COMPARTILHAR

“E um infante o atalha no ato:/ – Pára, homem sanguinolento!/ De nada vale teu pacto:/ É desfeito o encantamento.” Trecho de “A cota de malha” vertido para o português

Johann Ludwig Uhland, poeta romântico alemão da primeira metade do século XIX | Foto: Divulgação

Wagner Schadeck
Especial para o Jornal Opção

A balada é um poema narrativo. Em geral, seu enredo concentra-se num só personagem e num episódio apenas. Na economia narrativa, ela possui uma estrutura sintética assegurada por diálogos. Graças a fórmulas reiteradas e refrãos, é um poema de fácil memorização. Seu caráter dramático está não raro vinculado a elementos recorrentes, que lhe garantem a suspense.

Assim como nossos romanceiros servem de arcabouço para a poesia popular, muitas vezes de origem oral, esse gênero servira também como repositório de lendas, mitos etc.

Diversa da balada complexa e palaciana francesa de Deschamps (c.1346-c.1406) e François Villon (1431-63?), nas baladas germânicas, eslavas e escandinavas, com formas mais livres, são mais comuns os elementos fantásticos e sobrenaturais.

Com o Pré-romantismo alemão, poetas co­mo Bürger (1747–1794), Goethe (1749–1832) e Schiller (1759 –1805) empenham-se em resgatar esse legado.

Do “Baladas e Romances”, livro que formou o gosto de toda Europa culta, do medievalista Johann Ludwig Uhland (1787-1862) – lírico traduzido em vernáculo por José Gomes Monteiro, Gonçalves Dias, João Ribeiro, Henriqueta Lisboa e Alexei Bueno –, apresento a seguir uma versão para a balada A Cota de Malha (“Das Nothend”), poema de uma força dramática extraordinária.

Das Nothend

»Ich muß zu Feld, mein Töchterlein,
Und Böses dräut der Sterne Schein,
Drum schaff du mir ein Notgewand,
Du Jungfrau, mit der zarten Hand!«

»Mein Vater! willst du Schlachtgewand
Von eines Mägdleins schwacher Hand?
Noch schlug ich nie den harten Stahl,
Ich spinn und web im Frauensaal.«

»Ja, spinne, Kind, in heil’ger Nacht,
Den Faden weih der höllischen Macht!
Draus web ein Hemde, lang und weit!
Das wahret mich im blut’gen Streit.«

In heil’ger Nacht, im Vollmondschein,
Da spinnt die Maid im Saal allein.
»In der Hölle Namen!« spricht sie leis,
Die Spindel rollt in feurigem Kreis.

Dann tritt sie an den Webestuhl
Und wirft mit zager Hand die Spul;
Es rauscht und saust in wilder Hast,
Als wöben Geisterhände zu Gast.

Als nun das Heer ausritt zur Schlacht,
Da trägt der Herzog sondre Tracht:
Mit Bildern, Zeichen, schaurig, fremd,
Ein weißes, weites, wallendes Hemd.

Ihm weicht der Feind wie einem Geist:
Wer böt es ihm, wer stellt’ ihn dreist,
An dem das härteste Schwert zerschellt,
Von dem der Pfeil auf den Schützen prellt!

Ein Jüngling sprengt ihm vors Gesicht:
»Halt, Würger, halt! mich schreckst du nicht.
Nicht rettet dich die Höllenkunst,
Dein Werk ist tot, dein Zauber Dunst.«

Sie treffen sich und treffen gut,
Des Herzogs Nothemd trieft von Blut;
Sie haun und haun sich in den Sand,
Und jeder flucht des andern Hand.

Die Tochter steigt hinab ins Feld:
»Wo liegt der herzogliche Held?«
Sie find’t die todeswunden zwei,
Da hebt sie wildes Klaggeschrei.

»Bist du’s, mein Kind? Unsel’ge Maid!
Wie spannest du das falsche Kleid?
Hast du die Hölle nicht genannt?
War nicht jungfräulich deine Hand?«

»Die Hölle hab ich wohl genannt,
Doch nicht jungfräulich war die Hand,
Der dich erschlug, ist mir nicht fremd,
So spannt ich, weh! dein Totenhemd.«

A cota de malha

– Filha, eu vou para a batalha;
No céu atina a má estrela:
Quero uma cota de malha
De tuas mãos de donzela.

– Pai, estarias seguro
Pelas mãos de uma mocinha?
Não sei forjar ferro duro;
Só entendo de agulha e linha.

– À noite, oferte o tecido
Ao Inferno! E com arremate,
Eu estarei protegido
Nesse cruento combate.

Lua-cheia em noite santa,
E sozinha ela urde a trama:
– Invoco o Inferno! E se espanta:
O fuso gira e se inflama.

Quando ela retira a linha
Daquele tear terrível,
Ele torna e redemoinha
Como por mão invisível.

Tão logo a armada se arranca,
O duque salta à vanguarda:
Sob a sua heráldica branca,
A cota de malha guarda.

Dele o inimigo se afasta;
Contra ele ninguém avança.
Despedaçando toda a hasta,
Quebra seta, sabre e lança.

E um infante o atalha no ato:
– Pára, homem sanguinolento!
De nada vale teu pacto:
É desfeito o encantamento.

A refrega os incendeia.
Eis rasgada e tinta a cota…
E ambos rolam pela areia,
Amaldiçoando a derrota…

A filha invade o sangrento
Campo. – Onde, o Duque? E depois,
Reconhece com lamento
A pugna horrenda dos dois.

– Minha filha, tu forjaste
A cota como as demais?
O Inferno não invocaste,
Ou não tens mãos virginais?

– Invoquei o Inferno, mas
A mão que teceu tua malha
Pertencera a esse rapaz…
Pai, eu teci tua mortalha!

Wagner Schadeck é poeta e tradutor.