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O que aconteceu com J. Iscariotes ainda hoje gera dúvidas entre estudiosos. Os mais ingênuos dizem que de fato se matou. Os céticos que apenas trocou de nome

José Fábio da Silva

Conhecemos a história por meio de rastros e de vestígios que resistem ao tempo. Eles podem ser de tudo: documentos escritos, cacos de cerâmicas, monumentos antigos, tradições orais, ou seja, o passado é o que chega ao presente. Assim se escreve a história de pessoas e civilizações, se traça a origem de grandes culturas e se torna possível entender um pouco o que nós somos.

De todas as histórias registradas pela humanidade certamente nenhuma é maior e mais importante – ao menos para a borda Ocidental desse terceiro mundo – do que os relatos da passagem do Filho de Deus pela terra. Como um Ser capaz de fazer milagres, não precisou dominar a arte e ofício da escrita. Assim, não contou a própria história – coisa que é de bom tom, nunca confie em uma autobiografia. A Sua visita a esse mundo foi registrada por aqueles que viram seus feitos ou ouviram falar de suas fantásticas apresentações.

O documento mais importante para entender essa história é atualmente um dos mais desprezados pelos historiadores profissionais. Isso porque, naquela época foi considerado o que hoje chamados de tabloide ou jornal sensacionalista. Ainda assim, se não fosse esse órgão subvalorizado da imprensa jornalista daqueles tempos, a vida do Filho Pacificador do Senhor dos Exércitos jamais seria conhecida.

Como todos devem saber, me refiro ao “Jerusalém Naqueles Tempos”, o órgão de imprensa de maior sucesso entre os descendentes das 12 tribos de Israel e também entre os soldados do Império Romano. Saía aos domingos. Não só era lido como, também, tinha um fim prático: o papiro fino e barato do periódico semanal era peça fundamental em banheiros e banhos públicos. Era usado para passar o tempo e depois escatológicamente descartado. Pesquisadores e arqueólogos defendem a tese que isso aumentava em muito a venda do jornal, visto que depois do uso não era reutilizado.

“Jerusalém Naqueles Tempos”, talvez não tenha a suntuosidade de um “Manuscrito do Mar Morto”, ou o perfil investigativo de um “The Galileia”, ou nem mesmo profundas análises políticas de um “Tribuna de Roma”, mas conseguiu atingir um público cativo que duvidava fervorosamente de suas páginas. No “Jerusalém Naqueles Tempos” não existiam afirmações, apenas insinuações e, claro, manchetes chamativas.

A importância histórica do “Jerusalém Naqueles Tempos” teve origem quando o seu editor, J. Iscariotes, passou a acompanhar o dia a dia dos profetas da época. Era muito trabalho, visto que, profeta era uma profissão em alta. Existiam de todos os tipos. Profeta conservador, profeta revolucionário, profeta non sense, profeta do improviso, profeta de relacionamento, profeta financeiro… chegou ao ponto de existir até profeta quântico, coisa que, assim como hoje, ninguém soubesse o que queria dizer.

Como todo jornal que se preze, o “Jerusalém…” vivia à beira da falência. Para piorar a situação, Barrabás, o dono do jornal estava preso e sem verba para a fiança. O motivo foi o próprio jornal, ou melhor, notícias sobre a pacificação forçada empreendida pelo Império romano no Monte das Oliveiras. O repórter responsável pela matéria usou o termo “invasão”, palavra proibida naquele contexto.

Na tentativa de levantar o dinheiro para fiança do patrão, J. Iscariotes passou a atuar como agente duplo. Vendia informações sobre possíveis revoltas contra o Império. J. Iscariotes era o tipo de pessoa que tinha mais amor à causa do que a verdade. Ele queria ver o fim do Império. O problema era que muita gente falava mal dos romanos, mas ninguém tomava atitude. J. Iscariotes sabia que em algum momento o povo se revoltaria com aquelas prisões arbitrárias e partiriam para o combate.

Viu a sua grande oportunidade quando um sujeito entrou em Jerusalém no lombo de um animal estilizado. Era um profeta bem famoso. Lotava desertos em suas apresentações. Um grande público o acompanhava balançando ramos de palmeiras no ar. Foi um show gigante, com música, dança e palavras de ordem. Um grande cordão se formou em torno do profeta. A área próxima a ele era restrita aos que adquiriram antecipadamente os ramos de palmeiras. J. Iscariotes viu ali um potencial revolucionário. Aquele sujeito poderia inflamar as massas.

Para isso, foi aos chefes dos sacerdotes, apoiadores dos romanos, e fez uma proposta. Marcou uma entrevista com o profeta. Foi convidado para uma ceia entre os seus amigos mais próximos. A conta, assim como o pão e o vinho, foi divido igualmente entre os participantes. A história do beijo nunca foi confirmada por J. Iscariotes, mas o plano lhe rendeu 30 moedas de pratas. Ironicamente, não precisou usar o dinheiro para libertar Barrabás, visto que ele saiu da prisão por meio de uma manobra jurídica.

Já o Profeta, durante o seu julgamento, fez valer o seu direito de ficar calado. Assim, não levantou provas contra si mesmo. Também não disse nada a favor. Na dúvida, o juiz do caso abriu uma votação popular para decidir o seu destino. O ato democrático acabou não sendo favorável ao Messias. Simpatizantes dele chegaram a pedir recontagem de votos, mas como o voto foi manual – ou seja, cada um levantava a mão para escolher o seu candidato – não foi possível auditá-los. Aquele profeta foi a primeira pessoa a ser crucificada pela opinião pública.

“Sextou: hoje tem crucificação!” Era uma mensagem comum compartilhada entre populares da época. Era tradição acompanhar os condenados. Vendedores ambulantes aproveitavam para levantar uma grana extra vendendo pães, vinhos e pedras. A bolsa de aposta também faturava alto com o evento. A morte sempre foi uma aposta inevitável.

J. Iscariotes leu os detalhes do ocorrido na edição da tarde do “Tribuna Romana”. Curiosamente, a nota citava o nome dos outros dois crucificados, mas não o do Profeta. Aquilo o deixou um tanto quanto decepcionado. Pensou que revoltaria à todos, mas somente ele estava indignado. No sábado nenhum jornal falou sobre o ocorrido. Era de se esperar, pois, naquela época os periódicos da região não publicavam aos sábados. No domingo, o “The Galileia” publicou uma notícia sobre invasão a tumbas mortuárias. Saques eram algo comum. J. Iscariotes, todavia, percebeu ali outra oportunidade.

Antes que a edição semanal do “Jerusalém Naqueles Tempos” fosse finalizada, J. Iscariotes gritou pela primeira vez na história: “Parem as prensas!” Naquele tempo as prensas ainda eram de tipos fixos. Naquele domingo pouco comum, aconteceu o fato mais importante deste de quando Moisés gritou, “terra à vista!”. A matéria de capa do jornal trazia como manchete: “Túmulo violado, roubo ou ressurreição?”

A notícia falava do profeta Filho de Deus e das dúvidas sobre o paradeiro de seu corpo. Muitos questionaram o tal milagre. J. Iscariotes, rebateu que, “se não existe provas que ele ressuscitou, também não existem que continua morto”. Pesquisadores ainda hoje não sabem responder, mas na época, ninguém questionou se o túmulo violado era mesmo o do Profeta Cria do Criador.

J. Iscariotes usou as 30 moedas de prata para impulsionar as vendas do jornal. Contratou um famoso correspondente internacional para escrever artigos para periódicos estrangeiros. O correspondente tinha ótimas relações junto ao Império romano. A princípio chegou a recusar a oferta. J. Iscariotes disse que ele “cairia do cavalo com se declinasse”. Depois de algumas ameaças e uma generosa contribuição financeira, aceitou a proposta.

O “Jerusalém Naqueles Tempos” ainda revolucionária a imprensa da época sendo o primeiro periódico da região a publicar aos sábados. Foi um escândalo. Não pela publicação, mas pela manchete: “Arrependido, traidor do profeta Filho de Deus se mata!” A notícia também dizia que as 30 moedas de prata foram devolvidas aos chefes dos sacerdotes. Eles, é claro, negaram tudo. Mas foi a palavra deles contra a de um traidor arrependido.

Depois disso, as notícias andaram por conta própria. Relatos de pessoas que viam o profeta andando pela região apareceram aos montes. Os seus amigos próximos se converteram em discípulos e se tornaram correspondentes internacionais. Todos anunciavam a boa nova.

O que aconteceu com J. Iscariotes ainda hoje gera dúvidas entre estudiosos. Os mais ingênuos dizem que de fato se matou. Os céticos que apenas trocou de nome. Os pragmáticos que se aposentou. Os sensacionalistas que tudo foi uma armação orquestrada entre ele e o Profeta. As únicas notícias confiáveis são as reportagens duvidosas do “Jerusalém Naqueles Tempos”. Os exemplares remanescentes do periódico estão na biblioteca internacional do “Terceiro Dia”. Localizada em Jerusalém no mesmo local onde o Filho de Deus ressuscitou. A visitação é aberta ao público, mas deve ser agendada.