Promotores e procuradores acreditam que revisão da lei trará prejuízos ao combate à corrupção

Mesmo alegando prioridade nas pautas econômicas, a Câmara dos Deputados tem avançado com um projeto substitutivo que promete rever a Lei de Improbidade Administrativa. As alterações são consideradas pelo Ministério Público um afrouxamento das regras que tem auxiliado nas ações de combate à corrupção. 

O empenho em mudar a Lei de Improbidade Administrativa resultou numa aliança que poucos poderiam imaginar: o líder do governo Bolsonaro na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), tem caminhado junto com o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) que faz oposição ao presidente, além incentivo vindo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Essa junção de forças na Câmara dos Deputados além evidenciar o interesse em mudar as regras contidas na atual Lei de Improbidade Administrativa, dá clara demonstração de que a matéria não deve encontrar resistência em ser aprovada. Em recente entrevista Rodrigo Maia disse que a revisão da lei traria mais segurança aos gestores, que hoje ficam a mercê de normas que não são objetivas. “Queremos melhorar a segurança do tema. Temos o artigo 11 da lei, que é muito amplo, trata de princípios. Um juiz julga de um jeito, na Vara do lado de maneira diferente”, apontou. 

Membros do Centro de Liderança Pública (CLP), que tem acompanhado de perto a tramitação da matéria, tem o mesmo posicionamento de Maia. A organização suprapartidária, que tem atuado fortemente junto aos parlamentares da frente de reforma administrativa, tem promovido reuniões e conversas no Congresso para debater o tema – que acreditam que pode ser votada ainda este ano.

“O Projeto de Lei tem total consonância para fortalecer a agenda de reforma administrativa”, diz o diretor de Operações do CLP, Tadeu Barros. “Sinto que existe uma força para essa votação, por ser um dos pontos que eles defendem e até brincam que é o cartão de visita para a reforma administrativa. Eu considero que numa esteira de prioridades o projeto que barra os  supersalários é o primeiro a ser votado e a improbidade viria em seguida”, completa.

Tadeu Avalia que a mudança na Lei de Improbidade faz parte de um trabalho que visa dar segurança jurídica aos gestores municipais que, segundo ele, se sentem “acanhados” ao tomar uma decisão, por temer a lei. “Um dos pontos fundamentais é o risco da caneta. Então muitas vezes um gestor público fica acanhado em tomar alguma decisão e ser punido de forma equivocada. Com certeza, um dos pontos é tentar trazer um escopo que dê a segurança jurídica e uma possibilidade do gestor tomar as decisões”, afirma ao defender a revisão da lei. 

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) concluiu o texto final da proposta na última semana. O relatório dele é fruto do trabalho de uma comissão de juristas criada em 2018 para discutir o tema. Inicialmente a revisão foi debatida com a sociedade civil e até tinha o apoio do MP, mas o deputado petista propõe um texto substitutivo. Se passar a vigorar, essa versão fará com que sejam considerados improbidade administrativa apenas atos com dolo. Atualmente não há essa ressalva. Podem ser enquadrados atos culposos (cometidos sem intenção), por exemplo. 

“O ponto central da lei é punir o gestor que causar prejuízo ao patrimônio público ou que enriquece de forma ilícita. Ao mesmo tempo, precisamos corrigir a lei para aquilo que vai além destes objetivos. É difícil fazer esse debate na atual conjuntura, mas à medida que a lei de improbidade é calibrada, fica mais seguro para o gestor público fazer o seu trabalho”, explicou o parlamentar. 

Ele lembra que, da forma ampla como está atualmente a legislação, são propostas muitas ações de improbidade que, ao final, não terminam em punição. “Cerca de 60% dos processos de improbidade não resultam em absolutamente nenhuma condenação, mas são processos que duram muitos anos”, afirmou o parlamentar lembrando que, nestas ações os juízes acabam decretando o bloqueio de bens antes mesmo de se decidir se a acusação é procedente. 

A proposta na Câmara dos Deputados passa por comissões neste momento. No documento, há, por exemplo, modificação para limitar para quatro anos a perda de direito político de um político enquadrado por improbidade administrativa. Pelo texto, somente enriquecimento ilícito e lesão ao erário serão alvos de punição. Envolvimento de agentes públicos em fraude em licitação é outro exemplo do que ficaria de fora do rigor da lei. 

A proposta criticada por promotores

Promotores e procuradores entendem que a possível alteração da Lei de Improbidade Administrativa trará “um dos maiores retrocessos no combate à corrupção e na defesa da moralidade administrativa”. A declaração, enviada por meio de nota técnica emitida pela Câmara de Combate à Corrupção do MPF (Ministério Público Federal) ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

O procurador do Ministério Público Federal Hélio Telho é um dos críticos da mudança da Lei de Improbidade. Em seu twitter ele declarou: “Na prática, o substitutivo sepulta a repressão à improbidade administrativa no Brasil”, avaliou o procurador. “Pela proposta de Carlos Zarattini, não será mais improbidade nomear parentes, nem direcionar a contratação em favor da empresa do financiador da campanha, tampouco deixar de prestar contas de recursos públicos. O agente público se tornará dono do cargo, como na época da monarquia”, completou o procurador.

A promotora Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, que coordena da Área de Patrimônio Público e Terceiro Setor do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público de Goiás (MP-GO) é categórica ao chamar a proposta de revisão da Lei de retrocesso. “Um dos pontos mais polêmicos e gravosos é a eliminação do Artigo 11 da Lei, que define a improbidade por violação de princípios administrativos. Com a retirada desse artigo várias situações vão ficar sem punição, como por exemplo, fraude em concurso público, situação de assédio, situação de privilégios em concorrências caso não haja uma situação de sobrepreço, favorecimentos indevidos e falta de prestação de contas”, exemplifica.

A promotora ainda argumenta que a revisão da lei da forma como foi proposta exclui a modalidade culposa de dano ao erário. “Os atos de improbidade que causem dano ao erário elas pode ser punido por dolo ou por culpa. Atualmente está em total consonância com o sistema de responsabilização da Constituição. Não se responde aos danos que se causam a terceiros só a título de dolo, pode ser também em razão de culpa, imprudência, imperícia, falta do cuidado necessário… isso faz parte do sistema de responsabilização constitucional. Essa alteração exclui essa possibilidade de punição”, salienta.