Prerrogativa dos partidos distribuírem Fundo Eleitoral conforme conveniência política é injusta, segundo advogado eleitoral

Decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski faz com que candidatos brancos e negros nas eleições dividam Fundo ainda este ano | Foto: Reprodução / EBC

No dia 8 de junho, foi divulgada a distribuição dos valores aos quais 32 dos 33 partidos políticos registrados terão direito do total de R$ 2.034.954.824,00 de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), também conhecido como Fundo Eleitoral. Com base nos critérios previstos na lei, os partidos podem alocar o tesouro da forma como preferirem.

Segundo a Lei das Eleições (Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997), os partidos políticos podem realizar, por meio virtual, a definição dos critérios de distribuição dos recursos. A única exceção, é que devem observar os percentuais mínimos de candidatura por gênero (30% para mulheres), e possivelmente por etnia (5% para negros), embora este tema ainda tenha de ser referendado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O cálculo de distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha das Eleições 2020 considera o número de representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal na última eleição geral, bem como o número de senadores filiados ao partido que, na data do pleito, estavam nos primeiros quatro anos de mandato.

“Este é um fundo com recursos públicos. Isso faz com que seu uso devesse ser igualitário. O recurso público não deveria fomentar a candidatura que o partido achar melhor; o correto na democracia seria haver oportunidade igualitária para que candidatos pudessem se apresentar à população”

Dyogo Crosara, advogado eleitoral

A divisão do fundo obedece aos seguintes critérios: 48% divididos entre os partidos na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados na última eleição geral; 35% divididos entre os partidos na proporção do percentual de votos válidos obtidos pelas siglas que tenham pelo menos um representante na Câmara; 15% divididos entre os partidos na proporção do número de representantes no Senado; 2% divididos igualmente entre todos os partidos registrados no TSE.

Desta forma, o partido que deteve a maior fatia do Fundo Eleitoral foi o PT, com R$ 200.925.914; seguido pelo PSL, com R$ 193.680.822; e pelo PSD, com R$ 157.180.452. Veja a lista completa de verbas destinadas por partido clicando aqui. Apenas o partido Novo não entrou na partilha dos valores, por uma decisão interna da legenda, que renunciou aos recursos.

Brasília – Plenário do Congresso Nacional segue apreúmero de representantes de cada sigla no Congresso Nacional | Foto: Reprodução / Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

O Fundo Eleitoral será repassado aos partidos só após o período das convenções partidárias, que vai até 16 de setembro. O prazo final para registro dos candidatos e abertura das contas bancárias eleitorais vai até 26 de setembro. Contas especiais terão de ser abertas para receber a cota mínima de 30% das ações afirmativas por gênero, mas o TSE ainda não estipulou se o mesmo terá de ser feito para a ação afirmativa racial de 5% para negros.

Como preferirem

Como resultado pela discricionariedade dos partidos no alocamento do dinheiro público, cada partido pretende distribuir o tesouro para as candidaturas a vereador e prefeito nas eleições de 2020 conforme sua conveniência política. Embora ainda estejam acontecendo as convenções partidárias onde se definirá as regras específicas para destinação do fundo eleitoral, os dirigentes das siglas não se inibem em afirmar que destinarão maiores quantidades de dinheiro para locais onde têm mais chance de ganhar.

Entre os líderes partidários que responderam aos questionamentos, a exceção é o PSL de Delegado Waldir, que protocolou junto ao TSE regras para a distribuição do fundo. Por conta do racha no partido, a sigla teve de adotar normas para que não houvesse favorecimento ou prejuízo de candidaturas, conforme explica Delegado Waldir. 

O deputado federal afirma: “O PSL adotou orientação normativa nacional em que 20% do fundo será distribuído de forma igualitária entre todos os diretórios com candidatura, com exceção do Distrito Federal. Até 30% da distribuição se dará em função dos resultados obtidos por deputados federais em 2018. Os restantes 50% serão destinados através do país de acordo com a eficiência do trabalho realizado pelos diretórios.”

Deputado federal Delegado Waldir | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

Ainda de acordo com Delegado Waldir, o PSL tem cerca de 1700 candidaturas a prefeito nos 5570 municípios brasileiros, embora o período para homologação e convenções ainda esteja aberto. “Caso o candidato já tenha bom resultado nas pesquisas, fazemos uma destinação proporcional”, afirma o deputado federal. “Trabalhamos com resultado e eficiência. Mas não deixaremos nenhuma candidatura desabastecida. Não tem racha nesse ponto. Proporcionamos acompanhamento com assessoria jurídica e contábil, além de kits de material gráfico para realizar a campanha de todos os candidatos.”

Os partidos PSD, PT, PSC, PROS, MDB e DEM comunicaram que a distribuição do fundo através dos estados e dos municípios ainda está sendo resolvida e que não há decisões concretas até o término das convenções partidárias. 

Sem regras

O advogado eleitoral Dyogo Crosara afirma que as alegações de destinação de verbas segundo eficiência significam que os partidos definirão financiar candidaturas segundo a conveniência política. “Este é um fundo com recursos públicos. Isso faz com que seu uso devesse ser igualitário. O recurso público não deveria fomentar a candidatura que o partido achar melhor; o correto na democracia seria haver oportunidade igualitária para que candidatos pudessem se apresentar à população”.

Dyogo Crosara | Foto: Reprodução

Senão pelas ações afirmativas, os partidos não têm regras para financiar proporcionalmente pequenas ou grandes candidaturas. “Se fosse dinheiro privado tudo bem, mas faltam critérios objetivos para delimitar o uso do tesouro público”, afirma Dyogo Crosara. 

Eurípedes do Carmo, do PSC, admite que o partido levará em consideração a força da candidatura antes de decidir financiá-la. “O PSC em Goiás tem sua força. Imaginamos que o partido envie uma boa quantia para cá. E dentro de Goiás, teremos de 50 a 60 candidatos no Estado, então esperamos o fim das convenções para avaliar as coligações formadas antes de decidir a distribuição do fundo.” 

Judiciário legislando

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu obrigar os partidos a destinarem recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral de maneira proporcional às campanhas de candidatos negros, a partir das eleições de 2022. Para o advogado eleitoral Dyogo Crosara, trata-se de uma iniciativa importante, mas é preciso se atentar à forma como foi imposta, já que não passou pelo Poder Legislativo.

“Sem dúvidas, o conteúdo é interessante e necessário, considerando o contexto histórico de discriminação e racismo no Brasil.  É algo que promove a equidade entre candidatos brancos e negros, mas não podemos deixar de analisar, do ponto de vista jurídico, como se deu essa nova regra”, explica.

Segundo ele, a matéria compete ao Congresso Nacional, onde projeto com esta finalidade já tramita. “Por mais importante que seja, o tema deveria ter sido aprovado por meio de lei, passando pelo Legislativo, e não como uma decisão judicial tomada pelo TSE. Não cabe ao Judiciário a definição desta política pública de inclusão”, defende Crosara.

A corte ainda decidiu que a distribuição proporcional também deverá ser observada na divisão entre os candidatos do tempo de propaganda em rádio e TV do horário eleitoral gratuito a que o partido tem direito.

No julgamento, 6 dos 7 ministros foram favoráveis às cotas para financiamento de candidaturas negras. Votaram nesse sentido os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes, Luís Felipe Salomão e Sérgio Banhos.