Presidente do TRE-GO julga se, em ‘Dom Casmurro’, Capitu traiu Bentinho

26 junho 2024 às 15h51

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Além de presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), o desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga é um “leitor despudorado” (nas suas palavras). No Direito, suas inspirações são juristas como Ayres Britto, que, no Supremo Tribunal Federal (STF), saía do lugar comum ao citar compositores brasileiros (Ayres é também poeta. Convém lembrar que Machado de Assis escreveu “O Memorial de Aires”). Compartilhando deste olhar sensível para o objeto da lei, o presidente do TRE acredita que apreciar a arte contribuiu para sua formação humanista. Entrevistado pelo Jornal Opção, Luiz Cláudio Veiga Braga fala sobre suas predileções culturais.
Quem são seus escritores favoritos?
Gosto muito de poesia. O mineiro Carlos Drummond de Andrade é meu poeta predileto. Mas leio tudo que me cai nas mãos, sem preconceitos. Até obras de autoajuda (ou pós-autoajuda), como as do filósofo Mario Sergio Cortella. Eu não tenho pudor, nesse sentido, sou um homem despudorado.
Avalia que Capitu traiu Bentinho?
Quando fui diretor da área cultural da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), promovi um seminário com Raquel Campos, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) que é especialista em Machado de Assis. Ela tem uma obra que se chama “O Bruxo do Cosme Velho”, no qual faz esse debate, mas não firma posição. Eu concordo com Raquel Campos: o objetivo do escritor não era definir se houve traição, mas envolver o leitor nesse debate.
Veja como não ter uma resposta definitiva é inquietante: voltamos ao tema 125 anos após a publicação do livro. O leitor fica torturado, colhendo elementos em busca de uma conclusão que não chega.
Do ponto de vista da forma, se você quer escrever corretamente, leia Machado de Assis, porque ele é a diretriz, é o norte para se escrever bem. Quem não lê Machado de Assis nunca vai saber. Fico contente que ele esteja sendo popularizado também para o público estrangeiro.
Gosta de algum escritor goiano?
Não poderia deixar de citar o poeta Gabriel Nascente, que é muito meu amigo e tenho por ele um carinho especial. Também gosto muito da poesia de Aidenor Aires.
Na prosa, um de meus prediletos é Carmo Bernardes, autor do romance “Jurubatuba”. Sua última obra, o livro de contos “Quadra da Cheia” (1995), é um retrato regionalista maravilhoso. Em um desses contos, ele descreve um bar frequentado por prostitutas e a decadência do local. O narrador, sentado à uma mesa do bar, descreve como vê o envelhecimento melancólico de uma mulher jovem por trás de sua maquiagem carregada. Ele identifica exatamente o quadro da prostituição dos bares decadentes, com as pessoas que frequentam aquele ambiente, bebem, são, às vezes, dependentes do álcool, e, ainda na juventude, vão envelhecendo melancolicamente.
Gosto também do romance “O Tronco”, de Bernardo Élis, que começa com um processo judicial. O fato real narrado no livro tem inúmeras versões. Abílio Wolney Aires Neto, juiz que foi eleito membro da Academia Goiana de Letras (AGL), é neto de um protagonista do livro, também chamado Abílio Wolney. A família dele conta outra versão. Tenho um grande amigo que se chama José Paulo Nogueira da Gama, desembargador no Espírito Santo e neto do homem encarregado de conduzir a guarda para desarmar Abílio Wolney em Dianópolis. A família dele conta ainda outra versão. A versão de Bernardo Élis ficou sendo a mais conhecida por diversos motivos, inclusive literários. Um parente do jornalista Euler de França Belém, Vicente Belém, também é parte da história — que é real. Vicente Belém era marido de Rosa Belém.
Há um grande jurista que o inspira?
Em atividade, gosto do ministro Luís Roberto Barroso, que sai do lugar comum em seus pareceres. Considerando todos os juristas, tenho admiração especial por Ayres Britto, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e poeta sergipano. O considero uma pessoa extraordinária, porque citava compositores e poetas brasileiros em seus votos. Tinha um olhar muito especial, que saía da mesmice.