O Ouriço e a Raposa, o magistral ensaio de Isaiah Berlin sobre Tolstói, autor de Guerra e Paz
15 novembro 2025 às 21h00

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Isaiah Berlin, um dos principais pensadores do século XX, foi professor de Teoria Social e Política na Universidade de Oxford. Nascido na Letônia, passou quase toda a vida na Inglaterra
O filósofo anglo-letão é amplamente citado por sua produção intelectual e por duas contribuições que ganharam grande notoriedade: a distinção entre liberdade positiva e liberdade negativa, e o ensaio “O Ouriço e a Raposa” (Civilização Brasileira, 160 páginas, tradução de Denise Bottmann).
Segundo o jornal inglês “The Guardian”: “O grande ensaio de Berlin perdura porque é uma obra-prima da retórica, um espetáculo intelectual de um mestre moderno”.

Nesse ensaio, Berlin utiliza a imagem de dois animais — inspirada nos versos do poeta grego Arquíloco — para distinguir as diferenças mais profundas que dividem escritores, pensadores e, talvez, os seres humanos em geral.
Diz o poema: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma grande coisa”.
Alguns, como os ouriços, relacionam tudo a um único sistema coerente, que confere sentido a tudo o que pensam e dizem.
Outros, como as raposas, buscam múltiplos fins, muitas vezes sem relação entre si, e até mesmo contraditórios.

Ninguém foi mais “ouriço” do que Karl Marx, em sua tentativa — fracassada — de descobrir leis gerais que regessem a evolução histórica. Raposas foram Aristóteles, Montaigne, Goethe e muitos outros.
Liev Tolstói, por sua vez, faz escárnio dos que posam de especialistas em gerir os assuntos humanos. Vai além: dedica-se a desmascarar os indivíduos que acreditam poder controlar o curso dos acontecimentos.
O ensaio de Berlin trata da história de Tolstói, autor daquele que é, possivelmente, o melhor romance histórico já escrito: Guerra e Paz. Além de outro clássico: “Anna Kariênina”.
Em poucas páginas — de escrita densa, mas acessível ao leitor habituado a textos reflexivos — é possível compreender a genialidade do escritor russo.

Os leitores de “Guerra e Paz” e “Anna Kariênina” — há boas traduções em português — encontrarão, neste ensaio, uma imersão nas intenções do autor. Tolstói toma a figura do general Kutúzov para expressar sua descrença no “grande homem” — aqueles que acreditam poder moldar a história.
Kutúzov, comandante das tropas russas, homem simples e sem formação teórica, derrotou Napoleão simplesmente deixando as coisas seguirem seu curso natural. Trata-se da guerra de 1812.
As pessoas simples muitas vezes conhecem a verdade melhor do que os eruditos, porque sua observação do homem e da natureza é menos toldada por teorias vazias.
Tolstói é crítico dos intelectuais formuladores de teorias, pois acredita que a verdadeira sabedoria é aprendida na realidade da vida, pelos homens simples.
Da leitura do ensaio de Berlin, evidencia-se a convicção de Tolstói quanto à insignificância humana diante da multiplicidade de fatos impossíveis de serem dominados pela mente. A onisciência pertence apenas a Deus.
Tolstói viveu em permanente conflito interior entre o senso de realidade — da raposa, que sabe muitas coisas — e o desejo de uma concepção simples, unificada e harmoniosa da vida como um todo, do ouriço.
Segundo Berlin, Tolstói era uma raposa que queria ser um ouriço (já Fiódor Dostoiévski estava mais para ouriço). Esse drama explica o conflito de um homem de visão ampla e complexa (a raposa), mas que ansiava por uma verdade única, moral e absoluta (o ouriço), que o levou a um fim de vida trágico.
