Vídeo de Felca une direita e esquerda contra adultização infantil e reacende debate sobre regulação das redes

16 agosto 2025 às 09h02

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O vídeo do influenciador Felca conseguiu algo até então inédito após a popularização do bolsonarismo: unir políticos da direita e da esquerda contra a “adultização” de crianças na internet. O fato, porém, também reacendeu a discussão sobre a regulação das redes sociais — tema que não é consenso na Câmara dos Deputados.
Todo o alvoroço dos parlamentares, no entanto, é uma ação pensada para as eleições de 2026, de acordo com o cientista político Marcos Mariano. Para ele, os políticos foram “empurrados” para a pauta, considerada complexa e pouco explorada na Câmara e no Senado. Por estar embasado juridicamente e com dados, Felca atingiu tanto a esquerda quanto a direita, obrigando ambos os lados a agir.
“Pensando que ano que vem é eleição e que o tema se tornou assunto de mesa, eles tiveram que se manifestar. Pela maneira como essa pauta foi construída, não dá brecha para passar o pano. Essa pauta de uma certa forma é alinhada, porque não dá para ser contra o combate à pedofilia, contra o combate à exploração sexual de menores”, explica Marcos Mariano.
Marcos acredita que a repercussão da denúncia de Felca pode influenciar até mesmo na regulamentação da internet e das redes sociais no Brasil — pauta que tem sido evitada pela direita. Deputados bolsonaristas, por exemplo, são contra incluir regulação das redes em projeto sobre defesa das crianças.
Para deputados e senadores bolsonaristas, o vídeo de Felca representa uma “cortina de fumaça” para criar regras para as plataformas. Marcos, por outro lado, acredita que a classe política se viu obrigada, de alguma forma, a se alinhar ao pensamento do youtuber.
Conforme o cientista político, a popularização de Felca e de outros influencers podem mexer com o sistema político, mesmo sem fazer parte do meio. Assuntos muitas vezes silenciados pelo legislativo, inclusive, podem vir a ser denunciados por celebridades midiáticas como fez Felca.
“O Felca meio que deixou todo mundo exposto. Quem não fizer alguma coisa agora vai ser muito mal visto pela sociedade e ano que vem é eleitoral, né? Ninguém quer isso”, reforça.
Aproveitando o “caos”, a deputada federal Delegada Adriana Accorsi (PT) protocolou um projeto de lei na Câmara Federal que proíbe a produção, publicação, exibição, veiculação, promoção ou monetização de conteúdos digitais com participação de crianças ou adolescentes que contenham insinuações, representações ou comportamentos de natureza sexual, mesmo que simulados.
Na próxima semana, uma comissão especial será criada na Câmara. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), também acertou a criação de um grupo de trabalho com parlamentares e especialistas para elaborar um projeto que possa ir à votação em até 30 dias.
O governo federal não ficou de fora e elaborou um projeto de lei que regulamenta as plataformas digitais, prevendo a suspensão provisória das redes sociais que, de forma reiterada, não removerem conteúdos ilícitos, ignorando as notificações da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
De acordo com fontes do governo, o bloqueio temporário será executado pela própria ANPD, órgão vinculado ao Ministério da Justiça que atuará como órgão regulador e fiscalizador das plataformas. A suspensão provisória poderá ser adotada antes de decisão judicial. O texto do governo irá fixar um prazo máximo de bloqueio, que provavelmente será de 30 dias. A partir daí, as redes só poderão continuar suspensas se houver decisão da Justiça.
Violência é comum
Embora o legislativo tenha começado a se movimentar devido ao vídeo de Felca, a violência contra crianças e adolescentes vem sofrendo alta nos últimos anos. As taxas de mortes violentas intencionais tiveram aumento de 3,7% no grupo de zero a 17 anos, com 2.356 vítimas no total em todo o Brasil, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O Jornal Opção entrou em contato com a Secretária de Segurança Pública de Goiás (SSP) e questionou dados sobre crimes praticados contra crianças em 2025, mas não obteve retorno da pasta. Segundo a titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Aline Lopes, o assunto atualmente abordado no meio político é delicado, mas há a necessidade de um mecanismo de controle, pelo menos no que tange a exposição de crianças e adolescentes na internet.
A delegada alerta que até mesmo a exposição de uma foto de uma criança sem conotação sexual pode ser usada como material por pedófilos. Segundo ela, o tema deve ser tratado com calma, e não de forma precipitada, como vem ocorrendo.
“Precisamos discutir, sentar, pensar, ouvir quem de fato enfrenta esse tipo de crime, que é a polícia, para que juntos nós possamos elaborar algo efetivo, não apenas uma legislação ‘para inglês ver’. Estamos sendo expostos de forma tão contínua a esse tipo de conteúdo que nós tendemos a naturalizar, como se fosse normal uma adolescente, crianças de 13, 14 anos dançando de forma sexualmente explícita. Isso não é normal”, exalta.
A exploração sexual infantil, de acordo com Aline, ocorre principalmente por pessoas próximas, como um conhecido ou um familiar. A aproximação acontece por meio de algum tipo de vantagem econômica, seja presentes, dinheiro ou algo que a criança quer e que os pais não têm condições de dar.
O dinheiro é usado como moeda de troca por relações sexuais, fotos e vídeos de cunho sexual. Aline reforça ainda que a exploração sexual também tem registrado aumento na internet.
“Temos registrado cada vez mais casos de exploração sexual através da internet, através de jogos. Pedófilos entram em contato com essas crianças se passando por outras crianças, ganham a confiança dessas vítimas. A partir daí fingem manter um relacionamento afetivo ou passam a oferecer vantagens sexuais, onde trocam esse material com outros pedófilos ou passam a chantagear essas crianças em troca de dinheiro ou em troca de mais arquivos”, conta.
Sinais apresentados por vítimas
É possível identificar sinais em crianças vítimas de exploração sexual, conforme Aline. A delegada diz que as vítimas apresentam mudanças comportamentais, como a hipersexualização, mudança no palavreado, no comportamento, além de alterações comportamentais como depressão, síndrome do pânico, alterações de sono, automutilação, pensamentos suicidas, agressividade e isolamento social.
Outro sinal são os objetos. É necessário suspeitar quando a criança e/ou adolescentes começam a aparecer com objetos que ele não tinha acesso antes, como celular, dinheiro, presente de alto valor.
“ Quando fala que foi o amigo que deu, que foi o fulano que deu, não explica de onde aquilo vem. Isso pode ser um sinal de que esse adolescente, essa criança, está recebendo dinheiro de alguém em troca de alguma coisa e, na maioria das vezes, é em troca de algo que está satisfazendo a lascívia de outra pessoa. É preciso ter um acompanhamento por parte dos pais”, conclui.