Sátántangó, do Nobel de Literatura László Krasznahorkai, é um romance perturbador

09 outubro 2025 às 17h16

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Roberson Guimarães
O húngaro László Krasznahorkai, de 71 anos, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2025
“Sátántangó” (Companhia das Letras, 232 páginas, tradução de Paulo Schiller), do escritor húngaro László Krasznahorkai, é um dos mais interessantes e perturbadores que já li.
A ação se concentra na chegada de um homem que pode ou não ser um profeta, o diabo, ou apenas um vigarista, em uma aldeia húngara apodrecida e encharcada pela chuva. Esta aldeia ou assentamento parece algum tipo de projeto coletivo falido, onde toda a esperança foi perdida e todos os prédios estão carcomidos.
A partir desse enredo simples, Krasznahorkai constrói sua narrativa alegórica e carregada de imagens religiosas. Mais adiante percebemos que a construção das alegorias tem como objetivo apenas a sua própria destruição: o mundo concreto é brutal, implacável e profundamente sombrio.
Sobre o título: em um dos momentos mais lúdicos do livro, as pessoas de uma comunidade se reúnem para esperar o messias enquanto se embebedam e dançam ao som de um acordeão que repete um tango… o tango satânico.

O moto-contínuo da música e a dança (o tango é uma dança de vai-e-vem) incorporam a mistura de comédia sombria com um senso de ansiedade paralisante: a dança é comemorativa e fúnebre, esperançosa e desesperada.
A dança marca também o ponto em que Krasznahorkai começa a numerar seus capítulos de trás para frente: começamos em um e avançamos para seis, no qual o ponto seis é repetido e a jornada retorna para o capítulo um: como uma fita de Möbius — seis sendo o número do selvagem, da besta, do julgamento e também a humanidade.
Como uma espiral inversa, na segunda metade da narrativa, vemos os indivíduos que correram atrás de uma vida coletiva, uma “comunidade”, voltarem ao seu estado anterior de isolamento e alienação. Como os ambientes sempre repletos de teias de aranha, os personagens estão presos na teia de quem orquestra o que acontece, seja o messias redentor, o demônio, ou, na espetacular virada final da espiral narrativa de Krasznahorkai, uma figura mais ausente que sugere como pode ser doloroso e atormentado o processo de contar histórias.
Um dos melhores livros escritos no século XX.
Roberson Guimarães, médico e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.