Por que Paulo Coelho vende mais livro do que Luc Ferry… na França?

11 outubro 2025 às 21h00

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Salatiel Soares Correia
Especial para o Jornal Opção
Li, no aeroporto, uma instigante análise literária da escritora e crítica literária Jô Sampaio. O texto me fez refletir sobre a dimensão do livro como espetáculo — não apenas como objeto de leitura, mas como produto que circula em uma sociedade onde o brilho da vitrine, o marketing e a força midiática muitas vezes se sobrepõem ao conteúdo literário em si.
Recordei-me de um episódio vivido anos atrás, em um bistrô do Quartier Latin, tradicional bairro da intelectualidade francesa em Paris, cercado de livrarias históricas que respiram filosofia, história e literatura.
Ali, entre uma taça de vinho e o burburinho dos transeuntes, encontrei um exemplar de “Viver Feliz”, do filósofo francês Luc Ferry, ex-ministro da Educação da França.
Segundo o vendedor, aquele livro havia vendido cerca de 300 cópias em alguns meses — um número respeitável para um ensaio filosófico, mas modesto diante do potencial intelectual de seu autor.
Enquanto saboreava o vinho, um ônibus passou pela rua exibindo em letras garrafais a publicidade do novo romance do brasileiro Paulo Coelho. A imagem me despertou a curiosidade. Voltei à livraria e perguntei quantos exemplares do escritor brasileiro haviam sido vendidos no mesmo período. A resposta foi surpreendente: 4 mil unidades.

A comparação é inevitável. Como pode um intelectual consagrado, autor de uma obra densa e reconhecida na França e no mundo acadêmico, vender tão pouco em relação a um escritor frequentemente acusado de superficialidade?
A resposta, em parte, está no texto de Jô Sampaio, publicado no Jornal Opção: vivemos na “sociedade do espetáculo”, para usar a expressão de Guy Debord.
Nesse cenário, o poder da mídia muitas vezes se impõe ao valor intrínseco da obra literária. O livro deixa de ser apenas literatura para se tornar espetáculo — embalado por campanhas publicitárias, por uma narrativa de fácil consumo e pela sedução do mercado.
Não se trata de negar o talento ou o alcance de Paulo Coelho, cuja escrita toca milhões de leitores ao redor do mundo. Mas o contraste revela algo maior: a literatura que se pretende profunda, que exige do leitor paciência e reflexão, é muitas vezes relegada a um espaço marginal.

Já a literatura moldada para o consumo rápido encontra na sociedade midiatizada o palco ideal para se transformar em fenômeno de vendas.
O episódio no Quartier Latin me ensinou que o destino de um livro não depende apenas de seu conteúdo, mas de como ele se insere no espetáculo do mercado cultural. Nesse palco, a lógica da visibilidade frequentemente fala mais alto que a da profundidade. É o paradoxo da literatura em nosso tempo: entre a obra que ilumina e o livro que brilha, o público, embalado pelo espetáculo, tende a escolher o brilho.
Salatiel Soares Correia, escritor e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.