O inovador e bilionário furacão Elon Musk (2ª parte)

08 janeiro 2023 às 09h03

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Confira como o empresário conquistou o Vale do Silício
Salatiel Soares Correia
Especial para o Jornal Opção
Nesta longa resenha, dividida em cinco partes, priorizo o essencial, e não os detalhes. É sempre bom lembrar àqueles que desejam ir além das informações contidas nestes escritos a seguinte sugestão: a esses recomendo que adquiram o livro “Elon Musk — Como o CEO Bilionário da Spacex e da Tesla Está Moldando Nosso Futuro” (Intrínseca, 400 páginas, tradução de Bruno Casotti), de Ashlee Vance, e explorem-no para seu deleite. Posto isso, volto a discutir a trajetória do homem mais rico do mundo a partir do momento que, já trabalhando no Vale do Silício, monta a empresa Zip2, que impulsionou sua excepcional evolução patrimonial, a qual foi construída, diga-se de passagem, pelo mérito de um extraordinário empreendedor que soube enxergar avante, assim, gerando produtos voltados à consolidação do futuro.
No verão de 1994, Elon Musk e seu irmão Kimbal fizeram uma viagem rumo ao Vale do Silício. Para viabilizar a viagem, Kimbal vendera sua pequena franquia e juntara o valor aos recursos do seu irmão para comprarem uma BMW usada e seguirem rumo à meca da tecnologia dos Estados Unidos. Na cabeça de Elon, havia uma certeza quanto ao futuro resultante dos trabalhos que ele desenvolvera na Universidade da Pensilvânia. Para ele, a internet, a energia renovável e o espaço eram as três áreas que passariam por mudanças significativas nos próximos anos.

Elon não tinha interesse em ser mais um daqueles milionários pontocom que chegavam ao Vale do Silício com o propósito de ficar rico. A respeito desse desejo, o dono da Espaço X logo estabeleceu que ele não se identificava com a geração pontocom. A diferença estava não apenas no farejamento de tendências com propósito de acumular capital. Mais que isso, Elon estava buscando um plano mestre de investigação do futuro por ele imaginado.
Posto isso, deixemos que o próprio Elon Musk explicite o que de fato queria do Vale do Silício. Em suas palavras: “Não quero parecer um recém-chegado ou alguém que está seguindo uma moda ou sendo oportunista. Não sou um investidor. Gosto de tornar reais tecnologias que considero importantes para o futuro e, de alguma forma, úteis”. Com esse propósito, Elon passou curtas temporadas de verão estagiando nas startups da região. E migrou definitivamente para o Vale quando concluiu seus estudos na Universidade da Pensilvânia.
Logo que chegou para residir no Vale do Silício, o filho do engenheiro Errol Musk teve de tomar uma importante decisão: aceitar o convite da Universidade de Stanford para cursar o doutoramento naquela prestigiada instituição.
Essa foi uma difícil decisão, pois, certamente, se optasse pela academia, Elon Musk teria um futuro brilhante. Com a vida empresarial caminhando a passos largos, o dono da Tesla preferiu centrar seus esforços no futuro que havia vislumbrado quando ainda era estudante na Universidade da Pensilvânia. E, nesse futuro, encontravam-se a energia solar, os carros elétricos, as viagens espaciais e os projetos de ajuda a empresas para entrarem na internet.
A primeira empresa que fez a diferença nos negócios de Elon Musk foi a ZIP2. Essa startup nasceu modestamente instalada em um imóvel de reduzidas dimensões. “Era literalmente um lugar de merda para trabalhar”, assim se expressou um dos funcionários da empresa.

Em seus escritos, o biógrafo do irmão de Kimbal descreve o início dessa pequena startup: “Alugaram (Elon e o irmão) um escritório do tamanho de uma quitinete — nove metros por seis — e adquiriram mobiliário básico. O prédio de três andares tinha suas peculiaridades. Não havia elevador e a água dos vasos sanitários com frequência retornava”.
Os primeiros tempos foram de enorme dificuldade, pois o dinheiro que dispunham — 28 mil dólares — era uma doação do pai para os dois filhos, Elon e Kimbal. As primeiras vendas eram feitas artesanalmente, de porta em porta, procurando convencer os futuros clientes quanto às vantagens de anunciaram seus produtos por meio de uma tecnologia pouco conhecida naquele ano de 1995 — a internet.
O desconhecimento relativo aos tipos de serviços prestados pela ZIP2 não era captado por muitos potenciais clientes, que, quando irritados, expulsavam os vendedores da empresa dos irmãos Musk.
Elon era o que se pode chamar de um verdadeiro workaholic. Trabalhava sem parar. Quando se cansava, dormia sobre um pufe e tinha sua forma de acordar: pedia ao funcionário que chegasse a determinado horário para trabalhar e desse um chute no pufe para que, desse modo, despertasse. “Talvez ele tomasse banho nos fins de semana”, assim relatou um dos primeiros funcionários de Elon.

A determinação de Elon Musk contagiou os funcionários, que viam nele uma pessoa disposta a arriscar tudo — inclusive, a própria vida — para a construção da plataforma que iria impulsionar o negócio dos irmãos.
Inúmeras vezes, as discussões acaloradas entre os irmãos e gerentes chegavam a extremos. “Elon e eu somos incapazes de aceitar uma visão que não seja a nossa”, esbravejava Kimbal contra um gerente que via as coisas de forma diferente à dos irmãos. Em uma discussão acalorada, que foi às vias de fato, Elon teve cortes no pulso.
Esse episódio representou um marco na mudança cultural da ZIP2 pelo seguinte motivo: um empresário acreditou na potencialidade do negócio. Resultado: uma empresa de capital de risco, chamada Mohr Davidow, injetou cerca de 3 milhões de dólares na companhia. Vale ressaltar que tal cifra contrastava com os modestos 10 mil dólares previstos para captação de recursos no plano de negócios da empresa dos irmãos Musk.
A partir dessa capitalização, a empresa cresceu consideravelmente. Para atender a esse crescimento, a startup elevou consideravelmente sua profissionalização, além de contratar novos engenheiros de boa qualificação. Assim, o uso de novas tecnologias possibilitou a ZIP2 de elevar consideravelmente seu raio de ação. Ou seja, o atendimento restrito à baía de San Francisco se estendeu para todo o território dos Estados Unidos.
O sucesso de Elon Musk despertou muita inveja entre seus pares. Nessa fogueira das vaidades, o irmão de Kimbal passou a ser atacado por todos os lados. E isso, de certa forma, contribuiu para que mudasse determinadas facetas de seu comportamento, no modo, digamos, arrogante. Essa arrogância se intensificava à medida que a ZIP2 mostrava sua consistência no mercado mais dinâmico da economia mundial. Entre o amor e o ódio, Elon Musk tinha lá seus defensores, tais como um executivo que trabalhou muitos anos com ele. “Não se chega aonde Elon está agora sendo um cara agradável, e ele era muito determinado e seguro de si”, opinou o executivo.

Com o transcorrer do tempo, a fama da ZIP2 chegou à cadeia dos grandes jornais, que passavam por uma verdadeira revolução devido ao avassalador crescimento da internet: “Grandes nomes da mídia contrataram seus serviços. Algumas dessas empresas contribuíram com 50 milhões de dólares em financiamentos adicionais à ZIP2”. Desse modo, a empresa mudou para um endereço mais vistoso e espaçoso na valorizada Rua Castro, em Mountain View.
O jogo do poder em torno de quem seria o CEO da empresa acelerou a sua venda para a fábrica de computadores Compaq, que ofereceu 307 milhões de dólares em dinheiro pela empresa. Todos os envolvidos ganharam muito dinheiro com a venda. O investidor de risco (Mohr Davidow) recebeu a fabulosa quantia de 60 milhões de dólares, 20 vezes mais do que originalmente aportou na companhia. Os irmãos Elon e Kimbal receberam, respectivamente, 22 milhões de dólares e 15 milhões de dólares. Dito de outro modo: Elon Musk elevou o valor de seu patrimônio 785 vezes, enquanto Kimbal viu seu patrimônio crescer 536 vezes. Ambos os irmãos começaram, então, a integrar o seleto clube dos milionários do Vale do Silício. O caminho rumo ao topo de homem mais rico do mundo ainda estava longe de ser atingido, mas a realidade agora era outra pelo seguinte fato: os irmãos Musk tinham um razoável capital para financiar os projetos imaginados na época que Elon estudava na Universidade da Pensilvânia. O céu era o limite para um empreendedor que via o dinheiro como uma consequência, e não como uma causa.
O extraordinário lucro que Elon Musk obteve com a venda de sua primeira startup propiciou algo que se tornaria fundamental para os novos projetos que a mente criadora desse empreendedor sul-africano intencionava realizar. Para transformar o sonho em realidade, Elon Musk era um ser bem mais confiante em si mesmo.
Novo negócio de Elon Musk: o banco on-line X.com
Dos 22 milhões de dólares recebidos pela venda da ZIP.2, grande parte dessa quantia —12 milhões —, Elon Musk investiu em um negócio que percebia como de grande potencial neste mundo cada vez mais globalizado. Tratava-se do banco on-line X.com, totalmente integrado pela internet. Era um negócio revolucionário que, para se viabilizar, requeria enfrentar o lobby da poderosa indústria financeira que via na internet um perigo para a sobrevivência.
Com essa ideia sedimentada, o dono da Espaço X convidou quatro colegas para entrarem como cofundadores. Tendo em vista os atritos que o irmão de Kimbal tivera nos tempos da ZIP2, com o investidor de risco, ele assumiu a liderança do processo de constituição da nova empresa como acionista majoritário. Transcrevo a avaliação do autor a respeito do estilo Musk de ser: “A criação da X.com revelaria muito sobre a criatividade, a incansável determinação, o estilo belicoso e os pontos fracos de Musk como líder. Ele também sentiria, mais uma vez, o amargor de ser posto de lado em sua própria empresa e a dor que acompanha a percepção de conferir se não tem que um grande sonho não se concretizará”.
Não é objetivo desta resenha, todavia, destrinchar os inúmeros atritos que Musk teve com seus subordinados e sócios. Entretanto creio ser oportuno citar outro episódio de luta pelo poder dentro das duas empresas de Elon. O atrito ocorreu entre ele e seu sócio Fricker, que ambicionava ser CEO da empresa. Novamente estava em jogo a disputa pelo poder. Fricker, ao ser demitido, conseguiu tirar grandes profissionais da X.com.
Todavia, Elon foi capaz, com seu carisma, de recrutar, no Vale do Silício, engenheiros de grande experiência, assim, suprindo a perda das mentes que a X.com teve com a evasão dos liderados pelo desafeto de Elon.
O X.com foi um dos primeiros bancos on-line do mundo. No setor bancário, a inovação foi radical. E o escritor Ashlee Vance aponta, com exatidão, as mudanças dessa evolução na tecnologia imaginada pelo gênio de Musk: “No geral, a ideia era abandonar os bancos de movimentação lenta, com seus computadores centrais que levavam dias para processar pagamentos, e criar um tipo de conta bancária ágil, em que fosse possível movimentar dinheiro com alguns cliques de mouse ou por e-mail. Era um negócio revolucionário, e mais de duzentas mil pessoas o adotaram e inscreveram-se na X.com nos dois primeiros meses de operação”.
Nesse estágio, a X.com era uma empresa reconhecida no mercado. Tinha como concorrente de igual fôlego a Confinity. Em 2000, ocorreu a fusão entre essas duas empresas, que resultou em uma terceira, rebatizada com o nome de PayPal, em uma etapa posterior, a empresa foi adquirida pelo eBay e, a partir daí, ela teve uma acelerada expansão internacional.
Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de Empresas, mestre em Energia pela Unicamp, é autor de sete livros. Entre outros, “A Energia na Região do Agronegócio”. É colaborador do Jornal Opção.