Escândalos de crimes financeiros dão início ao ‘inverno cripto’

11 dezembro 2022 às 00h00

COMPARTILHAR
O Bitcoin, que começou o ano de 2022 valendo R$ 266 mil, está atualmente cotado em “apenas” R$ 90 mil. O Ethereum, a segunda criptomoeda* mais popular do mundo, perdeu 68% de seu valor. Diversos outros criptoativos menores desapareceram no último mês. A desvalorização das moedas digitais livres e descentralizadas tem diversas razões, e especialistas afirmam que o momento de queda, que tem sido chamado de “inverno cripto”, está longe do fim.
O banco britânico Standard Chartered distribuiu nota a seus clientes em que prevê que a cotação do Bitcoin corre o risco de afundar até US$ 5 mil no próximo ano e que existe uma série de riscos negligenciados por investidores. Eric Robertsen, chefe de pesquisas do Standard Chartered, escreveu: “Mais e mais empresas cripto e corretoras encontram dificuldades com liquidez insuficiente, levando a mais falências e a um colapso na confiança dos investidores em ativos digitais.”
Soma-se ao pessimismo do mercado o cenário internacional turbulento, de alta global da inflação e de aperto nos juros por governos de diversos países. Neste contexto de escassez de dinheiro em circulação, os bancos e fundos de investimento com reservas em criptomoedas se mostraram incapazes de vender os ativos dos investidores de forma rápida sem grande depreciação de valor. Para economistas tradicionais, isso significa que mesmo que contribuições associadas à tecnologia, como a blockchain, continuem a se desenvolver, o Bitcoin não cumprirá a promessa de um dia se tornar dinheiro de fato.
Razões para o colapso
Everton Rosa é professor e vice-coordenador do Curso de Ciências Econômicas da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (Face-UFG). Para o economista, não são apenas as criptomoedas que entraram em crise, mas diversas empresas de tecnologia têm passado por turbulência com a frustração das expectativas dos investidores que apostaram em enriquecimento rápido por meio da inovação tecnológica.

“Redes sociais como Twitter e Meta fizeram demissões em massa”, lembra Everton Rosa. Os NFTs (Token não fungível) e o Metaverso também foram atingidos pelo pessimismo. “O mundo da tecnologia agora está colocando os pés no chão. Toda nova tecnologia é associada com expectativa, pois, sendo nova, não tem histórico de fracassos passados”. Segundo Everton Rosa, as criptomoedas tiveram uma fase de entusiasmo pois surgiram com promessas de substituir o lastro em ouro, de descentralizar o sistema econômico, e esse otimismo foi combustível para a especulação. “Agora, o entusiasmo vai sendo abatido pelas dificuldades do mundo real. As pessoas apostam porque querem ficar ricas rápido, mas a valorização contínua é impossível.”
As dificuldades do mundo real que agiram como estopim para o estouro da bolha especulativa em torno dos criptoativos foram escândalos de crimes contra a ordem financeira, cometidos por proprietários de fundos de investimento e corretoras. No mesmo mês, se descobriu que a criptomoeda TerraUSD era um esquema de pirâmide e a corretora FTX foi à falência por inflar artificialmente a demanda por sua moeda digital – crimes antigos no mercado financeiro, mas repaginados para o mundo digital.
“A aposta de que as criptomoedas seriam o futuro das transações, substituindo o dinheiro e superando as limitações do sistema financeiro internacional, foi trazida abaixo por esses fiascos”, comenta Everton Rosa. Na opinião do economista, isso não significa a morte da ideia de criptomoedas, pois o mercado financeiro tradicional também sofre com os crimes de pirâmide e de criação de demanda artificial – trata-se apenas de uma revisão das expectativas.
“Na minha perspectiva, o boom das criptomoedas passou. Não quer dizer que elas vão ser extintas, mas a fase de otimismo crescente ficou para trás junto com as promessas de enriquecimento rápido. Os criptoativos foram inflados pelo entusiasmo dos jovens, que não têm referência das crises financeiras passadas. Bill Gates afirmou que esse mercado opera na ‘lei do mais tolo’: para manter as cotações em alta, é preciso um fluxo de alguém mais tolo entrando no barco para que os especuladores antigos tenham a quem vender o conteúdo de suas carteiras.”
O último escândalo do inverno cripto
Sam Bankman-Fried, mais conhecido como SBF, de 30 anos, operava seu fundo de investimentos desde 2017, a Alameda. A empresa fazia arbitragem (comprava criptomoedas onde estivesse barato e vendia onde tivesse cotação maior) e alavancagem (comprava em baixa e esperava por momentos de alta), duas operações legais e comuns.
Em 2019, o então bilionário criou sua própria corretora, a FTX, e passou a emitir sua própria criptomoeda, a FTX Token (FTT). Como as criptomoedas ganham ou perdem valor de acordo com a demanda, SBF passou a usar sua empresa Alameda para demandar pelas moedas da FTX. Com um fundo de investimentos sempre disposto a comprar o FTT por um preço acima do mercado, o valor da moeda disparou 1.200% ao longo do ano de 2021.
Ao final do processo, a Alameda tinha quase todo FTT disponível no mercado, e a empresa usou esses ativos como garantia para fazer empréstimos em dólar, mesmo sem possuir dinheiro algum em caixa. O esquema só começou a dar errado com a desvalorização do Bitcoin e Ethereum, quando os especuladores ficaram desconfiados das criptomoedas e resolveram vender o FTT que tinham enquanto a cotação estava alta.
O caixa da FTX e da Alameda esvaziou para pagar dívidas com os credores, o site CoinDesk publicou uma matéria em que revelava o esquema, e em apenas algumas semanas o valor das empresas passou de US$ 32 bilhões (US$ 2 bi a mais que o Bradesco) para zero.
*O que são criptomoedas
Uma criptomoeda é uma espécie de dinheiro eletrônico cujas transações acontecem de ponto a ponto, ou seja, sem intermediários. As transferências podem ser verificadas por todos usuários, pois ficam gravadas em um banco de dados distribuídos chamado blockchain. Blockchain é uma estrutura sem uma entidade administradora central, o que torna impossível para qualquer autoridade financeira ou governamental manipular a emissão e o valor da criptomoeda ou induzir a inflação com a produção de mais dinheiro.
Existem milhares de criptomoedas, cada uma com sua proposta. A mais popular e valiosa criptomoeda, o Bitcoin, apostava em atrelar sua valorização a um mecanismo de escassez (a produção de Bitcoins é reduzida de forma exponencial em função do tempo). No entanto, grandes movimentos especulativos de oferta e demanda influenciam na oscilação de seu valor no mercado de câmbio, sendo definido livremente durante as 24 horas do dia. No final das contas, a valorização do Bitcoin se deveu muito mais à especulação do que ao uso da moeda em transações financeiras.