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“O Último Concerto”, dirigido pelo cineasta Yaron Zilberman, é um pequeno grande filme que discute valores (e arte, e amor, e a vida) de forma delicada e sem ser piegas embalado por música emocionante

Mark Ivanir, Philip Seymour Hoffman, Christopher Walken  e Catherine Keener, em cena de "O Último Concerto” | Foto: Reprodução / Europa Filmes
Mark Ivanir, Philip Seymour Hoffman, Christopher Walken e Catherine Keener, em cena de “O Último Concerto” | Foto: Reprodução / Europa Filmes

Marcelo Costa

O que fazer para ter um elenco estelar em seu primeiro filme ficcional? Uma boa história, pra começo de conversa. Munido dessa certeza, o diretor e roteirista israelense Yaron Zilberman montou um timaço em “O Último Con­cer­to” (“A Late Quartet”, 2012), que chega ao Brasil com dois anos de atraso, tempo em que uma das estrelas do filme, o magnifico ator Philip Seymour Hoffman, foi vítima de uma overdose por mistura de drogas.

Em “O Último Concerto”, Philip Seymour Hoffman interpreta o músico Robert, segundo violinista do Fugue, um quarteto de cordas que está junto há 25 anos e é conhecido mundialmente no circuito de música clássica. Além de Robert integram o Fugue a sua esposa Juliette (a sempre ótima Catherine Keener) na viola, o exigente primeiro violinista Daniel (o ucraniano Mark Ivanir) e o violoncelista Peter (Christopher Walken).

O ponto de partida da trama é o ensaio do quarteto para a turnê comemorativa de 25 anos. Mais velho que os companheiros de Fugue, Peter, que era professor de Daniel e Robert quando o grupo foi montado, não consegue acompanhar os três músicos na execução da magnifica “Opus 131 String Quartet in C# Minor”, de Beethoven, e decide procurar um médico, em que constata que o músico sofre os primeiros sinais do Mal de Parkinson.

Zilberman divide a trama em pequenos núcleos dramáticos, inserindo um personagem extra, Alexandra, filha do casal Robert e Juliette (a ótima Imogen Poots, de “Uma Longa Queda”, que, filmado depois, estreou antes no Brasil). O casal está em crise, ou como bem define Alexandra em uma passagem: “Minha mãe preparou-a para servir três mestres ao mesmo tempo: aquele que ela ama, aquele que a acompanha e aquele que ela deseja”.

Se o drama da esposa é o peso de uma paixão impossível que ela carrega (sem saber lidar), do marido é o cansaço por ser, há 25 anos, o mesmo segundo violinista no grupo, e, não bastasse a doença de Peter, as coisas desandam ainda mais quando Robert propõe uma mudança de funções no quarteto: “Quero alternar com você o primeiro violino”, ele diz para Daniel, que não consegue ver no amigo capacidade para lidar com tremenda responsabilidade.

A simplicidade da trama (ainda que Zilberman pese a mão na sequência de dramas como se todos os personagens necessitassem de tragédias para serem justificados) é um dos pontos altos de “O Último Quarteto”, e valoriza a ótima atuação dos cinco atores, que está à altura do belíssimo acompanhamento musical. Zilberman utiliza Beethoven como um personagem, e aprofunda o olhar (e o ouvido) do espectador sobre o espetacular quarteto Opus 131.

Escrito por Beethoven em 1826, o “Quarteto de Cordas nº 14” (o número 131 tradicionalmente atribuído a ele é baseado na ordem da sua publicação, não de composição) é composto por sete movimentos tocados sem interrupção. Ou seja, não há pausa para os músicos. “Sabia que seu pai costumava acordá-lo no meio da noite para que tocasse para seus amigos bêbados?”, diz Daniel para Alexandra sobre Beethoven. “Imagine a marca que isso deixou nele.”

Consta que o último pedido de Schubert foi ouvir a “Opus 131” (no que foi atendido: tocaram a peça completa — são 40 minutos — para ele cinco dias antes de sua morte), e não deixa de ser sintomático que o personagem de Christopher Walken queira (tentar) tocá-la uma última vez antes de se aposentar dos palcos (o que não deixa de ser um tipo de morte), e seu desejo acaba dividindo o quarteto (com cada personagem simbolizando um pequeno pecado sustentado pela dúvida em ser fiel à música ou ao homem).

O resultado é um pequeno grande filme que discute valores (e arte, e amor, e a vida) de forma delicada e sem ser piegas embalado por música emocionante. Se não bastasse ter um elenco formidável e uma trilha sonora arrebatadora, “O Último Concerto” ainda mostra o quão enorme foi a perda de Philip Seymour Hoffman, um ator extraordinário — numa grande fase de sua história cinematográfica — que partiu cedo demais, e que fará falta.

Marcelo Costa é jornalista. Editor do Scream e Yell.