Novo Plano Diretor de Goiânia caminha para ser mais do mesmo
25 março 2018 às 00h00

COMPARTILHAR
Os vereadores vão decidir, mas sem envolvimento de fato de toda a sociedade, o instrumento de mudança dos rumos da cidade pode virar somente uma burocracia a ser atendida

Motivos não faltam para que Goiânia mude seu rumo. Em artigos de arquitetos e textos de quem mais trabalhe com planejamento urbano –, as cidades são frequentemente associadas a “organismos vivos”, mas, obviamente, não podem mudar seu destino por si. Nesse sentido, é nítido que capital goiana passa por problemas de saúde: os sintomas se apresentam nos serviços públicos em xeque – desde a saúde à segurança, passando pela mobilidade urbana – e, pode-se dizer, tem um especial símbolo no caos que vêm se transformando suas veias-avenidas, especialmente com o infarto de uma de principais artérias: a Marginal Botafogo.
A forma de levar (ou deixar de levar) o debate sobre a destinação dessa via mostra muito da capacidade de discussão da atual administração municipal. Mesmo com vários desabamentos no último ano, não há uma rediscussão sobre seu papel no quadro da mobilidade urbana “versus” sustentabilidade. A decisão da administração – “remendar” a marginal e reabri-la ao fim, ainda que no limite mínimo da segurança – é feita apenas visando o imediatismo das necessidades do fluxo.
Por essas e outras, ainda que a minuta da revisão do Plano Diretor, produzida após muitas audiências públicas (“públicas, mas não “populares”, já que ocorreram, em sua maioria, em horários incompatíveis a quem trabalha e com plateia composta na maior parte por servidores da própria Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação – Seplanh) e tendo uma equipe técnica motivada à frente de sua elaboração, o que será feito na prática com todos esses meses de discussão não deve diferir muito do quadro atual, que reflete basicamente o interesse de grupos econômicos influentes, notadamente ligados à especulação imobiliária.
No Legislativo goianiense, que vai votar o documento elaborado, quem mais se envolveu na discussão foi a vereadora Cristina Lopes (PSDB). Ela se mostra “desanimada” com as perspectivas em torno da revisão do Plano. “Não há intenção alguma em mudar qualquer lógica do que está posto hoje, ainda que haja uma desorganização completa da cidade em todas as áreas, do meio ambiente à saúde, do trânsito à segurança, da educação à assistência”, diz. O modo de composição dos principais quadros da Prefeitura já serve de sinais claros do desinteresse em realmente dar uma cara nova e moderna à cidade, como ela mesma exemplifica. “Houve um absoluto fatiamento e loteamento do poder público para a acomodação de siglas e de seus interesses. Não é ilegítimo dar espaço a um partido na administração, mas não se poderia aceitar indicações irresponsáveis sem compromisso com o aspecto técnico”.
Ela vê o Plano Diretor como um jogo “para cumprimento das regras”, para cumprir o número de audiências, com um documento em que se escreve um ideal de proteção do meio ambiente e readequação da cidade. “A minuta afirma uma coisa aqui e nega três parágrafos depois, não há qualquer amarração, está tudo muito solto”. A outra ponta – a do conjunto de vereadores que vai analisar e votar a proposta – também não a anima. Razões para isso ela tem, já que priorizar a discussão do Plano Diretor acima de qualquer interesse setorial não parece ser uma vocação da atual legislatura. “Goiânia foi escolhida por apresentar uma riqueza impressionante de água, mas muitas construções são dentro d’água. Essa é só uma das incongruências que não considero que serão combatidas. Vou lutar, vou provocar o debater, vou fazer o contraditório, mas não vejo nessa revisão o remédio para os problemas de Goiânia”, resume.
Um prefeito alheio
Para um momento-chave, seria preciso envolver as pessoas certas nas posições certas. Se tinha alguém que pudesse ser realmente uma dificuldade a mais na elaboração de um Plano Direto condizente com as demandas e o destino de uma metrópole como Goiânia, Iris Rezende cai como uma luva nesse papel. É inegável que o emedebista tenha uma longa folha de serviços prestada à cidade, isso desde a década de 60: já em seu primeiro mandato, foi ele o promotor da urbanização – especialmente em termos de pavimentação – de bairros então afastados, como Campinas e Vila Nova, bem como a criação de novos núcleos populacionais e equipamentos públicos como o Parque Mutirama.
Mas também foi ele um dos principais responsáveis por algumas lambanças urbanísticas. A mais terrível talvez tenha sido, à época em que era o homem mais poderoso de Goiás, conceder à Arisco a instalação de seu parque industrial à beira do Rio Meia Ponte, na região norte da cidade. Começou ali um desastre ambiental que cimentou uma quantidade imensa de nascentes e olhos d’água, levou a poluição a uma área de chácaras e, além de tudo, deu o pontapé inicial no mau cheiro crônico nos bairros de um raio de pelo menos cinco quilômetros – no que é corresponsável a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Dr. Hélio de Seixas Britto, da Saneago, vizinha.
Iris nunca escondeu que vê como sinal de desenvolvimento e progresso de uma cidade seu avanço horizontal. Talvez por isso tenham sido criados ou lançados, em suas diversas gestões à frente do Executivo – municipal ou estadual –, bairros então longínquos como Vila Mutirão (1983, quando era governador) e Jardins do Cerrado (2009, como prefeito). O primeiro caso é especialmente emblemático: o molde em que foram erguidas as mil casas da Vila Mutirão seria condenável por qualquer urbanista mesmo naquela época – e é bom recordar que também foi instituído como política governamental de edificação por todo o Estado, tanto para moradia popular como para escolas e postos de saúde.
Como integrante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-GO) e professora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Maria Ester de Souza tem acompanhado toda a evolução dos trabalhos de revisão do Plano Diretor. Ela vê Iris Rezende exatamente como o ponto de entrave de tudo o que foi elaborado. “A minuta tem um texto bem escrito, não dá para negar que traz boas inovações, mas tudo isso está longe de ser uma pauta do prefeito. Além disso, é bom que se diga que um plano que pretende controlar a ocupação não é exatamente a pauta dos políticos envolvidos na leitura dessas leis na Câmara. Na verdade, a pauta é: quer ocupar em troca de quê?”, analisa.
É bom ressaltar, no entanto: a Câmara de Goiânia pode surpreender em um arroubo de preocupação real com políticas públicas de primeira ordem e fazer história, dando ao Plano Diretor de Goiânia uma redação final que faça jus às necessidades da cidade para se revitalizar. É algo a observar, mas, sem o envolvimento direto da sociedade e dos diversos segmentos organizados – o que não se tem em vista – o que sairá de lá para a sanção do prefeito não passará de apenas um passo burocrático que foi cumprido para manter os mesmos e nefastos interesses.