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Guilherme Mapelli Venturi

Especial para o Jornal Opção

O livro “A Náusea”, de Breno Pitol Trager, configura-se como obra de excelência por razões várias, a começar pela vertente poética escolhida, da qual se tem poucos representantes no Brasil. Além disso, pode ser considerada como vanguarda da contemporaneidade, pois rompe com as teorias da poesia concreta e visual ao instaurar pioneirismo técnico e linguístico.

Tendo em vista as seis principais modalidades de poesia concreta e visual (poesia concreta, poesia cinética, caligrama, lograma, poema objeto, infopoesia, poema montagem, poema colagem, poema embalagem, poema dadá), os poemas além de não se enquadrarem por completo em nenhum dos estilos, também extrapolam a semiótica, mais precisamente, signo, significado, significante, índice, ícone e símbolo.

A proporção entre texto e imagem varia a cada título, chegando uns a serem mais visuais do que textuais; e outros, o contrário. A distribuição dos desenhos na página sofre a mesma oscilação; diferentemente do habitual, não são textos que moldam formas geométricas ou objetos, mas sim, o contrário. Linguagem escrita e visual são produzidas isoladamente, para que depois se fundam e resultem em única linguagem híbrida, sem que se anule suas independências.

O vocabulário é extremamente rico e rebuscado, muitas vezes apresentando neologismos admiráveis; a criatividade do autor para os títulos também é ponto que merece destaque. Breno tem amplo repertório de referências, nem sempre tão explícitas nos textos ou imagens, exigindo maior conhecimento por parte do leitor.

É em relação ao conteúdo que mais se justifica o título do livro, visto que muitos temas abordados provocam ânsia, reflexão, epifania, estranhamento. Assuntos como filosofia, psicologia, psiquiatria, política, identidade de gênero, sexualidade, e outros polêmicos, associados com o olhar crítico e cirúrgico do autor, sem temer o grito da liberdade de expressão e o cancelamento, demonstram a coragem e a despreocupação em dizer o que muitos silenciam, sem se importar com opiniões negativas e consequências.

O mais absurdo, quase inacreditável, ainda está por vir: em primeiro lugar, o livro é sua primeira produção inteiramente concreta-visual (depois vieram mais duas), guiado praticamente apenas pela inspiração, pois quase não tem conhecimento teórico nessa tipologia poética.

Saindo dos versos e adentrando na prosa, o autor produziu (pasmem) 9 obras, em um intervalo de sete anos, no entanto, esse é o menor dos detalhes, afinal, a perda de qualidade nesse vasto volume é quase mínima.

A produção de Breno é, portanto, ambígua e antitética, pois se de um lado uns adoram, outros odeiam; e isso se explica por algumas razões: a complexidade; a interdisciplinaridade ao servir como texto e imagem simultaneamente; as dúvidas e incertezas da existência humana, entre outros dilemas; o caminhar, em grande parte, na contramão da teoria literária contemporânea.

Tantos dizeres só reforçam a necessidade de as academias reverem seus conceitos e reformularem novos cânones literários; gênios como Breno há aos montes, mas, sem publicidade e apoio, não passarão das margens.

Guilherme Mapelli Venturi é beletrista, resenhista, bibliotecário, escritor, revisor, diagramador e gestor da Nós textos & cia.