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Quem é da geração de Joveny Cândido de Oliveira (como eu), se sobrevivente (como nós dois), muito tem para contar, não apenas por leitura ou ouvir dizer, mas por ser “testemunha ocular da história”, como rezavam, várias vezes por dia, em nossa infância, as rádios que transmitiam, nas décadas de 1950 e 1960 principalmente, o famoso, saudoso e insuspeito Repórter Esso.

Os dessa geração vimos o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o suicídio de Getúlio Vargas (1954), o governo Juscelino Kubistchek (quantas saudades daquela democracia), o regime militar, a morte de Tancredo Neves, o malabarismo de José Sarney, o voo galináceo de Fernando Collor, os escândalos petistas, Jair Bolsonaro e seus titubeios, a improvável volta de Lula da Silva dos subterrâneos da corrupção, o império do STF e tantos eventos políticos mais…

Joveny Cândido capa do livro 2

Vimos surgirem os telefones, a televisão em preto e branco, mais tarde a colorida, e aparecerem os computadores, a internet e os telefones móveis. E muito disso Joveny conta, desde seu posto de observação, privilegiado por sinal, em “Lutar pela Pátria é Viver Com Razão”, título de seu livro, que trai sua enorme vocação pela farda, que, de certa forma (mormente preservando valores), ele levou para as outras inúmeras atividades que exerceu.

A multifacetada — e porque não dizer vitoriosa — trajetória de Joveny, relatada no livro, tem muito a agradecer à criação familiar que se usava na época de sua infância, nossa infância, posso dizer.

João Cândido e Maria José tinham que ser, como os pais mais competentes daquela época, a um só tempo, professores, educadores, psicólogos e mesmo psiquiatras. E conseguiam sê-lo. Educava-se à mesa, ensinava-se durante as refeições e não só na escola. Almoços e jantares — que reuniam religiosamente pais e filhos — eram horário de transmitir lições de conduta, ensinar pelo exemplo, relatar fatos esclarecedores.

Joveny Cândido contracapa do livro

Fora disso, pais e mães auxiliavam nas lições escolares de casa, mas exigindo que cada um se esforçasse para fazer as suas, orientavam para os hábitos de higiene, saúde e lazer.

Também se dava importância ao cultivo de uma religião, e nas igrejas de então também se aprendia a convivência saudável com o próximo, a tolerância e a empatia.

Hiperatividade infantil e déficit de atenção, conceitos hoje muito em voga, quando se fala dos filhos, eram coisas desconhecidas, mas os pais sabiam quando os filhos tinham o “bicho-carpinteiro” ou eram “distraídos”.

E havia a cura: conselhos, advertências, castigos como ficar sentado no canto da sala olhando para a parede, e até terapias de efeito mais profundo e duradouro, presentes no chinelo ou no cinturão. Um santo remédio, que curou toda uma geração, medicamento hoje proibido como “contraproducente”. Maria José e João Cândido que o digam. E Joveny, mais que eles.

Ler essas memórias não só é divertido. É instrutivo em cada capítulo. Os jovens de hoje não sabem o que é uma infância como a de Joveny em uma pequena cidade ou uma cidade nascente, como era a Goiânia dos anos 1930 e 1940, ou mesmo a Campinas que lhe deu suporte e hoje é seu bairro. Era como viver em uma grande fazenda, comunhão total com a natureza, os rios, as matas, os pássaros, os peixes que abundavam nos córregos como o Botafogo ou Capim Puba e nos rios, como o Meia Ponte, hoje estéreis pela poluição.

Joveny Cândido 2
Joveny Cândido: cartorário e educador | Foto: Divulgação

Passando pela excelência do aprendizado secundário no Liceu da capital, Joveny chegou à Faculdade de Direito.

A história se repete: como hoje disputam a preferência dos jovens as figuras do presidente Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro, as ideias de esquerda e direita, naqueles anos 1950 de Guerra Fria, a torcida universitária era por Estados Unidos ou União Soviética.

A desinformação esquerdista já era eficiente então, e se pensava que a União Soviética competia e até superava os Estados Unidos em qualidade de vida e avanço tecnológico, o que o lançamento do primeiro satélite artificial, o russo Sputnik, parecia atestar.

Mas a esquerda era então, como é hoje, apenas fachada, narrativa como dizem, e o atraso de todo o mundo comunista haveria de aparecer um dia com a queda do Muro de Berlim, o desmonte da União Soviética e a revelação dos horrores do regime por uma de suas figuras mais representativas, o secretário-geral do PCUS, Nikita Kruschev.

Marcio Fernandes: autor da biografia de Joveny Cândido | Foto: LeoIran

Mas nas universidades o esquerdismo já florescia, o entusiasmo dos jovens fornecia o combustível que substituía, como acontece ainda hoje, a racionalidade e o conhecimento histórico.

De como nosso biografado se saiu como estudante no Rio de Janeiro dos anos 1950, quando a metrópole exibia, com total merecimento, o título de Cidade Maravilhosa, não vou falar aqui, nem de sua passagem pelo Exército Brasileiro, paixão que cultiva até hoje e, conhecedor que sou da personalidade de meu amigo e compadre, posso afirmar — repito — ser sua maior vocação.

Cartorário que fez do Cartório ponto de encontro por atender a todos com simpatia, atenção e eficiência, professor e empreendedor no ensino superior, homem da atividade religiosa e social, fazendeiro, tudo isso flui em sua narrativa clara, atraente e fiel.

E flui para delícia de um leitor que vai conhecer, naquelas linhas e na vida de Joveny, os acontecimentos principais, as venturas (poucas) e as desventuras (muitas) dessa nossa Pátria Brasileira. Cada capítulo de suas memórias comportaria um comentário, mas não vou cometer essa imprudência, e roubar ao leitor o prazer das descobertas ao longo da leitura. Muitas e muitas descobertas, reveladoras na sua maior parte, evocativas outras e até jocosas algumas, mas interessantes todas. Leiam e verão.