Há 50 anos: o dia em que o AI-5 retirou a máscara da ditadura civil-militar
13 dezembro 2025 às 23h27

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Djalba Lima
Em 13 de dezembro de 1968, o Brasil atravessou uma fronteira sem retorno imediato. Naquela noite, o governo do general-presidente Artur da Costa e Silva editou o Ato Institucional nº 5, o AI-5 — o instrumento que suspendeu direitos, silenciou vozes e institucionalizou o arbítrio. Não foi apenas mais um decreto autoritário: foi a certidão oficial da ditadura em sua forma mais dura.
Cinquenta e sete anos depois, compreender o AI-5 é compreender o que é uma ditadura, como ela se constrói juridicamente e por que a memória desse período é essencial para a democracia.
O Brasil antes do AI-5: tensão, crítica e medo do dissenso
Quatro anos após o golpe de 1964, o regime militar ainda buscava uma aparência de normalidade institucional. Havia Congresso, eleições controladas, imprensa parcialmente livre. Mas essa fachada começou a ruir em 1968.
O país vivia:
— Mobilizações estudantis em várias capitais
— Greves operárias em Contagem e Osasco
— Produção cultural crítica (teatro, música, cinema, imprensa)
— Discursos cada vez mais duros no Parlamento
Para o regime, crítica passou a ser sinônimo de ameaça. O discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que denunciou abusos das Forças Armadas, foi o estopim político. O AI-5 foi a resposta: não ao discurso específico, mas à ideia de oposição.

O que é uma ditadura? O AI-5 responde
Uma ditadura não se define apenas pela presença de militares no poder. Ela se caracteriza por alguns elementos centrais, todos reunidos no AI-5:
— Concentração absoluta de poder no Executivo
— Supressão de direitos individuais
— Eliminação dos freios e contrapesos institucionais
— Criminalização da oposição
— Subordinação da Justiça ao governo
O AI-5 reuniu tudo isso em um único texto.
Congresso fechado, democracia suspensa
O ato autorizou o presidente a fechar o Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Quando isso ocorresse, o Executivo passaria a legislar sozinho, por decretos.
Na prática, a representação popular foi suspensa. O país deixou de ser governado por leis debatidas e passou a ser comandado por ordens.
Intervenção irrestrita e fim do federalismo
Governadores e prefeitos passaram a poder ser substituídos por interventores nomeados diretamente pelo presidente, sem limites constitucionais. O pacto federativo virou uma formalidade. Estados e municípios tornaram-se extensões administrativas do poder central.
Cassações, perseguições e silêncio forçado
O AI-5 permitiu:
— Cassação de mandatos eletivos
— Suspensão de direitos políticos por até 10 anos
— Proibição de manifestações políticas
Sem direito de defesa. Sem julgamento. Sem prazo para acabar.
Intelectuais, professores, jornalistas, parlamentares e lideranças sindicais foram afastados, presos, exilados ou silenciados.
O ataque às instituições e ao pensamento crítico
Garantias como estabilidade, vitaliciedade e inamovibilidade foram suspensas. Isso abriu caminho para expurgos em:
— Universidades
— Judiciário
— Serviço público
— Forças Armadas
Foi uma operação de limpeza ideológica. Pensar diferente tornou-se perigoso.
Habeas corpus suspenso: o corpo entregue ao Estado
Talvez o ponto mais grave do AI-5 tenha sido a suspensão do habeas corpus para crimes políticos. A partir daí:
— Prisões arbitrárias tornaram-se rotina
— A tortura passou a ser prática sistemática
— Desaparecimentos forçados foram encobertos pelo Estado
Sem habeas corpus, o cidadão deixa de ter proteção contra o poder. O corpo passa a pertencer ao regime.
Quando a Justiça é proibida de julgar
O AI-5 determinou que nenhum ato praticado com base nele poderia ser questionado no Judiciário. O governo tornou-se juiz de si mesmo.
Esse dispositivo consagra o núcleo de toda ditadura: o poder que não responde a ninguém.
Os “anos de chumbo”
O AI-5 permaneceu em vigor até 1978. Nesse período, o Brasil viveu:
— Censura prévia à imprensa, à música e ao teatro
— Prisões ilegais e centros de tortura
— Assassinatos políticos e ocultação de cadáveres
— Exílio de centenas de brasileiros
Tudo isso amparado por um texto “legal”.
Por que lembrar, 57 anos depois?
O AI-5 não é apenas um capítulo encerrado da História. Ele é um alerta permanente.
Ditaduras não começam com tanques nas ruas. Começam com discursos sobre “ordem”, “moral”, “inimigos internos” e “necessidade de medidas excepcionais”. O AI-5 mostra como o autoritarismo se constrói passo a passo — e como, quando percebido, já costuma ser tarde.
Lembrar o AI-5 não é revanchismo.
É defesa da democracia.
É memória contra o esquecimento.
É história contra a repetição.
Djalba Lima, jornalista, é colaborador do Jornal Opção.
