Conheça Aporé: a cidade com renda média de R$ 8 mil tem realidade muito diferente da retratada por estatística da FGV

12 julho 2025 às 21h00

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Localizado no Sudoeste de Goiás, próximo à divisa com o Mato Grosso do Sul e a cerca de 480 quilômetros de Goiânia, o município de Aporé, com pouco mais de 4,3 mil habitantes, ganhou destaque nacional ao ser apontado recentemente como a segunda cidade mais rica do Brasil. O reconhecimento veio a partir de um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), baseado nos dados do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) de 2020, que revelou uma renda média de R$ 8.109 por habitante. No entanto, moradores e empresários da cidade contestam a realidade retratada na pesquisa.

À primeira impressão, parece com outros pequenos municípios de Goiás. Entretanto, se encontra em um espaço econômico muito estratégico, o que tem lhe oferecido vantagens especiais. Não por acaso, Aporé tem atividades relevantes na agricultura, pecuária e na indústria, gerando uma produção significativa, investimentos e oferta positiva de empregos, conforme mostra o Caged/MTE.
Sua vantagem geográfica permitiu que fosse contemplada com a edificação de cinco hidrelétricas, entre elas a PCH Planalto, no rio Aporé, e a Usina Hidrelétrica de Espora, no limite de Serranópolis. Em 2023, foi inaugurada a Usina de Nardini Agroindustrial, que produz etanol e bioeletricidade a partir do bagaço da cana-de-açúcar. A usina recebeu investimentos de 800 milhões de reais e gerou por volta de 1000 empregos. Como existem projetos para a criação de energia solar em fazendas, tal atividade ainda poderá contribuir mais com o setor energético.
Em pesquisa publicada em março deste ano pela Fundação Getúlio Vargas, conduzida pelo economista Marcelo Neri, Aporé foi uma grande surpresa, surgindo na segunda colocação no ranking dos municípios mais ricos do Brasil, perdendo somente para Nova Lima (MG). A pesquisa teve como objetivo mapear os fluxos de renda e os estoques de ativos dos mais ricos brasileiros a partir do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), ou seja, quis responder onde estão os mais ricos do país.

Aos modos do economista francês Thomas Piketty, Neri coordenou um levantamento que aponta para a possibilidade de haver algum nível de desigualdade de renda e riqueza no âmbito dos municípios brasileiros. Vários outros estudos, como o da Oxfam, realizam análises nacionais ou regionais quanto ao grau de desigualdade desses lugares, mas o da FGV é bastante interessante por mostrar o perfil socioeconômico dentro de cada município, onde as pessoas realmente vivem e se relacionam cotidianamente.
Nesse sentido, a classificação do município de Aporé, dentro de um ranking colossal — entre 5.570 municípios —, merece muita atenção. O que faz com que essa cidade, com pouco mais de 4 mil habitantes, esteja tão bem colocada não é a qualidade de vida do aporeense — que pode ser boa, visto que está dentro de um IDH médio (0,693), mas muito abaixo das suas vizinhas Jataí (0,757) e Mineiros (0,780). Também não é a infraestrutura oferecida aos cidadãos, já que, neste sentido, o município não se mostra tão diferente de outros pequenos municípios do Estado de Goiás.
Duas variáveis importantes da pesquisa são “renda média da população” e “renda média dos declarantes”, que não são a mesma coisa, mas, de forma relativa, a segunda pertence à primeira. Os declarantes do IRPF são apenas 12,26% da população total, com renda média mensal de 66.125 reais. A renda média da população total (4.325 habitantes) é de 8.109 reais.

Esses números geraram a ideia de riqueza informada pela pesquisa. A renda média da população pode não ser um bom indicador para estabelecer se uma cidade é rica, pois ele soma a renda de todos (salários, lucros, dividendos, aluguéis e juros) e divide essa quantidade pelo número de habitantes: os que obtêm renda e que não têm renda. A renda altíssima de quem está no topo da pirâmide social puxará para cima todos os que estão na base da pirâmide, chegando à renda média de R$ 8.109, dado que o pesquisador apresenta.
Quanto ao PIB per capita, a situação ainda fica mais confusa. Aporé tem um PIB de R$ 395,7 milhões, que, dividido por toda a sua população, resulta em um enorme PIB per capita de R$ 92,8 mil — um número bem maior do que o PIB per capita do Estado de Goiás, de R$ 37,4 mil. Na verdade, a renda média do trabalhador formal – média dos salários – de Aporé é o dado mais pertinente. Segundo o Ministério do Trabalho, e comprovada em reportagem in loco feita pelo Jornal Opção, gira em torno de R$ 2 mil a R$ 2,7 mil mensais. A contrário do PIB per capita, esse valor está abaixo da média do Estado, que é de R$ 3 mil.
Considerando que o número de trabalhadores formais em Aporé não ultrapassa 1,5 mil e que a renda média mensal dos declarantes é de R$ 66.125, esse valor é considerado baixo. A realidade é que Aporé possui pessoas ricas, mas não pode ser classificada como uma cidade rica. Isso se deve à evidente concentração de renda, algo perceptível tanto em uma visita ao município quanto nas pesquisas disponíveis.
As classes mais pobres — D e E — respondem por 44% do total das remunerações na cidade, enquanto as classes mais altas concentram 32,5%, segundo dados do IBGE. Isso indica uma significativa concentração de renda no topo da pirâmide social. Já de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), o patrimônio líquido médio dos declarantes chega a R$ 6,8 milhões, um valor muito superior à média da população em geral, que é de R$ 837 mil. Esse abismo revela que o patrimônio dos poucos ricos está muito acima da média, enquanto os mais pobres possuem um patrimônio muito abaixo dela.
A situação de desigualdade, todavia, deve ser observada como um desafio para o município e não como uma condição insuperável. O PIB cresce, os investimentos são favoráveis e os empregos também aumentam a cada ano, numa proporção positiva para um município pequeno. Nos últimos dez anos, o crescimento nominal do nível de atividade econômica da cidade foi de 362,2% e a taxa apresentada nos últimos 5 anos foi de 28,8%. De janeiro a maio de 2025, houve incremento de 14 novas empresas na cidade.
Também, nesse período, o município acumulou mais admissões que demissões, com um saldo de 365 trabalhadores. Em todo o ano de 2024, o saldo foi de 243. Aporé é o 7° município do Estado com maior saldo de empregos per capita, a cidade possui um saldo de 58 por habitante no ano. Enfim, essa dinâmica potencializa a mobilidade social e gera novas oportunidades para empreendedores e trabalhadores, podendo reduzir o nível de desigualdade.
Conhecendo Aporé in loco

O Jornal Opção foi até Aporé para verificar a realidade salarial dos moradores e apurar se, de fato, alguém recebe os mais de R$ 8 mil indicados pela pesquisa. A reportagem conversou com empresários, produtores mais, moradores, trabalhadores e com o prefeito da cidade para entender essa conjuntura. O que se constatou, no entanto, foi um cenário bem diferente: os trabalhadores do comércio local, em sua maioria, recebem entre um salário-mínimo e R$ 2 mil por mês.
Esse panorama muda um pouco quando se observa os salários pagos por indústrias, como o frigorífico Boiporé e a Nardini Agroindustrial — a última atuante no setor sucroenergético —, além de cargos públicos. Nesses casos, os rendimentos giram em torno de R$ 2.500 a R$ 3.500, em média. A exceção encontrada pela reportagem foi a empresa Trans Euro Transporte, responsável, entre outras atividades, pelo transporte de cana para a Nardini. Lá, motoristas podem receber mais de R$ 6 mil líquidos, sendo a empresa que mais se aproxima do valor médio de R$ 8 mil apontado no levantamento.
Outro fator observado, já que a prefeitura tem uma boa arrecadação, foi em relação à infraestrutura da cidade, asfalto, habitação, saneamento básico, saúde e educação. Em relação ao asfalto, as ruas estão todas asfaltadas e em bom estado. Quanto à saúde, moradores relataram que não há do que reclamar. “Estou gostando muito. Na verdade, melhorou muito a saúde do nosso município, pois está atendendo até pessoas de outros municípios”, disse a dona de casa Maria da Silva. Porém, quase que de maneira unânime, os moradores reclamam de três problemas sérios: primeiro, a precariedade dos prédios das escolas municipais. “O ensino é bom, mas os prédios estão caindo”, disse uma moradora; segundo, a cidade não tem saneamento básico, ou seja, não tem esgoto, funciona com fossas; e em terceiro, a falta de um programa de habitação.
Acerca da habitação, um comerciante frisou que está chegando muita gente de fora para trabalhar na cidade. Porém, estão indo morar no município vizinho, já no Estado do Mato Grosso do Sul, em Cassilândia, que fica a 30 km de Aporé.
“Essas pessoas estão vindo para trabalhar em nosso município, mas não encontram moradia na cidade. Nosso prefeito ainda não despertou para essa necessidade urgente, pois era para o comércio estar melhor se essas pessoas estivessem morando aqui e gastando aqui”, ressaltou.
Empresários, trabalhadores e migrantes criticam discrepância entre dados e realidade local
A pesquisa da FGV surpreendeu e virou motivo de piada entre os moradores da cidade. A reportagem ouviu trabalhadores e empreendedores locais, que garantem que os valores estão muito distantes da realidade vivida no município.
“Esse salário a gente não recebe. É muito acima da nossa realidade. Claro que gostaríamos, mas, levando em conta o porte da cidade, não condiz com o que vivemos aqui”, diz Ludmila Perez, funcionária de uma loja de móveis e eletrodomésticos. Com salário fixo de R$ 1.600 e comissões que variam conforme as vendas, ela consegue uma renda mensal próxima de R$ 3 mil.

A vendedora Rosivania Ferreira, de 26 anos, também reagiu com incredulidade ao levantamento. “Todo mundo aqui ria muito, foi motivo de piada na cidade. Aqui não falta trabalho, mas o salário nem chega perto de R$ 8 mil”, afirma. Ela diz estar satisfeita com os pouco mais de R$ 2 mil que recebe por mês.

Nem mesmo empresários da cidade alegam atingir a renda apontada na pesquisa. Talita Silva Rezende, comerciante há 23 anos, afirma que o número é incompatível com a realidade do município. “Nem eu ganho isso. Mesmo assim, o comércio aqui paga melhor que em outras cidades da região. Muita gente vem procurar emprego aqui,” relata.
Orelizo Rosa de Souza, de 53 anos, trabalha em fazenda como vaqueiro, tratorista e faz-tudo. Ele também se surpreendeu com a pesquisa. “Foi uma farra. Todo mundo queria saber onde estava a nossa parte. Eu nunca ganhei mais de R$ 2.500. Para alcançar esse valor da pesquisa, preciso de uns três meses de trabalho.”

Dona de um depósito de gás e um ponto de jantinha, Wiliani Aparecida, 41 anos, considera que a divulgação dos dados foi irresponsável. “Esse pessoal deveria ter vindo à cidade, como fez o Jornal Opção, para constatar a realidade. Nem somando os lucros dos dois negócios eu consigo tirar 8 mil por mês. ” Ela conta que paga um salário mínimo ao entregador do depósito e um pouco menos aos auxiliares da jantinha, que trabalham cerca de cinco horas por noite.

Migrantes buscam melhores salários
Apesar das críticas à média divulgada, alguns moradores reconhecem que Aporé oferece remunerações mais atrativas do que outras regiões. Emerson da Silva, de 19 anos, natural de Natal (RN), trabalha em um mercado da cidade. “no Nordeste tem trabalho, mas você trabalha mais e ganha menos. Aqui ganho R$ 1.800. Lá eu ganhava menos que o salário mínimo.”

Paulo Cézar Martins, 36 anos, também veio do Rio Grande do Norte e trabalha como entregador em um mercado. “Vim por meio de amigos que já estavam aqui. O salário daqui é melhor do que os do Nordeste. Lá, com ensino médio completo, ganhava pouco mais de mil. Aqui recebo R$ 2.200”, diz. Mesmo com saudade das praias potiguares, ele não pensa em voltar: “O Rio Aporé ajuda a matar a saudade. Mas quero ficar por aqui mesmo.”

Setor agropecuário e transporte têm salários mais altos
Alguns setores da economia local, como o agropecuário e o de transporte, conseguem oferecer remunerações mais altas. O produtor rural Eldo de Assis Carvalho planta mil hectares de soja por ano e cria gado de corte em Aporé. Ele emprega dez funcionários, com salário médio de R$ 3.500 mais gratificações. “Tem funcionário que chega a tirar R$ 2. 500 por mês somente de gratificação, ou seja, R$ 30 mil por ano”, relata, destacando, no entanto, a escassez de mão de obra qualificada.

O motorista de rodotrem Eduardo Nascimento Alves, de 34 anos, natural de Pernambuco, afirma que encontrou em Aporé uma oportunidade única. Contratado pela Trans Euro Transporte, ele recebe R$ 6.200 mensais, já com tíquete alimentação. “O salário aqui não é bom, é excelente. Só é ruim porque não é o ano todo. Quando voltamos para o Nordeste, a realidade muda — , no máximo, R$ 4 mil.”

Secretária de Aporé rebate dados sobre renda e destaca ações sociais no município
A secretária de Assistência Social de Aporé, Geovana Vasconcelos de Freitas, contestou os dados divulgados. Segundo ela, os números não refletem a realidade local e têm gerado cobranças injustas à administração.
“O nosso dia a dia aqui é completamente diferente do que foi colocado nessa pesquisa. Muitas pessoas vivem em situação de vulnerabilidade e sentem vergonha de procurar ajuda”, afirmou.
Geovana Vasconcelos destacou que, desde janeiro, a equipe da assistência social já realizou mais de 160 visitas domiciliares, em ações conjuntas com psicóloga, orientadora e coordenadora do CRAS. “Eu escolhi uma equipe que me ajuda a alcançar quem realmente precisa. A gente busca se aproximar dessas pessoas, mostrando que estamos aqui por elas.”
A secretária também relatou iniciativas pessoais, feitas por ela e pelo prefeito Leonardo Carvalho, para atender demandas urgentes que não podem ser supridas institucionalmente. “Se a gente não consegue ajudar pela prefeitura, a gente ajuda do nosso bolso. Mas fazemos isso de coração, sem publicar.”
Ela afirmou que o município enfrenta desafios, especialmente com a elevação no custo de vida. “O aluguel disparou. Como uma mãe com dois ou três filhos, ganhando um salário mínimo, vai pagar R$ 800 de aluguel, mais água, luz e comida?”
Para enfrentar essas dificuldades, Geovana Vasconcelos aponta programas como o Mais Empregos, que conecta moradores às empresas locais. “A prefeitura virou ponte entre quem precisa trabalhar e as empresas que contratam.”
Ela destacou ações como a entrega de cestas básicas — cerca de 60 este mês— sempre após avaliação da equipe técnica. “Tem que haver um estudo, uma visita, para garantir que o auxílio chegue a quem realmente precisa”, disse.

A qualificação profissional tem apoio municipal, por meio da bolsa universitária que cobre 30% das mensalidades.
Geovana Vasconcelos reforçou que a maior parte da demanda por assistência vem de mães solteiras. Pensando nisso, a prefeitura vai manter o funcionamento das creches durante as férias, a partir das 6h da manhã. “Muitas mães não tinham onde deixar os filhos para poder trabalhar. Estamos mudando isso”, garantiu.
A secretária anunciou um novo projeto voltado às mulheres no puerpério. “Além do kit da OVG para o bebê, estamos montando um kit especial para as mães, com itens de autocuidado. No pós-parto, elas também precisam de atenção.”
Aporé mantém taxa de atualização do Cadastro Único acima da média nacional
Levantamento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome mostra que o município de Aporé (GO) tem alcançado bons índices de atualização no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Em junho de 2025, a cidade registrou uma Taxa de Atualização Cadastral (TAC) de 87,6%, superior à média nacional, que é de 86,9%.
Segundo dados da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania e da Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, Aporé conta atualmente com 1.063 famílias inseridas no sistema. Destas, 898 tiveram os dados atualizados nos últimos dois anos.

Ainda de acordo com o levantamento, 518 famílias possuem renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa. Dentre elas, 454 estão com o cadastro atualizado, o que contribui diretamente para a alta taxa de atualização do município.
A TAC é um dos principais indicadores de qualidade do CadÚnico e é calculada com base no número de famílias com renda de até meio salário mínimo per capita que estão com as informações em dia, em relação ao total de famílias dessa mesma faixa de renda registradas no sistema.
Prefeito de Aporé questiona dados: “Não sei como foi feita essa conta”
O prefeito de Aporé, Leonardo de Moraes Carvalho (PP), questionou os dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que colocaram o município como o segundo mais rico do Brasil com uma renda média declarada de R$ 8.109 por habitante. A informação teve como base os dados do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) de 2020.
“Na verdade, eu até questionei já algumas reportagens em relação a isso. Porque assim, eu acredito que a média salarial não seja essa. Eu não sei como foi feita essa conta, o que levaram em consideração. Por causa disso, a cidade recebeu muita gente de fora que acredita ser essa renda das pessoas aqui”, afirmou o prefeito.

Leonardo de Carvalho avalia que os números podem ter sido distorcidos pelo fato de poucos moradores declararem imposto de renda, enquanto grandes produtores rurais o fazem. “Se a gente pegar que grande parte da população talvez ainda não esteja declarando o imposto, e somar os números das pessoas que declaram e dividir pelo tanto que declarou, talvez seja por isso que tá dando uma média tão alta.”
Apesar da dúvida sobre os dados, o prefeito destaca que Aporé é uma cidade próspera, com crescimento acelerado impulsionado por indústrias como a usina Nardini e o frigorífico local. Segundo ele, o município tem cerca de 4.300 habitantes e praticamente não enfrenta desemprego. “A nossa taxa de desemprego é quase zero. A gente tem que buscar a mão de obra nos municípios vizinhos.”
A presença da usina Nardini, que emprega, direta e indiretamente, cerca de mil pessoas, gerou um aumento populacional significativo. O crescimento rápido, no entanto, trouxe desafios. “A gente tem um problema de déficit habitacional, não tem casas suficientes para alugar, então muitas pessoas moram em Cassilândia e vêm de ônibus todos os dias para trabalhar aqui.”

O prefeito justifica a falta de projetos habitacionais explicando que mais de 50% do perímetro urbano de Aporé não possui escritura. “Essa é a maior dificuldade para a implantação de loteamentos destinados à moradia popular. Entretanto, Leonardo de Carvalho esclarece que está providenciando a documentação necessária para obter apoio por meio do programa Pra Ter Onde Morar, da Agência Goiana de Habitação (Agehab).
Leonardo de Carvalho reconhece a discrepância salarial entre trabalhadores da indústria e do comércio. “Em relação ao comércio da cidade, sim, há uma discrepância. A usina e a Trans Euro, por trabalharem fora de hora e com turnos noturnos, pagam mais. Já o comércio local é durante o dia, então tem uma média salarial mais baixa.”
Ainda assim, alguns setores comerciais foram beneficiados com o aumento da demanda. “As vendas de lojas de móveis aumentaram muito depois que a Nardini começou a moer cana aqui. Então, os vendedores começaram a ganhar mais por comissão.”

Segundo o prefeito, o município fechou o ano de 2024 com uma arrecadação de R$ 54 milhões. A maior parte ainda vem de repasses estaduais e federais. Mas a movimentação econômica de obras, como a reconstrução da rodovia GO-184 — orçada em mais de R$ 230 milhões —, deve elevar a arrecadação em 2025. “este ano acredito que vamos ter uma arrecadação surpreendente em relação aos outros anos.”
Aporé conta com duas grandes indústrias — a usina Nardini e o frigorífico —, além de cinco hidrelétricas e geração de energia solar, embora essa última não represente grande retorno financeiro para a prefeitura. “Os valores mais altos de arrecadação ainda vêm do frigorífico e da Nardini.”
O setor agrícola também mudou significativamente nos últimos anos. “Já foi a pecuária de corte e leiteira. Hoje, com o avanço da cana, da soja, do milho, da laranja, do amendoim e do eucalipto, muita gente migrou para o arrendamento de terras.”
O crescimento acelerado gerou pressão sobre os serviços públicos. “A saúde triplicou os gastos. Com a chegada das pessoas, aumentou o número de atendimentos, o número de crianças nas escolas. É uma corrida contra o tempo para ampliar a estrutura da cidade.”
A prefeitura, segundo Leonardo de Carvalho, vem buscando apoio estadual e federal para ampliar escolas, construir mais unidades de saúde e atender à nova demanda populacional. “Nos últimos oito anos, foram construídas cerca de dez salas de aula. Estamos finalizando mais duas para berçário e reformando outras cinco.”
Apesar dos avanços, o saneamento básico ainda é um problema. Uma obra de rede de esgoto iniciada em 2012, com recursos da Eletrobras Furnas, está parada por um impasse judicial. “Já fui diversas vezes à Saneago e a Furnas, mas a Saneago não pode mexer enquanto o processo não for resolvido.”
Sobre a responsabilidade social das empresas locais, o prefeito destaca o apoio da usina e do frigorífico. “A Nardini doou um laboratório de informática, promove cursos e ajuda com medicamentos. O frigorífico doa carne semanalmente para as escolas. E temos empresários locais que sempre ajudam de alguma forma.”

Empresa de transporte impulsiona economia com geração de empregos e salários acima da média
Com 18 anos de atuação em Aporé, no Sudoeste goiano, a empresa Trans Euro Transporte se consolidou como uma das maiores empregadoras da região. Especializada no transporte e transbordo de cana-de-açúcar, a companhia movimenta diariamente entre 7 mil e 8 mil toneladas do produto para a Usina Nardini, da qual é parceira há quase duas décadas.
De acordo com Felipe Crespo Silva – assessor da diretoria, a atuação em Aporé teve início quando a Usina Nardini começou a plantar cana na região com a intenção de instalar uma unidade própria no município. Antes da efetiva moagem local, a cana era enviada para outras usinas em Serranópolis, como Água Emendada e Serradinho.
Hoje, a estrutura da Trans Euro na cidade inclui 22 caminhões e 44 carretas canavieiras, além de 12 tratores usados no transbordo. “A gente puxa, em média, de 7 a 8 mil toneladas de cana por dia para a usina. Cerca de 80% do transporte da cana da usina Nardini é feito por nós. E no transbordo, respondemos por 48%”, destacou Felipe Crespo.
Além de Aporé, a empresa opera em Paraíso das Águas (MS), transportando cana para a usina Iaco Agrícola. “Lá nós temos 12 caminhões, 24 carretas, seis colhedoras e cerca de 18 tratores. Temos uma frente própria e 800 hectares de cana plantada.”

Salários acima da média local
Questionado sobre os salários praticados na empresa, Felipe Crespo foi direto: “A média salarial dos nossos tratoristas vai de R$ 3.200 a R$ 3.800, dependendo do turno. Já os motoristas ganham entre R$ 5.200 e R$ 6 mil líquidos.”
Ele detalhou que os funcionários operam em três turnos: das 6h às 14h, das 14h às 22h e das 22h às 6h. “Esses valores são líquidos, ou seja, já descontados o INSS e o Imposto de Renda.”
A área de manutenção da empresa também oferece salários competitivos. “Na manutenção, a média salarial parte de R$ 5 mil.”
A folha de pagamento da unidade de Aporé gira entre R$ 650 mil e R$ 750 mil mensais. “Além disso, todos os nossos funcionários recebem um ticket de R$ 400, que é gasto nos mercados da cidade.”
Segundo Felipe, essa remuneração acima da média é um diferencial da Trans Euro em comparação a outras empresas da região. “Quando fiz a pesquisa de salários para apresentar aos diretores no começo do ano, percebi que somos a empresa que melhor remunera em Aporé para as funções que temos.”
Mão de obra local e impacto na economia
Apesar de contar com parte da equipe vinda de outras cidades e estados, a empresa também emprega moradores locais. “Dos 32 tratoristas, 17 são de Aporé. Dos cerca de 79 motoristas, aproximadamente 28 são daqui. O restante vem de Cassilândia e do Nordeste.”
Muitos dos trabalhadores migrantes se estabeleceram no município. “Eles trouxeram as famílias, compraram casas e permanecem conosco ano após ano. Isso movimenta o comércio local.”

Atualmente, a empresa conta com aproximadamente 140 funcionários em Aporé e cerca de 210 no total, somando suas outras frentes de trabalho.
“Estamos contribuindo diretamente para fazer a economia de Aporé girar”, concluiu Felipe Crespo.
Diretor de frigorífico diz que realidade local é diferente da apontada pelo FGV
Pedro Henrique Campanha Silva, diretor Comercial do Frigorífico Boiporé, avalia que os dados até podem ter base real, mas considera que a interpretação feita foi distorcida.
“Eu acredito que até seja real, mas a interpretação feita não foi coerente. O nosso município é muito grande e a população é muito pequena. O movimento é grande, com o pessoal da usina, os plantadores de soja que estão chegando agora. Por isso que deu essa renda per capita muito alta, acredito. Mas a realidade da nossa cidade está longe do que a mídia e essa pesquisa divulgaram”, afirma.

O frigorífico Boiporé está instalado na cidade desde 2017 e é um dos principais empregadores da região. Segundo o diretor, a empresa emprega cerca de 200 pessoas diretamente e outras 200 de forma indireta.
“A realidade salarial varia de função para função, mas não muda muito. Em média, os salários giram em torno de R$ 2 mil. É bem diferente daquele valor divulgado na pesquisa, infelizmente”, pontua.
Grande parte dos funcionários do frigorífico é de fora do município. “Temos hoje dois ônibus que trazem cerca de 100 pessoas de Cassilândia. Daqui de Aporé, temos outros 100 funcionários”, relata.
Pedro Henrique destaca a dificuldade enfrentada para contratar mão de obra local. “Está muito difícil arrumar trabalhadores. Tem gente desocupada, mas não quer ter vínculo com empresa nenhuma. Quem quer trabalhar é um número pequeno. Talvez seja por causa de tantos auxílios que o governo oferece.”
Apesar das dificuldades, todos os funcionários da empresa têm carteira assinada. “Tudo é carteira assinada aqui. Mas, ao assinar, eles perdem os benefícios do governo”, observa.
O frigorífico abate cerca de 300 animais por dia, de segunda a sábado. “Setenta por cento da nossa carne vai para São Paulo, capital. O restante fica na região, que consome relativamente pouco. Também vendemos para o Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina”, explica Pedro Henrique.
Os animais não vêm apenas de Aporé, mas de diversas regiões do Estado. “Recebemos bois de um raio de até 300 km. Vêm de Mineiros, Jataí, Rio Verde e outras cidades”, detalha.
Segundo o diretor Comercial , a cidade de Aporé tem se desenvolvido aos poucos, especialmente na última década. “De dez anos para cá, mudou muito. Podia ter melhorado mais, mas vem caminhando bem, graças a Deus.”

Pedro Henrique celebra, no entanto, a recente recuperação da rodovia que liga Aporé a Cassilândia. “A estrada estava péssima. Demorava uma hora para fazer os 30 km entre as duas cidades. Agora, com o asfalto novo, fazemos em 15 ou 20 minutos. Parabenizo o governo do Estado por isso.”
Pedro Henrique ressalta que as más condições da estrada impactam diretamente a produção. “Atrapalhava bastante. O gado vivo, por exemplo, às vezes chegava machucado por causa dos buracos. A reforma da estrada vai ajudar muito financeiramente a empresa, com certeza.”
A reportagem entrou em contato com a Fundação Getúlio Vargas por e-mail, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Com colaboração do economista Everaldo leite
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