Não é porque Trump ganhou nos EUA que Bolsonaro vai ganhar no Brasil
20 maio 2018 às 00h00

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O deputado federal e pré-candidato à Presidência pelo PSL tem, sim, chances de se eleger, mas comparar a sua situação à do presidente estadunidense é um equívoco

“Vocês da imprensa subestimam Bolsonaro assim como subestimaram Trump nos Estados Unidos.” Este é um comentário frequentemente visto em qualquer matéria que diz respeito ao presidenciável do PSL, independentemente de criticá-lo ou apoiá-lo — afinal, hoje em dia, muitas pessoas não se dão ao trabalho de ler o texto completo e, às vezes, nem sequer o título.
A última pesquisa de intenções de voto para presidente, divulgada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), mostra Jair Bolsonaro liderando em todos os cenários sem o ex-presidente Lula da Silva (PT), que está preso há mais de um mês em Curitiba. O deputado federal do Rio de Janeiro oscila entre 18,3% e 20,7%.
Não há como subestimar um candidato que, até o momento, tem a preferência de praticamente um quinto do eleitorado — quem o faz está equivocado. Mas é também um equívoco comparar a sua situação à de Donald Trump.
Primeiro, porque os sistemas eleitorais do Brasil e dos Estados Unidos são completamente diferentes. O presidente estadunidense não precisou conquistar a maioria na votação popular nas eleições de 2016 — a postulante democrata, Hillary Clinton, obteve quase 2 milhões e 900 mil votos a mais que Trump, que venceu no colégio eleitoral. Além disso, por ter se lançado candidato pelo Partido Republicano, o bilionário largou com pelo menos 40% das intenções de voto.
Por sua vez, Bolsonaro não irá usufruir de uma máquina partidária tão grande assim. No PSL, que possui apenas oito deputados federais, ele terá pouquíssimo tempo de televisão e acesso a uma pequena fatia dos fundos partidário e eleitoral. No ano passado, o partido recebeu R$ 5,3 milhões do fundo partidário. Já o R$ 1,7 bilhão do fundo eleitoral, criado no final de 2017, será repartido entre as legendas de acordo com o tamanho de cada uma.
É claro que a vitória de Trump pegou muita gente de surpresa — o jornal “Los Angeles Times” foi o único entre os principais veículos de comunicação dos EUA que previu o triunfo do republicano. Contudo, é indiscutível que ele tinha muito mais chances de vencer do que Bolsonaro tem no Brasil — ressalta-se que a eleição do militar da reserva não é impossível, e sim mais difícil que a do empresário.
Diferenças
Em entrevista concedida à “Bloomberg” durante viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro declarou que a aproximação a nações com os quais se identifica é o que motivou sua ida ao país. Segundo ele, esta identificação se dá em praticamente todos os aspectos, como cultural e econômico, além de valores de liberdade, democracia, segurança e legislação.
“No Brasil, dizem que sou o ‘Trump brasileiro’. Ele sofreu rótulos durante a campanha e eu concordo com ele em muita coisa”, afirmou o presidenciável quando questionado sobre a sua similaridade com o presidente dos EUA. No Twitter, Bolsonaro parabenizou o republicano à época do pleito: “Vence aquele que lutou contra ‘tudo e todos’. Em 2018 será o Brasil no mesmo caminho”.
Bolsonaro e Trump podem até ser parecidos em alguns fatores, principalmente no que tange à legalização das armas e do aborto, bem como no trato com os estrangeiros — recentemente, Trump chamou imigrantes ilegais mexicanos de “animais” e Bolsonaro, em entrevista ao Jornal Opção há pouco menos de três anos, classificou refugiados como “escória do mundo”.
Em outros, porém, as diferenças são evidentes. Na economia, Trump adota uma postura protecionista com o objetivo de criar empregos dentro do país, fugindo do liberalismo econômico característico do Partido Republicano. Por outro lado, Bolsonaro quer colar em si a imagem de um liberal. Não é à toa que tem o economista Paulo Guedes, PhD pela Universidade de Chicago — a meca do liberalismo —, como o seu guru econômico.
A provável escolha de Guedes como ministro da Fazenda, caso Bolsonaro seja eleito, é outra medida que o difere de Trump. O economista em questão é respeitado pelo mercado e está inserido no chamado establishment, contra o qual o presidente estadunidense tanto luta. Frisa-se que Bolsonaro ocupa cargo político desde 1989 e, apesar do discurso aparentemente antipolítico, o pré-candidato do PSL sabe que dificilmente consegue se eleger sem a força do sistema.
A propósito, destaca-se o fato de que alguns políticos europeus quiseram surfar, sem sucesso, na onda antipolítica inaugurada por Trump e pelo Brexit, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia. São os casos de Marine Le Pen, na França, Geert Wilders, na Holanda, e Norbert Hofer, na Áustria. Os três eram associados ao presidente dos Estados Unidos, mas não se elegeram em seus respectivos países.
Nacionalismo
Em 2016, Bolsonaro votou favorável ao projeto de lei que permite a extração de petróleo do pré-sal por parte de empresas estrangeiras e defendeu, na semana passada, a abertura da floresta amazônica à exploração. “A Amazônia não é nossa”, disse, conforme relata a versão brasileira do jornal “El País”.
Ademais, o deputado federal já demonstrou interesse em parcerias com empresas estadunidenses no setor mineral brasileiro, entre outras áreas, ao invés de fazer concessões aos chineses — neste ponto, ele se parece, e muito, a Trump, que também tem aversão à China. Vale lembrar ainda do episódio em que Bolsonaro bate continência à bandeira dos EUA — é impensável imaginar Trump fazendo o mesmo com qualquer outra bandeira que não fosse a de seu país.
Há quem considere tais atitudes antipatrióticas ou antinacionalistas. Portanto, mesmo tendo como lema “Brasil acima de todos, Deus acima de todos”, Bolsonaro, na prática, se distancia do slogan de Trump “Make America Great Again” (“Faça os Estados Unidos grandes de novo”, em tradução livre).
Para a agência Cambridge Analytica, responsável pela campanha do republicano em 2016, o brasileiro tem uma imagem “ruim”. É por essas e por outras que os marqueteiros de Trump se recusaram a trabalhar para Bolsonaro nas eleições deste ano.