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Fernando Cupertino

O sol das três da tarde era escaldante. O cerrado, com sua vegetação rala e retorcida de pequenos arbustos, não proporcionava praticamente sombra alguma. Midinho, com uma grande cabaça de água fresca dependurada no ombro, levava também consigo um caldeirão com a merenda destinada ao pessoal que trabalhava de enxada na roça de tocos, de modo a retirar a coivara. Aprumou o corpo para vencer a pequena ladeira pela frente, percorrendo o estreito trieiro* que ia dar num grande descampado, não muito longe do córrego de águas límpidas e frias, logo mais adiante.

Vencida a etapa, pousou a carga no chão, respirou fundo e limpou o suor da testa com o dorso da mão, curvando-se em seguida para a cabaça a fim de beber um gole d’água. Foi quando uma cólica fina apontou em sua barriga, seguida de um barulho típico a anunciar uma urgência intestinal daquelas bem conhecidas. Olhou ao redor em busca de um lugar mais propício para satisfazer os apelos do corpo e terminou por decidir-se pelas vizinhanças do cruzamento de dois trieiros ali bem pertinho. Livrou-se rapidamente das calças, que dependurou num arbusto, ao lado do qual acocorou-se às carreiras, retorcendo-se de dor na barriga. A descarga não se fez esperar e veio em jato, desses de fazer buraco na areia… entretanto, a cólica ainda persistia, obrigando-o a permanecer naquela posição incômoda. Foi quando, para maior desespero, viu ao longe a comadre Bili, mulher do compadre Estevão, que vinha pelo trieiro equilibrando na cabeça a trouxa de roupas sujas, a caminho do córrego.

– Valei-me, minha Nossa Senhora! O que é que eu vou fazer agora?…

Tentou levantar-se, mas a barriga encarregou-se de lembrá-lo de que a coisa ainda não havia terminado, forçando-o a permanecer ali mesmo. Enquanto isso, Dona Bili vinha se aproximando cada vez mais.

– Uai, cumpade, é ocê que tá aí piano o bode**? Boas tardes pra nós…

– Boas tardes, cumade. Eu mesmo, Siá… Vamo sortá o barro? Tô numa caganeira que só veno…

– Não sinhô, agradecida… outra hora. Agora tô indo lá no corgo*** mode lavá essas rôpa…

– Então vai cum Deus, cumade!

– Que assim seja! Que Ele fique cum o sinhô também, cumpade e dê alívio nesse inxurrio.**

– Amém, cumade! Louvado seja Nosso Sinhô Jesus Cristo!

– Pra sempre seja louvado, cumpade…

E assim a vida seguiu seu curso, não sem antes adicionar algumas agruras ao pobre do Midinho, que, para além da humilhação diante da comadre, ainda se viu às voltas, depois, com as formigas e os carrapatinhos que entenderam por bem fazer morada nas calças que havia deixado por ali…

Breve dicionário de goianês

*trieiro – (trilheiro – caminho usado para o trânsito de pessoas pelos pastos na zona rural);

**piano o bode – (peiando o bode – ato de curvar-se para amarrar as pernas do animal com uma corda ou peia. No sentido figurado, evacuar);

***corgo – (córrego; regato; pequeno curso d’água);

** inxurrio – enxurrilho (diarreia profusa e duradoura).

Fernando Cupertino, escritor, compositor e médico, é colaborador do Jornal Opção.