Tradução de “A morte do poeta”, poema do russo Mikhail Liérmontov

12 novembro 2016 às 09h53

COMPARTILHAR
O Jornal Opção publica “A morte do poeta”, poema de 1837 escrito pelo russo Mikhail Liérmontov. O poema, que integra a Antologia da poesia russa, publicada em 1947 pela Stock, foi traduzido exclusivamente para o Opção Cultural por Irapuan Costa Junior. A partir do francês.

De Mikhail Liérmontov
Traduzido por Irapuan Costa Junior
Morreu o poeta, escravo da honradez
Deslustrado pela presunção, ele levou
No coração essa bala… E sua sede de vingança,
Quando inclinou sua digna fronte.
Sim, sucumbiu a alma do poeta
À infâmia das ofensas mesquinhas;
Tendo se levantado contra as críticas
Sozinho, como sempre, …foi vencido,
Vencido! …que importam então os soluços
O coro inútil dos elogios vazios,
Os balbucios reabilitadores?
A sentença do destino encontrou sua hora!
Não fostes vós sempre os primeiros
A desfazer de seus dons arrojados e livres,
Não atiçastes por prazer,
O recôndito incêndio que ele tão mal escondia?
Então? Alegrai-vos… Ele não pôde
Suportar o fardo dos derradeiros ultrajes,
Espantoso talento, chama que se apaga,
Soberba coroa, agora fanada.
O assassino, a pleno sangue frio,
Desfechou um golpe sem perdão:
Seu coração é vazio e bate sem arritmias.
A mão que sustenta a arma é firme.
Como se emocionar? …de um país distante
Ele veio, como tantos fugitivos,
Em busca da sorte, das dignidades,
Aqui caiu pela vontade da fortuna.
Com impudente desprezo ele troça
De nossa língua e nossos costumes;
Como respeitaria ele nossas glórias,
E saberia, nesse instante sangrento,
Sobre o que ousou levantar a mão?
O poeta está morto, sequestrou-o a campa,
Como aquele artista desconhecido, mas gentil¹
Vítima dos surdos ciúmes,
Que ele cantou com tal maravilhoso poder,
E como ele golpeado por uma mão impiedosa.
Se abandona aprazíveis alegrias e sincera amizade,
Por que entra ele em um mundo de desejos
Onde tudo pesa num coração liberto, nas paixões que queimam?
Por que estender sua mão aos vis caluniadores,
Por que entregar sua fé às juras falsas,
Ele que ainda tão jovem já conhecia os homens!
Tomando sua coroa, cingiram suas têmporas
Com louros e espinhos entrelaçados
Mas cruelmente suas agulhas
Feriam em segredo sua nobre fronte…
Por rudes zombarias seus últimos instantes
Foram envenenados de pérfidas alusões,
Pois morreu ele sobre sua vã vontade de vingança,
Na decepção secreta de suas esperanças traídas …
Calou-se a ênfase de seus versos mágicos,
Que jamais irão soar outra vez:
Do cantor o abrigo é estreito, austero,
E um selo para sempre cerrará seus lábios!
E vós, descendentes de pais arrogantes
Que a infâmia notória fez muito célebres,
Vós, cujos pés servis esmagaram os vestígios
Das famílias feridas pelo jogo do Destino,
Vós, ambiciosos, multidão em volta do trono,
Carrascos do talento e da liberdade!
Vós, que vos escondeis à sombra da lei,
Diante de vós tribunais e verdade se calam.
Sim, mas o Tribunal divino, degenerados,
O Juiz terrível, ele vos aguarda,
Ele é surdo ao som do ouro,
Antecipado é seu conhecimento de juízos e causas.
Então podeis bem usar a calúnia:
Isso de nada vos servirá.
Não limpareis vosso sangue negro
Do sangue justo do Poeta.