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Mariza Santana

“Fale de sua aldeia e estará falando do mundo.” A frase atribuída aos grandes escritores russos Púchkin e Liev Tolstói (1828/1910), autor do clássico “Guerra e Paz”, não perde sua validade na literatura mundial, a despeito do passar dos anos. O literato, ao narrar os acontecimentos de sua família ou comunidade, muitas vezes relembrando experiências pessoais, consegue dotar sua obra de um discurso universal e conquistar grande número de leitores de origens e culturas diferentes, sendo capaz de romper fronteiras.

Um exemplo é o sucesso editorial latino-americano “Cem Anos de Solidão”, do escritor colombiano Gabriel García Márquez, que fala sobre a mágica cidade de Macondo. O escritor e professor universitário aposentado Sidney Valadares Pimentel bebeu nessa fonte ao escrever o romance “Sortilégios de Santeré”. Com uma linguagem regionalista e certa dose de realismo fantástico, o autor narra os causos e nos apresenta os moradores de uma vila fictícia localizada na região Noroeste de Minas Gerais.

Antonino de Oliveira é o personagem que apresenta os demais habitantes da pequena localidade, com suas características, como o advogado metido a valente e seus dois únicos colaboradores (um soldado e outro agregado não remunerado) e o intendente municipal, ambos envolvidos em uma rivalidade política e de poder muito comum em pequenas comunidades, colocando os demais habitantes em duas frentes distintas e opostas.

Também desfilam pela obra os garotos que gostam de caçar tatu, o dono do único boteco, o farmacêutico e sua esposa, que é dona da casa da moda, o açougueiro casado com uma professora vegetariana, o proprietário do estabelecimento de secos e molhados, o padre e o dono da oficina de forja que cumpre também a função de sacristão, a única funcionária da limpeza urbana do vilarejo. Enfim, uma plêiade de pessoas típicas e que são únicas em uma pequena comunidade.

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Livro do professor e escritor Sidney Valadares Pimentel | Foto: Jornal Opção

Todas os moradores se conhecem, muitos deles recebem apelidos dos quais não gostam e mesmo assim são chamados por eles em sua ausência. As fofocas correm soltas e os boatos se espalham com uma velocidade inacreditável. Antonino (que penso ser o alter ego do escritor em suas reminiscências da infância) relata que sua família se mudou para Santeré quando ele era pequeno. Seu pai, um fotógrafo profissional, montou um cinema na localidade, que se tornou uma das poucas opções de entretenimento local ao lado do bar do Menessés. Sua mãe era a dona do salão de beleza.

Mas acontecimentos alheios à comunidade colocam os moradores em polvorosa, como a chegada de estranhos que invadem um morro próximo e ninguém sabe qual é a real intenção desses homens, que vieram equipados com Jeeps, armas e caixas contendo produtos suspeitos. Outra novidade que sacode a tranquilidade local é a visita de um grupo de ciganos, sendo que um deles acaba decidindo ficar em Santeré, fisgado pela súbita paixão por uma moradora local.

“Sortilégios de Santeré” é daqueles livros gostosos de ler, com um jeitinho caipira (e uma prosa elaborada e fina), que agrada principalmente aqueles que nasceram em pequenas cidades do interior brasileiro, o chamado sertão. O romance, inclusive, deixa um gostinho de “quero mais”, pois o final me pareceu meio abrupto, estava à espera de uma nova rodada de causos envolvendo os intrépidos habitantes do lugarejo. Entretanto, a obra é uma boa companhia, seja pela linguagem ou pelo elenco de personagens inesquecíveis com suas características únicas.

Falando dos acontecimentos da Vila de Santeré, o autor nos remete a momentos mágicos, ao clima interiorano que está ficando raro de encontrar, nos quais as crianças e os adolescentes ainda podiam brincar livres pelas ruas, sem medo da insegurança e de ameaças, e todas as pessoas se conheciam.

Sidney Pimentel Valadares foi meu professor no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG). Lecionou para minha turma uma das matérias que considerei a mais difícil — Semiótica da Comunicação. Ele atuava nas áreas de Teoria da Comunicação e Antropologia Social. É autor de livros e artigos científicos de sua área de pesquisa acadêmica, e também de romances. Seus alunos aprenderam a ler o escritor mineiro Autran Dourado e a ouvir a música de Chico Buarque de maneira mais ampla e precisa com as excelentes aulas do mestre Sidney.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária.

Email: [email protected]