Pesquisas viraram “chutômetro”?
01 outubro 2016 às 10h49
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Pesquisas têm embasamento científico, mas nunca as margens de erro admitidas pelos institutos em Goiás foram tão altas
Afonso Lopes
De maneira geral, os institutos de pesquisa que atuaram nas eleições de Goiás este ano adotaram margens de erro fora do padrão. Na média, as margens ficaram acima de quatro pontos e abaixo de cinco. É muita coisa. Em disputas mais apertadas, trabalhar com margens tão grandes acaba desfigurando a própria pesquisa de aferição do potencial dos candidatos.
Nem sempre foi assim. Até agora, as margens eram mais elevadas em períodos distantes da realização das eleições e em torno de 2% durante a campanha eleitoral. Com margem de 4,5%, por exemplo, vantagem de nove pontos deve ser considerado como tecnicamente empatado dentro do limite da margem. Ora, em um eleitorado como o de Goiânia, é uma diferença que na prática soma nada menos que 86 mil votos, sendo 43 mil para mais ou para menos.
O inventor das pesquisas de opinião foi o estatístico americano George Gallup. Em meados do século passado, as pesquisas existentes eram promovidas pelos grandes veículos de comunicação, especialmente os jornalões de Nova Iorque, Washington e Los Angeles. Era um método tosco, que retratava apenas a opinião dos leitores desses jornais e não exatamente do conjunto da população.
Os jornais publicavam cupons que deveriam ser recortados, respondidos e enviados para a sede do veículo. Lá, em meio aos milhares de cupons, apurava-se a votação. As tais “pesquisas” dos jornais apontavam a vitória de A Landon contra Franklin Roosevelt com boa margem.
George Gallup resolveu então aplicar a ciência estatística nesse processo eleitoral. Despachou meia dúzia de entrevistadores e, rapidamente, sintetizou a opinião de apenas 1.500 eleitores espalhados pelos Estados Unidos. A sua conclusão foi desacreditada completamente pelos jornais. Gallup garantiu que Landon seria derrotado por Roosevelt. Ele não tinha dúvidas de seu método. E acertou na mosca.
É óbvio que a partir desse episódio ele teve que atender centenas de solicitações de conferências nas universidades dos Estados Unidos. Todo mundo queria saber que “mágica” era aquela que desmentiu as pesquisas com milhares de cupons de jornais com somente algumas entrevistas. Gallup resumiu o trabalho estatístico com um exemplo espetacular. Se alguém quiser saber a composição química da água depositada em um tanque com milhares de litros, não vai precisar nada além de um copo. O segredo está em agitar toda a água do tanque, de modo que retirado o copo de qualquer ponto, sempre haverá ali toda a composição química do recipiente inteiro. Mas por que as pesquisas dos cupons não funcionava, quiseram saber. Gallup explicou que elas funcionavam, sim, mas apenas com o público leitor daqueles jornais. Seria como tirar não um copo de água do tanque agitado, mas um balde inteiro de águas paradas. A composição química dependerá sempre de onde esse balde saiu, se do fundo, da superfície, de um local com sombra ou exposto ao sol.
A composição de uma pesquisa eleitoral é exatamente idêntica ao método sintetizado por Gallup até hoje. Os institutos estratificam o público-alvo a ser pesquisado por sexo, idade, condições de vida, profissão, cor, ambiente. Assim, quantificam exatamente o peso de cada grupo e estabelecem o número de entrevistas necessárias para se obter a opinião majoritária.
É, obviamente, um método científico extraordinário e praticamente infalível. Apenas alguns fatores excepcionais podem interferir episodicamente e comprometer o resultado obtido. Se algum instituto fizer uma pesquisa na Coreia do Norte, por exemplo, o resultado nem deve ser levado em conta. As respostas dos entrevistados conteriam o medo e a desconfiança por causa da fortíssima presença da ditadura.
Os institutos brasileiros de pesquisa adotaram margens de erro genéricas por uma questão mercadológica da divulgação. Tantos por cento para mais ou para menos para todos os candidatos. Mas como explicar a situação de um candidato cujo resultado é menor do que a margem de erro? O sujeito tem 2 pontos numa margem de 4%. Ele está entre 6% e 2% negativos??? E o que aparece com 20% estaria então entre 16% e 24%. Os mesmos 4% de margem de erro para um e para o outro mesmo com o segundo somando dez vezes mais intenções de voto que o primeiro.
Em meados da década de 1980, quando as pesquisas começaram a ganhar espaço e interesse nas eleições goianas, o instituto Serpes publicava a tabela correta da tal margem de erro, levando em conta o resultado individualizado. O problema é que, mesmo divulgando assim, muito pouca gente entendia o quadro. Ora, por que um candidato tem uma margem de erro diferente do adversário? Então, para ser melhor compreendida, a margem de erro se tornou genérica, válida para todos os pesquisados.
Mas por que a margem de erro dos institutos em Goiás ganhou a estratosfera de 4 ou 5 pontos este ano? Provavelmente, ao preparar a estratificação da sociedade como um todo, que serve como base para a pesquisa de opinião eleitoral, os institutos perceberam algum ruído extra. Possivelmente, o desinteresse do eleitor. Para contornar o problema, seria necessário aumentar muito o número de entrevistas, e isso manda o custo de um levantamento lá pra cima diante de caixas pra lá de baixos por causa da crise econômica. É como se os institutos estivessem trabalhando não um copo de água do tanque, mas apenas meio. Nesse caso, é óbvio que algumas moléculas escapem da análise química. Prudentemente, os institutos passaram a trabalhar com margens tão elevadas.
Respondendo a pergunta do título, não, não é “chutômetro”. Continua sendo pesquisa com embasamento científico. Mas que houve prejuízo para o conjunto de informações, inclusive jornalísticas, disponibilizadas pelas pesquisas, houve, sim.