Os 13 melhores poemas goianos de todos os tempos

17 março 2015 às 11h20

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Odes ao amor e à vida enfeitam terças, segundas, a semana inteira. O canto da terra frutifica versos em estrofes. Fazer listas é tal qual efeito rarefeito, nunca de suspiro fácil. Por isso, algumas das poesias goianas em poemas, elencando títulos e nomes que têm feito, da história, estória. Tarefa que requereu ajuda. Recomendações. Façam as suas. Ei-los:

Ofício de viver – Afonso Félix de Sousa
O mundo que encontrei já era isso.
O jeito foi bordá-lo
com palavras.
Palavras e palavras, esta a herança
que tive e vou deixando.
O jeito foi juntá-las
untá-las
soprá-las
dobrá-las a meu jeito
Perdão ó mestres
vos dou a mão à palmatória
mas não sei ser outro, não sei
ser de outro jeito.
O mundo é isso
e o jeito é ir chutando e vou chutando
e vou driblando e vou sendo driblado
e vou caindo e vou-me erguendo e vou
e vou gemendo
atrás da bola
e a bola à frente
e ao lado a bola
e do outro lado
e nas alturas
Mestres
meus mestres
Toque de Flauta – Delermando Vieira
Um velho tonel de vinho
é o que tenho,
ali debaixo do pessegueiro florido,
na vesperal animosidade.
Por isso, assim, este beber
e não tocar-me, se é flauta o que me toca,
quando me toca esta saudade.
Eu sinto, ouço, vislumbro nos aros
da tempestade: é longo este soar de sinos,
quando meu amor lá longe já morreu.
Quem foi que tanto me buscou e me perdeu?
Não sei. Sei apenas
que todo buscar
(adaga/florferida)
é um sarilho arrastando a Vida.
Todo buscar faz de seu achado
alguma antiga e perdida ternura.
Portanto, me busco
e não me acho,
por tanto achado
e pouca procura.
Que sou?
a que vim?
Que amor terá de mim o sangue,
a libido, a navalha e sua ferrugem,
se meus lábios
(sempre tardos)
nunca insurgem?
Confesso: um cavalo de ouro trota, agora,
no epidérmico jardim de minha pele,
o rúbido bouquet de orquídeas
entre os dentes de alvura acetinada.
Relincha em ouro este cavalo
que enfim no meu peito empina, escoiceia,
bate os cascos contra as pedras
da enorme solidão: de amor,
quantas léguas tem meu coração?
Um velho tonel de vinho
é só o que tenho,
enquanto – na paisagem embriagada –
toco o soluço de uma flauta esmagada.
Por isso, então, nunca beber-me
aquele amor distante,
nunca querer-me a pessoa amada!
Alvorada dos nirvanas – Edival Lourenço
estou pela hora de cometer
um haraquiri com o gume
das palavras
estou a ponto de sofrer
um estouro de aneurisma
na jugular poética
Geração – Gilberto Mendonça Teles
Sou um poeta só, sem geração,
que chegou tarde à gare modernista
e entrou num trem qualquer na contramão,
e vai seguindo sem sair da pista.
A de quarenta e cinco me tutela,
me trata como a um filho natural.
Eu chego às vezes tímido à janela
mas vou brincar no fundo do quintal.
Na poesia concreta, a retaguarda
é que me vê brincando de arlequim.
Às vezes fujo à rima e lavo um fardo
de roupas sujas, não tão sujo assim…
A de sessenta e um foi de proveta,
foi mágica de circo para um só.
Ninguém me viu caçando borboleta
ou pescando escondido o meu lobó.
Quem fez letra, cantou e usou bodoque
que se fez marginal pela cidade,
será que fez poesia ou fez xerox
ou apenas tropicou na liberdade.
Sem Título – Heleno Godoy
Adentrar a casa, pelo
portão: pórtico finca-
do entre grades, gran-
de o muro em torno;
entre o porão e o ático,
a casa se estende e se
protege: um projeto ou
uma proposta (a porta
a ser fechada), a casa se
constrói no que acumula
— um cedro no jardim e
outro na sala, cortado
e revestido; como o musgo
a recobrir a casa e seus
súditos: um súbito susto,
de medo — sua medida.
Poema vertical – José Décio Filho
Dei um mergulho em mim mesmo, num pulo de cabeça a baixo.
Tudo lá no fundo está quieto como os caminhos abandonados;
a paisagem esfumou-se e confundiu-se num apaziguamento de cansaço.
Perdi-me nos atalhos sedutores,
gastei linhas retas e curvas, inquietações e deslumbramentos.
De místicas visões e amargos projetos fiz um montão de cadáveres.
Quanto trabalho perdido,
quanto tempo dissipado!
Mas de tudo que ajuntei
na mais lírica desordem,
alguma coisa houve de ficar, alguma coisa que às vezes se resolve em minha poesia ou em silêncio.
Poema – José Godoy Garcia
Eu queria informatizar a minha práxis poética
gostaria muito de ter ao meu dispor um Computer
Place, a tecnologia Epson, Action Laser 1000,
o Desktop,
Seria maravilhoso computar as estrelas
Que estão à minha disposição na hora exata
de minha criação
Gostaria de medir a pressão de meus órgãos
Quando em minhas mãos um Macintosh Centris
ou um Windows, e poder pegar uma loira baiana
com toda serenidade.
Sim, enfrentar uma baiana loira só com
um Macintosh, essa raridade beirando à
desídia de uma negra aça.
Sim, e que a madrugada venha para
o meu alento macho, sempre ao meu lado
uma bela tecnologia Windows NT,
assim poderei saber o útero perfeito
e sua extremidade quanto a madrugada se
abrir em coxas verdes-escuras-negras-grénas
e aças, medindo a pressão e repressão sub
reptícias em torno da Petrobrás. Oba!
Nova Scanner Geniu tem soft poliglota, um avanço!
Guimarães Rosa, em alemão, série verbegral-quicé.
Uma atrociadade de línguas suaves-lânguyidas,
as imagens Leyser de Bruna Lombardi de mel
e de flores brancas. Oh, meu santo Virgolino,
Santa Dica de Goiás, paixão de minha alma,
oh conselheiro, oh Zumbi dos Palmares!
O primitivismo nativista no bico dos
anjos da máquina infernal que nos digita
os sêmens, as porras micras, com uma
doce atenuante: os estilísticos teriam
um fim, até que enfim, salve nossas preces
ao Nosso Senhor do Bonfim, o Windows digitaria
as frases e períodos, no mágico de um
simples botão Reader Baby e
soletraria a estética num simples segundo
de nossa vidinha. Salve o Microsoft Windos NT,
infinito, oba-oba, lésbico!
Goyania – Manuel Lopes de Carvalho Ramos
Canto primeiro
Eu canto, patria minha, o heroe facundo
Que immortal sublimara aquella idade
Em que o Brasil, sonhando a liberdade,
Cingia as vestes do nascente mundo;
Em que da Historia, irmã da humanidade,
Tinha o gigante audaz o ser profundo,
E aquelles que, nos bosques brasileiros,
Foram os grandes cayapós guerreiros.
O’ tempos idos! O’ remotas eras!
Em que, á sombra das arvores copadas,
E das montanhas para os céos voltadas,
Eram outras as nossas primaveras!
Em que das selvas brutas e agitadas
Eram selvagens os irmãos das feras,
Em que a voz do cacique, ardente e bella,
Soía um brado ser da eterna tela.
Eras tu, patria forte, o grande povo
Embalado no bosque americano,
Não de escravos nascido ao eito insano,
Mas de algum ventre poderoso e novo;
Que então não tinhas outro soberano
Senão esse fortissimo renovo,
Mas que o perdeste á marcha triumphal
Dos bravos, que illustraram Portugal.
Eras tão livre como a voz dos ventos,
Que as tuas alvas praias despertavam,
Como a orchestra das aves, que esperavam
Da aurora os raios fortes e opulentos.
Ousado prometteu, que em ti buscavam
Nações da Europa, espiritos sedentos,
E estranhos, feros, cegos desertores,
E escravos negros de crueis senhores?
Em tudo a voz da terra esperançosa
Mil phantasticas sombras attrahia;
Em seus prados uberrimos nascia
Forte imburana ao pé de branca rosa;
Em seus valles risonhos, quando o dia
Na luz d’alva acordava a tribu irosa,
Eram lagrimas doces, purpurinas,
As lymphas das ribeiras crystallinas.
Mas em ti, só em ti, goyana terra,
Correia pertinaz ouvira o brado
Firme, soberbo de um paiz talhado
Para os fructos da paz, e não da guerra;
Porque em ti se firmava o luso errado,
Vingando as regióes de serra em serra;
Porque em ti, se não fosse a idade forte,
Teria a própria liberdade a morte.
Mas, por isso, bem vês, goyano povo,
A quem meus versos neste canto envio,
Que imagens vagas de paixão não crio,
Mas a gloria da patria em que eu me louvo.
Em teu regaço, em que melhor me fio,
Deponho a lyra e o canto audaz e novo:
Dá que a musa, animando a luz da historia,
Da patria cante a primitiva gloria.
[…]
Canto Vigésimo
[…]
Eis nesse instante, enquanto gloriosos
Os valles descem fortes os guerreiros,
Da fria noite os astros derradeiros
Iam doirando os ermos tenebrosos.
Scintillam sobre os cerros altaneiros
D’alva os clarões rosados e amorosos:
A doce brisa a pluma dos cocares
Agita aos buritys nos frescos ares.
Algumas aves cantam nas ramagens
Dos cambuhis da praia, em que serena
A laranjeira delicada e amena
Presta aos indios amantes as folhagens;
E, ouvindo aquella matutina pena
Do cardeal, que canta nas pastagens,
Anhangaia murmura: Anang morre…
Fria mão de Tupan seu rosto corre…
Morrer! Quando esta vida é toda amôres!
Quando, entre as rosas da manhã serena,
Suspira a jurity na selva amena,
Adeja o beija flôr beijando as flôres!
Morrer! Da ideia negra que envenena
Ao precipicio caminhar de horrôres!
No coração, que a treva desespera,
Ver extinguir-se a luz da primavera!
Morrer! Quando a folhagem que murmura
Presta suave sombra ao doce amado!
Quando brilhante o leito do noivado
E’ como um cofre aberto á formosura!
Quando sómente o enfermo é desgraçado!
Quando escarmenta o colhe a sepultura!
Deixar tudo e partir… Cahir sosinho
Cadáver! Sombra! Em meio do caminho!
Taes pensamentos negros scintillaram
No cerebro da indígena piedosa,
Cuja paixão suprema em dor penosa
Idéias mil oppostas transformaram.
Turva-lhe a vista gfelidez pasmosa
De Anag… e os passarinhos se calaram…
Naquelle instante aspérrimo e sombrio
Nem brilha mais o céo, nem falha o rio…
Era supremo o acaso, a dôr terrivel,
E findo estava o quadro da agonia:
Sem forças quasi a indigena acolhia
Aquella vida á margem do impossivel:
E assim, olhando a face quase fria
Que estreita, com disvello intraduzivel,
Guayra ri, soluça, e a voz discerra:
– Morto! Morto! – Suspira e cahe por terra.
Praia Morta – Miguel Jorge
esta praia morta
também é fruto do rio
cemitério de gaivotas
com seus ais
e nunca mais
esta praia morta
viajou horizontes
e se matou pelo rio
esta praia plana
esta praia plena
de triscos
ciscos
cacos
cascos
bicos
riscos
triscos
rabiscos
beliscos
reflete agoniando
a orla vermelha do rio
esta praia abriga vozes
abriga falas
e se cala
como quem perdeu a última palavra
Vaga litúrgica – Pio Vargas
O volume da chuva
é que decifra o dilúvio
como no corpo eflúvio
é âmbar a dúvida
a porta que mais vence
é a que aberta permanece
e o corpo que mais sente
é nem sempre o que adoece.
Que morte é natural
senão a que é sem leito
se nem só pelo sinal
traduz-se o que foi feito (?)
o que por dentro queima
e teima em prosseguir
o fôlego-fátuo que anuncia
cenas do óbito a seguir
Vai mais longe quem divaga
além de si aquém do se
a certeza que mais propaga
é a de quem menos disse
nenhum lugar pleno existe
a menos que a invenção o faça
: o perdão é de quem insiste
no pecado e não na graça.
Pacote Completo – Cássia Fernandes
Quando a gente ama,
compra o pacote completo:
o bilhete de ida e sem volta,
a ex-sogra,
o mau hálito quando acorda,
o mau humor
o mau amor.
A gente ama,
a gente compra
o pacote com tudo o que vem dentro:
um trem, uma família, um cachorro,
um papagaio, um sofrimento.
O feijão com caruncho,
a pedra…
A gente quase quebra um dente
quando morde.
A gente não pode
comprar uma meia meia,
uma meia sola,
só o seio esquerdo
e deixar na loja
uma só alça
do sutiã meia taça.
Comer só o miolo do pão
e do sonho de valsa;
a laranja e a couve;
e fingir que não houve
nem escravidão, nem fome, nem chicotada,
nem o pé de porco
na feijoada.
O amor não se vende avulso
nem picado,
para um pé atrás,
de um só lado.
Se bem que é bem preciso
começar com o pé direito,
dar ao menos um braço a torcer
e de vez em quando estender
a roupa no arame
e a outra face.
Porque a qualidade e o defeito
são irmãos siameses.
E o cachorro se senta
sobre o próprio rabo.
Bicho de goiaba é goiaba,
exceto para quem está
de barriga lotada.
Quando a gente ama,
não pode escolher
se tem aleijão
ou se é perfeito.
Tem que aceitar a barriga, a remela,
o cabelo de nego,
o presente de grego,
a mão em que sobra ou falta
um dedo,
e que é a pimenta da vida
e que dá tempero à comida.
Não há amor que se vende a granel,
como fiado
só no armazém ao lado.
E se é verdade
que a galinha da vizinha
é sempre mais gostosa e mais gordinha,
é verdade também
que não se faz omelete sem quebrar uns ovos
chocos
e que todo ofício,
mesmo o de você me comer
e de eu comer você
tem seus ossos.
As Jóias de Netuno – Valdivino Braz
Surdo rumor de ondas se avoluma
para os estrondos de espuma;
estilhaços da fúria fragmentária,
os cristais feito jóias,
perdigotos de Netuno.
Fraturas de oceano,
salso cuspe de espuma e louça
os nácaros, côncavos destroços.
O que há de maestro e música,
além do bramor de mostro,
nisto de Atlântico.
Sinistra massa, mista
de crustáceos e moluscos –
lagostos pednúnculos de antênulas,
cacos de acéfalos hipocampos,
espongiários espantos.
De hábitos solitários e anêmonos,
de celenteradas pedras,
isto de florir-se
o reino das actíneas.
Outra é água-viva,
mija-vinagre,
urtiga-do-mar,
isto de queimar.
Transparência de gelatina,
e de secreto nas entranhas marinhas,
as coisas-meduas,
tanto quanto não ser
a vida um mar de rosas.
Umas formas eriçadas,
uns ouriços,
uns crespos de abrir-se e fechar-se
– de não-me-toques -,
marinhos espinhos.
E coisoutras peludas,
isto análogo de púbis,
estranhos novelos de quelíceras.
Uns mijos de esponja,
de Nadja,
de nojo.
Umas pérolas nada pérolas,
num colar de búzios.
Com a fileira de pés ambulacrários,
A esdrúxula estrela,
uma crosta, uma casa,
parece que morta.
Vergue-se-lhe, entanto, o centro,
ei-la que ressuscita:
ondula-se o mar de áspero dorso,
onde varetas possibilitam
articular-se o dentro,
e pena é vê-lo ondular-se,
por certo que de dor,
isto de só restar devolvê-lo ao mar,
arremessa-lo feito disco voador.
O desvio – Yêda Schmaltz
A mim pouco me importa
aberta ou fechada a porta,
vou entrar.
E pouco me importa estar
sendo amada ou não amada:
vou amar.
Que a mim me importa tanto
eu mesma e o sentimento,
quanto!
A mim pouco me importa
se a tua amada é doente,
se a tua esperança é morta.
E me importa muito menos
se aceitas solenemente
a nossa vida parca e torta.
Porque a mim me importaria
deixasse de ser eu mesma
e a poesia.
A mim pouco me importa
se a lira quebrou a corda:
vou cantar.
E pouco me importa estar
no picadeiro do circo:
vou rodar.
Que a mim me importa tanto
eu mesma e o sentimento,
quanto!
A mim pouco me importa
se estamos todos presos
por uma invisível corda.
E me importa muito menos
sermos todos indefesos
ante o destino que corta.
Porque a mim me importaria
deixasse de ser eu mesma
e a poesia.