A Polícia Federal identificou três núcleos — de comando, financeiro e político-institucional — atuando no esquema que desviou R$ 640 milhões de aposentados e pensionistas por meio da Conafer. A investigação integra a quarta fase da Operação Sem Desconto, deflagrada nesta quinta-feira, 13, com autorização do ministro do STF André Mendonça. No total, considerando todas as entidades suspeitas, as fraudes podem chegar a R$ 6,3 bilhões.

Núcleo de comando

O presidente da Conafer, Carlos Lopes, é apontado como líder do esquema. Segundo a PF, ele orientava funcionários a coletar assinaturas de idosos para fabricar fichas falsas de filiação, usadas para justificar descontos indevidos nos benefícios do INSS. Ele teria controle sobre todos os núcleos e a manutenção dos pagamentos ilícitos. A prisão dele foi autorizada, mas não cumprida até a noite de quinta-feira.

O irmão dele, Tiago Lopes, vice-presidente da entidade, foi preso. De acordo com a PF, ele tinha acesso ao sistema da Dataprev/INSS, por onde enviava listas fraudulentas de beneficiários. Entre 2019 e 2024, teria recebido R$ 5,5 milhões da Conafer.

Núcleo financeiro

O operador financeiro Cícero Marcelino de Souza Santos foi preso. Ele teria criado empresas de fachada para receber e distribuir dinheiro desviado. Planilhas apreendidas registram pagamentos ilegais a diversos beneficiários, chamados de “heróis” e “amigos”.

Outro integrante do núcleo é Vinícius Ramos da Cruz, presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT) e cunhado do presidente da Conafer. A PF afirma que ele atuava na movimentação dos valores ilícitos e na distribuição de propinas, incluindo repasses ao deputado Euclydes Petersen (Republicanos-MG).

Núcleo político-institucional

O ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto foi preso. Para a PF, ele facilitava administrativamente e juridicamente a continuidade do convênio irregular entre o INSS e a Conafer. A investigação aponta que Stefanutto recebia até R$ 250 mil mensais por meio de contratos fictícios com empresas ligadas ao operador financeiro.

O ex-procurador-chefe do INSS Virgílio Antônio de Oliveira Filho também é citado como um dos principais beneficiários das propinas, somando R$ 6,57 milhões entre 2022 e 2024. Mensagens recuperadas pela PF indicam que ele e Cícero apagavam conversas após cada transação.

O deputado Euclydes Petersen é acusado de atuar para proteger politicamente a Conafer, impedindo fiscalizações e garantindo a manutenção de convênios. Segundo a PF, recebeu R$ 14,7 milhões — sendo o maior beneficiário da lista. A corporação pediu monitoramento eletrônico, fiança e afastamento do mandato, mas o STF autorizou apenas busca e apreensão.

A PF também cita o ex-ministro do Trabalho e Previdência José Carlos Oliveira, hoje identificado como Ahmed Mohamad Oliveira Andrade. Ele teria recebido propina de empresas ligadas ao operador financeiro e é considerado um dos “pilares institucionais” da fraude durante o governo Jair Bolsonaro.

O que diz a Conafer

A CONAFER tomou conhecimento, com grande preocupação, da nova fase deflagrada hoje pela Polícia Federal no âmbito da Operação Sem Desconto, que resultou em prisões e medidas cautelares envolvendo pessoas com vínculos profissionais à nossa entidade. Entre os nomes citados pela imprensa nesta etapa estão Tiago Abraão Ferreira Lopes, Cícero Marcelino de Souza Santos, Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior e Vinícius Ramos da Cruz.

Nós reafirmamos, com veemência, o princípio basilar do Estado de Direito: a presunção de inocência. Todos os citados nela têm o direito processual e moral de ter sua defesa assegurada e sua honra preservada enquanto não houver decisão judicial condenatória definitiva. A CONAFER confia nas instituições e, ao mesmo tempo, exige que sejam respeitados os direitos fundamentais dos investigados.

É impossível ignorar o contexto político e midiático que envolve esta investigação. A CONAFER, entidade que empregou mais de 1.200 trabalhadores no Brasil e que construiu, ao longo de anos, trabalhos e projetos em todos os estados, está sendo colocada no centro de uma exposição pública que, a nosso ver, tem traços de cortina de fumaça. Enquanto organizações e estruturas de fachada, criadas somente para desviar recursos e sem a mínima estrutura operacional, permanecem relativamente ilesas, a criminalização de entidades sérias e com comprovada atuação social suscita indagações legítimas sobre motivação e proporcionalidade das ações.

Os impactos práticos dessa operação já são evidentes e gravíssimos. A paralisação forçada de nossas atividades prejudica milhares de famílias do campo, povos indígenas e comunidades tradicionais que dependem das ações técnicas, de saúde e de geração de renda promovidas pela CONAFER. Entre as iniciativas afetadas, destacamos programas que contribuíram para o melhoramento genético de rebanhos em pequenas propriedades, ações de assistência em saúde e centenas de milhares de atendimentos sociais que ampliaram possibilidades de autonomia e desenvolvimento para quem mais precisa. A responsabilização individual não pode, e não deve, transformar-se em punição coletiva aos beneficiários dos nossos projetos. 

Reafirmamos que a CONAFER está disposta a cooperar plenamente com as autoridades competentes para elucidação dos fatos e para que a verdade jurídica se imponha. Entretanto, exigimos que a investigação transcorra com isonomia, transparência e sem espetacularização que prejudique o direito de defesa e o exercício das atividades sociais essenciais. A utilização de prisões e de exposição midiática como mecanismo de condução política de narrativas é prejudicial ao interesse público e aos milhares de cidadãos que dependem de serviços no meio rural. 

Por fim, manifestamos solidariedade institucional às famílias dos colaboradores e à rede de produtores, técnicos e beneficiários que hoje enfrentam incertezas. Reiteramos nosso compromisso histórico com o desenvolvimento autônomo e sustentável do campo, com a promoção da autonomia dos povos originários e com a redução das desigualdades no país. Pedimos à sociedade, à imprensa e aos poderes públicos que respeitem a presunção de inocência, que acompanhem o processo com responsabilidade jornalística e que garantam que a investigação não sirva de instrumento para golpes políticos ou para silenciar ações sérias em favor das populações rurais e tradicionais.

A CONAFER seguirá acompanhando os desdobramentos e tomará todas as medidas legais cabíveis para garantir a defesa de seus dirigentes e proteger a continuidade dos serviços que beneficiam milhões de brasileiros no campo.

Leia também: Ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, é preso em nova fase da Operação Sem Desconto