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Hélverton Baiano

Especial para o Jornal Opção

“Vida Sverák”, romance de Ivair Lima, é simplesmente gostoso. Escrita fácil e objetiva, sem medo de ironizar. E a gente viaja nas coisas de Goiás, ambiente do livro. Lima sabe contar bem uma história que envolve o leitor de ponta a ponta. Melhor ainda é o final, com surpresas incríveis e que denota a grande verve do escritor. A história é simples, singela e muito bem contada, com detalhes caprichados que deixam o leitor bem-informado sobre todas as nuances do enredo. É um romance atraente ao leitor, envolvente, daqueles que começamos a ler e não queremos mais parar, pela escrita escorreita, sem firulas e de fácil compreensão, além de ser muito bem construído. Uma delícia.

O livro é a trajetória do personagem André, um menino criado na roça, lá nos ermos do interiorzão de Goiás, e um pouco da história da família dele, cujo pai é uma espécie de faz tudo nas fazendas onde trabalha (o livro fala de duas), perto de uma cidade fictícia de nome Ipês. A família toda trabalha ajudando o pai na lida com gado e outros afazeres. A mãe, personagem também muito forte, dá sustentação à família e é quem mais puxa a orelha dos filhos.

André é um menino ladino, curioso e “ispicula” que só sobre um tudo. Aprende a ler sozinho e passa os irmãos mais velhos na escola multiseriada, onde vai estudar depois que o professor percebe que ele é um menino astucioso. Ele se desenvolve tanto que o professor o dispensa depois, falando que ali não tinha mais saber para ele. Aprendeu a ler num rótulo de uma lada de azeitona, que chegou para a família e que a mãe reutilizava, para servir como vasilha de cozinha. A família vive economizando, fazendo das tripas coração, com o intuito de realizar o sonho de se mudar para a cidade. A história se situa nas décadas de 1960/70. Interessante notar que Ivair Lima caracteriza muito bem o período, com todas as dificuldades a ele inerentes, especialmente para o povo que trabalhava na roça nessa época e que vivia o sonho de migrar para a cidade, na tentativa de proporcionar uma vida melhor para os filhos, com estudo e trabalho, mudança sociologicamente conhecida como êxodo rural. É uma família típica desse momento da vida brasileira.

Resgato aqui um trecho que dá uma certa dimensão da espirituosidade do autor: “Quando a gente ainda morava na fazenda do velho Lino, uns meninos da cidade que foram lá conversaram sobre Papai Noel. Depois que foram embora, perguntei à mamãe o que era Papai Noel. Ela explicou direitinho, já deixando claro que eu não precisaria perder tempo com aquilo. Disse: ‘O povo rico da cidade compra presentes para os filhos e dizem que foi Papai Noel que deu. Com pobre não tem nada disso não’. Desinteressei-me por Papai Noel de vez”.

André vai crescendo, trabalhando desde criança, ora na lavoura, ora na labuta do gado, ora ajudando mascates, aprendendo todo tipo de lida. Quando a família chega à cidade, o pai compra uma barbearia e passa a cortar cabelo, com a experiência que tinha de fazer esse serviço na cabeça dos filhos. Depois de testes para entrar na escola da cidade, a diretora descartou André, porque ele já deveria cursar séries mais avançadas, que a escola não oferecia. Depois de trabalhar por ali um tempo, consegue se mudar para Goiânia e, com muita dificuldade também, como tudo em sua vida, vai titiando, arruma emprego e vai estudar no Lyceu. O divertimento era com cinema e putas, nas visitas que fazia à famosa Rua P-16, que tinha um meretrício porreta.

Já no último terço do livro, André conhece casualmente Vida Sverák, a moça que dá nome ao livro. Ela é uma menina muito inteligente, poliglota, cujo pai é Pavel Sverák, médico que migrou da Tchecoslováquia para o Brasil, primeiro para Recife, onde se casou com dona Meirinha, depois em Goiânia, onde exercia a medicina. O relacionamento entre Vida e André era muito bom, sendo ele praticamente acolhido pela família dela.

No Brasil, nessa época, estava em curso a ditadura militar, que volta e meia é abordada no enredo, trazendo preocupações ao médico Pavel Sverák. A história insinua um montão de coisas, que o autor, com muita categoria, e usando a filigrana literária, vai bordando o enredo de forma que o final fica espetacular. Recomendo a leitura por tudo isso e muito mais, que só lendo para saber.

Hélverton Baiano, prosador, poeta e jornalista, é colaborador do Jornal Opção.