salarial”, pontua.
MP investiga conveniada suspeita de irregularidades

Em meio à falta de vagas, o Centro de Educação Infantil Menino Jesus, gerido pela Associação os Moradores do Bairro Jardim Guanabara, não tem previsão de abertura para atender cerca de 180 crianças este ano. O presidente da associação, Reinaldo Alves Barbosa, é investigado pela 90° Promotoria de Justiça da Comarca de Goiânia, especializada na Defesa do Patrimônio Público, após denúncias de má gestão da verba destinada à filantrópica e suspeitas de fraudes em prestação de contas.
Professores da unidade ouvidos pela reportagem contaram que participaram de uma reunião na Secretaria Municipal de Educação em que foram informados que não voltariam à unidade. “Eles disseram que nós e os alunos seríamos realocados para outros locais”, contou uma professora.

A titular da 90° Promotoria, Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, escreveu na portaria n° 036/2017 que recebeu denúncias de que “embora as verbas repassadas devessem ser destinadas ao fornecimento de alimentação, manutenção da estrutura física, limpeza, isto não ocorria, havendo falta de professores e auxiliares em sala de aula bem como de alimentação para os alunos” e que “o gestor do centro de educação, Reinaldo Alves Barbosa, não estaria gerindo de forma correta os recursos repassados, deixando, inclusive, de proceder à devida prestação de contas.”
Para o Jornal Opção, Prado informou que solicitou documentos para averiguar as possíveis irregularidades. “Pedimos para a Secretaria Municipal de Educação as prestações de conta e já recebemos”.
Segundo apurou a reportagem, o presidente da associação também é suspeito de entregar um cheque justificando o pagamento de funcionários na prestação de contas junto à Controladoria Interna da Prefeitura de Goiânia – e que foi aceita facilmente. O cheque teria sido entregue a uma ex-funcionária como forma de pagamento. Procurada, ela nega que tenha recebido o pagamento e que não recebeu da associação pelos serviços prestados no Menino Jesus desde 2016. “Este dinheiro não foi para a minha conta. Ele me deve quatro meses de salário e o acerto trabalhista”, revela.
“Muita gente entrou na Justiça para requerer os direitos, mas ele não pagou ninguém. Ele me deve seis prestações de R$500 que acordamos na Justiça, mas ainda não recebi”, denuncia. Ex-funcionários relatam ainda que Reinaldo não cumpria integralmente o convênio n°029/2016, a que a reportagem teve acesso. Sem funcionários, o CEI ficava fechado à tarde e a alimentação seria precária às crianças.
A cláusula primeira previa que o convênio teria de atender 180 crianças na faixa etária de dois a cinco anos, na Educação Infantil, sendo cem crianças de dois a três anos, distribuídos em oito grupos em tempo integral, como estabelecido nas Diretrizes de Organização do Ano Letivo vigente.
Reinaldo, contudo, se defende das acusações e, sem ter sido notificado ainda pelo MPGO sobre as denúncias, disse ao Jornal Opção que vai procurar o órgão. “No final do ano passado a gente não tinha dinheiro para pagar funcionários. Não tínhamos recebidos da Prefeitura”, justificou Reinaldo ao telefone. Ele se defende das acusações, culpando “grupos políticos da região” de “plantarem denúncias” para prejudicá-lo.
A respeito das denúncias de falta de pagamento, Reinaldo não quis confirmar, mas disse antes de desligar o telefone: “Eu sei qual é a funcionária que deve ter denunciado isso.” A Prefeitura não quis confirmar se o CEI Menino Jesus continuará funcionando. l
