Adelto Gonçalves

Resultado da XV Seletiva Nacional de Poesia, que contou com a participação de escritores de todo do País, a XV Coletânea Século XXI (Volta Redonda-RJ, PoeArt Editora, 2024), além de poemas de setenta e quatro escritores de doze Estados e do Distrito Federal que participaram do evento, dedica um capítulo especial ao poeta Anderson Braga Horta, a propósito da passagem, em 2024, de seus 90 anos de idade e mais de 70 anos de atividade literária. O capítulo reúne, além de uma breve entrevista com o poeta, vinte poemas de sua lavra e quinze comentários inéditos que abordam diversos aspectos de sua extensa obra.

Se a poesia é um veículo para a expressão e a exploração das emoções, praticamente, qualquer poema de Anderson Braga Horta constitui um exemplo bem-acabado dessa assertiva aristotélica. Ou seja, suas palavras falam diretamente aos ouvidos do leitor, mexendo com suas lembranças e emoções. É o que se pode comprovar neste poema que tem por título “Pureza”, do livro Cronoscópio (1983), em que o poeta evoca sua infância: 

“As luzes se apagaram de repente. / E redescubro, em plena noite urbana, / o céu de minha infância. / Lírico céu noturno, / céu lavado de chuva, céu telúrico. / Estrelas, altas estrelas, / e ao nível de meu gesto os pirilampos. / Odor de terra e mato. / Sarapatel de sons: corujas, grilos, sapos. / Intimidades de capim e orvalho. / O gosto / bom de uma argila ainda não corrompida.”

É o que comprova também o professor e escritor Aleilton Fonseca, membro da Academia de Letras da Bahia, no primeiro dos comentários inéditos, ao analisar que Braga Horta “compõe seus poemas de modo a adensar o efeito imagético associado ao ritmo e à musicalidade dos versos”. E acrescenta: “Os seus versos livres, como metáforas densas, são consistentes, sustentando-se no ritmo lírico, com imagens alegóricas, quando o poeta visualiza paisagens cênicas da vida e da existência em escala universal”. E conclui: “Ao fazer crítica social e histórica, avaliando os fatos e as atitudes humanas, o poeta equilibra a linguagem, ao adotar um tom filosófico e existencial que adensa o viés lírico do discurso”.

Linguagem substantiva e rica de recursos                 

Por outro lado, o jornalista e escritor Manoel Hygino dos Santos, membro da Academia Mineira de Letras, ressalta a linguagem substantiva e rica de recursos de Braga Horta que “fez sua obra percorrer o País em todas as direções”. No mesmo sentido, Leonardo Santana da Silva, historiador, escritor, sócio titular do Pen Clube do Brasil e membro da União Brasileira de Letras (UBE), seção Rio de Janeiro, lembra que o poeta construiu com muita peculiaridade e originalidade uma obra forte, concreta, pós-moderna e “sobretudo sem perder a essência, sensibilidade e simplicidade com que a poesia deve tocar os corações de seus respectivos receptores”.

No derradeiro comentário, a professora, poeta, escritora e cronista sul-mato-grossense Raquel Naveira observa que “a poesia tem sido companheira fiel” de Braga Horta “por todos esses longos anos”, ressaltando também a sua capacidade como tradutor, que lhe valeu o Prêmio Alphonsus Guimaraens, da Academia Mineira de Letras, lembrando que o exercício da tradução “exige técnica, mas só o talento é sublimador”. E destaca a tradução que ele fez de “Colóquio dos Centauros”, poema do nicaraguense Rubén Dario (1867-1916).

Anderson Braga Horta: um dos mais importantes intelectuais do país | Foto: Divulgação

Além dos comentários de críticos literários e do capítulo especial dedicado a Braga Horta, a obra reúne poemas de todos os participantes da XV Seletiva Nacional de Poesia – 2024 e as cinco poesias classificadas em primeiro lugar pela comissão avaliadora: “Tarde Sombria”, de Celina Bulhões (Salvador-BA), “Sentimentos”, de Cler de Veloix (Belo Horizonte-MG), “Porto Alegre”, de Geraldo Afonso Rodrigues (Orlândia-SP), Destino Peregrino”, de Larissa Suely Siqueira Bastos (Belém-PA) e “Ressonância”, de Pietro Costa (Brasília-DF).

Nascido em Carangola, o poeta Anderson Braga Horta (1934), filho dos poetas Anderson de Araújo Horta (1906-1985) e Maria Braga Horta (1913-1980), ainda criança, acompanhando a família, trocou o interior de Minas Gerais pelo interior de Goiás, mais especificamente pela tradicional Vila Boa de Goiás, ou Cidade de Goiás, onde fez o curso primário em duas “escolinhas domésticas”. Depois, transferiu-se para Goiânia, jovem capital àquela época, onde fez o curso de admissão ao ginásio para ingressar no Ateneu Salesiano Dom Bosco. Aos 12 anos, retornou para Minas, onde ficou na casa dos avós, em Manhumirim, e concluiu o ginásio. Depois, foi para Leopoldina, ainda em Minas Gerais, e fez o curso clássico.

Tempos depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde, em 1959, formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Advogado, professor de Português, jornalista, datilógrafo e redator, mudou-se para Brasília, em 1960, onde desempenhou o cargo de diretor legislativo da Câmara dos Deputados, além de técnico legislativo e assessor e diretor da Assessoria (atual Consultoria). Ao mesmo tempo, cumpriu vitoriosa carreira nas letras, publicando extensa obra que inclui títulos de poesia, crítica literária e ensaística.

Hoje, funcionário público aposentado, dedica-se em tempo integral à literatura. É cofundador da Associação Nacional de Escritores (ANE) e membro da Academia de Letras do Brasil (ALB), de Brasília. Começou a exercitar o caminho das letras por volta dos 14 anos. Datam de 1949 seus primeiros escritos, mas apenas no ano seguinte sentiu-se capaz de produzir um texto que pudesse ser submetido à análise dos outros. Eram versos. Os contos começariam em 1954, alguns deles tendo sido recolhidos em Pulso Instantâneo (Brasília, Editora Thesaurus, 2008).

O contista estreou em livro antes do poeta, a não ser pela participação em obras coletivas: O Horizonte e as Setas, em parceria com Joanyr de Oliveira, Elza Caravana e Izidoro Soler Guelman. Alguns dos contos que integram Pulso Instantâneo faziam parte de Contos Passageiros, livro nunca editado, embora tenha conquistado o Prêmio Machado de Assis, do antigo Estado da Guanabara, em 1966.

Predominam em sua obra títulos de poesia,  como  Altiplano e Outros Poemas (1971), seguido de Marvário, Incomunicação, Exercícios de Homem, O Pássaro no Aquário, reunidos, com inéditos, em Fragmentos da Paixão (São Paulo, Massao Ono, 2000), que obteve o Prêmio Jabuti de 2001, Pulso (São Paulo, Barcarola, 2000), Quarteto Arcaico (Jaboatão dos Guararapes, 2000), 50 Poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro, Galo Branco, 2003), Soneto Antigo (Brasília, Editora Thesaurus, 2009); Lua da Fonte/Elegia de Varna, seleção, prólogo e tradução para o búlgaro de Rumen Stoyanov (Sofia, 2009), De uma janela em Minas Gerais – 200 sonetos (miniedição em quatro volumes, 2011), Signo, antologia metapoética (Brasília, 2010), De Viva Voz (Brasília, 2012), Quarenta Sonetos (Jaboatão dos Guararapes, 2015),  Tiempo del Hombre (Lima, Maribelina, Casa del Poeta Peruano, 2015), e 50 Poemas (50 Gedichte), com tradução de Curt Meyer-Clason (1910-2012) e textos em português e alemão, entre outros.

Na linha da crítica e da ensaística, publicou pela Editora Thesaurus, de Brasília, o opúsculo Erotismo e Poesia (1994), Aventura Espiritual de Álvares de Azevedo: estudo e antologia (2002), Sob o Signo da Poesia: literatura em Brasília (2003), Traduzir Poesia (2004), Testemunho & Participação: ensaio e crítica literária (2007) e Criadores de Mantra: ensaios e conferências (2007). 

Com Fernando Mendes Vianna (1933-2006) e José Jeronymo Rivera (1933-2025), assina as traduções de Poetas do Século de Ouro Espanhol (2000); Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia (Editora Thesaurus, 2002), O Sátiro e Outros Poemas de Victor Hugo (Galo Branco, 2002), Antologia Poética Ibero-americana, organização de Gustavo Pavel Égüez (Cuiabá, 2006); e Contos de Tenetz, do búlgaro Yordan Raditchkov, com Rumen Stoyanov (Editora Thesaurus, 2004).        

Ganhou mais de 15 prêmios literários, entre os quais o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, São Paulo (2001); Joaquim Norberto (tradução de poesia, partilhado, UBE-RJ, 2001); Hors concours no Prêmio Centenário de Carminha Gouthier, das Academias Feminina Mineira de Letras e Municipalista de Letras de Minas Gerais (2003); Prêmio Internacional de Literatura Brasil-América Hispânica, da Academia Feminina Mineira de Letras, por Fragmentos da Paixão, em 2007; e Prêmio Yvone Simoens Botkay, da UBE-RJ, em 2008, por Criadores de Mantras.

Adelto Gonçalves, escritor, crítico literário, pesquisador e doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e autor de “Gonzaga — Um Poeta do Iluminismo” e “Bocage — O Perfil Perdido”, é colaborador do Jornal Opção.