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Tenho medo, muito medo. Onde ele está? Onde ele está? Socorro!

Zanilda Freitas

Especial para o Jornal Opção

Quando abri os olhos, esfreguei-os por várias vezes no afã de enxergar melhor aquele ambiente ameno, de inacreditável tranquilidade, de uma brancura como se eu estivesse enrolada em uma nuvem de algodão-doce, suave e macia. Onde estou? Acho que aqui é o céu, mas onde estão Jesus, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, minha protetora, e os anjos?

Estou só, apalpo ao meu redor, no intuito de entender aquele momento sublime de harmonia que há muito eu não vivia.

Tentei me levantar, não conseguia. Estava com os braços praticamente imóveis, cheios de fios que eu não conhecia, algo na cabeça, como se eu estivesse com um boné apertado. Tentei me mover, impossível! O que estava acontecendo comigo? Onde estou? Chamei por alguém e nesse instante, ouço a voz de uma linda moça vestida de branco que me disse: minha querida, você acordou!

Assustada, perguntei: quem é você, onde estou? Tenho medo, muito medo. Onde ele está?  Onde ele está? Socorro!

A moça de branco me sorriu, com carinho pegou minha mão, verificou alguma coisa na minha cabeça e braços, e disse: fique tranquila, você está bem e ele não mais vai maltratá-la.

Foi aí que comecei a entender onde eu me encontrava. Era um quarto branco de hospital que naquele momento era meu céu, meu refúgio minha segurança. E ele, onde estaria? O medo me paralisava. 

A moça fez entrar mais duas pessoas, das quais uma delas reconheci ser a minha irmã, e a outra, um senhor de fisionomia austera, vestido de branco, que disse ser meu médico. Ainda confusa e abalada por um grande trauma, comecei a gritar; pelo amor de Deus não o deixe entrar, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, me ajude.

O médico, pacientemente, de pé, ao lado do meu leito, disse com segurança que eu ficasse tranquila, ele não mais iria me maltratar. Minha irmã não dizia nada, só me olhava e chorava ao me ver com a cabeça num capacete de gesso. Ela então me abraçou e disse também que ele nunca mais iria me maltratar. Disse que mamãe viria ver-me e ficaria no hospital comigo por mais tempo.

Fui melhorando e aos poucos me lembrava daqueles nove anos de sofrimento e dor. Lembrei-me de quanto o amava desde os meus 17 anos. Ele era lindo nos seus 28 anos e eu perdidamente apaixonada.

Nosso casamento, embora meus pais não estivessem de acordo com o enlace, foi lindo.  Uma festa alegre, um bolo enorme com os bonequinhos no topo, rodeados de flores. Guloseimas apropriadas à ocasião, bebidas, música, dança, muitos amigos e familiares a nos apoiar. Eu nunca havia me sentido tão feliz!

Mas a felicidade, se é que existiu, durou pouco, muito pouco.

Naquela mesma noite já senti a estranheza e a estupidez do momento que deveria ser o mais bonito da minha vida. Ele chegou bêbado, na alcova nupcial e antes que eu me trocasse para vestir aquela deslumbrante “camisola do dia”, ele me jogou na cama, rasgou minhas vestes e violentamente me possuiu. Após concluir seu desejo insano, sem se importar que eu chorava de medo, angústia e dor, virou-me as costas e dormiu roncando como um porco.

Eu, muito jovem, achava que estava tudo certo, que casamento era daquele jeito e continuava cada dia mais apaixonada por ele, que sempre chegava bêbado e violento. Às vezes, na presença de algum amigo ou perto dos meus familiares, ele fazia questão de me beijar e abraçar como se fosse um excelente marido. Logo depois, se eu reclamasse de qualquer atitude anormal, ele me dava um tapa ou empurrão com força dizendo: mulher minha tem que aceitar minha natureza.

 Nesta época morávamos longe da minha família e eu nada dizia pra eles, e durante alguns anos suportei tudo em nome do amor.

Quando me engravidei, 4 anos após o casamento, já não sabia mais o que era ser feliz, fui contar pra ele, pensando que tudo ia mudar, foi então que ele descontente e furioso, me empurrou, jogou-me no chão e me batia dizendo que não queria criança para atazanar a vida dele.

Eu perdi o bebê e ele não me deixou ir para o hospital.  Sofri bastante, fiquei muito fraca com a saúde abalada.  Foi aí então que acordei! Não o amava mais e não queria mais viver aquela situação.  Infelizmente, não consegui sair das garras daquele monstro.

Passei a narrar alguns fatos para minha mãe e minha irmã. Meu pai, que poderia ser meu apoio maior, já havia falecido. Eu covardemente dourava a pílula nas narrativas, com medo que ele viesse a saber.

Como eu não tinha forças para denunciá-lo, fui definhando aos poucos, me tornando uma presa ainda mais fácil para que ele alimentasse sua sanha de maldade. 

E assim foram se passando os anos, até que, naquele dia, ele me viu na porta do açougue conversando com um primo que há muito não nos víamos.

Quando cheguei em casa, ele me espancou até pensar que eu havia morrido.  Meus vizinhos, mesmo acostumados a ouvir e às vezes até ver os maus tratos a mim infligidos, perceberam que era coisa muito séria, chamaram a polícia e uma ambulância.

Não posso dizer exatamente o que ocorreu, pois eu estava sem sentidos. Os policiais o levaram e ele foi preso. Tornou-se um “prato cheio” para os repórteres, e o caso, conhecido de todos pela mídia televisiva.

Na cadeia, os presos fizeram com ele o que ele fazia comigo. De lá, com a ajuda dos detentos e de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, minha protetora, ele partiu para o inferno.

Eu hoje, dois meses depois, acordei no paraíso.