Um pouco da filosofia de um dos maiores escritores de terror da atualidade: Thomas Ligotti

Ainda sem edição brasileira ou tradução, Thomas Ligotti é um dos grandes nomes do horror contemporâneo. Figura reclusa e enigmática, Ligotti nasceu em 1953, reside no sul da Flórida, é descendente de poloneses e italianos e trabalhou a maior parte da vida como editor literário. Publicou sua primeira coleção de contos de terror (Songs of a dead dreamer) em 1986 e recebeu aclamação crítica desde cedo. Vencedor de diversos Bram Stoker Awards e World Fantasy Awards, Ligotti tem seus contos reunidos em uma edição americana pela Penguin Classics.

Thomas Ligotti talvez seja o melhor filho literário de H.P. Lovecraft e um dos maiores representantes do terror cósmico. Seus contos impactam por expor a natureza malignamente inútil da existência humana e o teatro grotesco da vida cotidiana. Além disso, Ligotti introduz a filosofia niilista, antinatalista e pessimista a um gênero literário que é carregado de clichês e frequentemente é refratário ao relato honesto da experiência humana.  

Desta forma, o trabalho de Ligotti revela o potencial sem fim do gênero do terror quando, despido de sustos baratos, encara o real terror da existência. Na ficção de Ligotti, somos obrigados a encarar o fato de que mesmo a forma mais estranha de experiência precisa da dor e do conflito para se sobressair como um acontecimento – posto que a existência é, por definição, um conflito de forças. Este raciocínio gera diversas narrativas metafóricas para a condição humana.

Além de sua própria criação literária, Ligotti mostra um profundo conhecimento do pensamento niilista ao introduzir à audiência americana o trabalho do filósofo norueguês Peter Wessel Zapffe. Em seu livro de ensaios, “A conspiração contra a raça humana” (2010), Ligotti indica os pontos cardeais do pensamento de Zapffe que influenciaram seu trabalho.

 

Segundo a visão de Zapffe, a consciência humana é um acidente que pode ter nos ajudado em alguma etapa da evolução, mas que, por nos obrigar a assistir a nós mesmos rodopiando em uma esfera no escuro enquanto morremos lentamente, tornou-se nossa maior inimiga. Por isso, segundo ele, desenvolvemos quatro estratégias para amortecer os efeitos desta observação brutal da realidade:

“(1) o isolamento de nossas mentes dos terríveis fatos da existência, negando tanto para nós mesmos quanto para os outros (em uma conspiração de silêncio) que nossa condição é inerentemente desconcertante e problemática; (2) a ancoragem de nossas vidas em “verdades” metafísicas e institucionais – Deus, País, Família, Leis – que nos transmitem a sensação de sermos autênticos e úteis; (3) a distração, uma conspiração generalizada em que todos mantêm os olhos na bola – ou uma tela de televisão ou exibição de fogos de artifício; (4) a sublimação, processo pelo qual pensadores e artistas reciclam os aspectos mais desmoralizantes e enervantes da vida na forma de obras estilizadas para fins de edificação e entretenimento” (The conspiracy against the human race, p.19)

Na prática, seus contos relatam personagens cujas consciências foram aprisionadas em corpos de manequins – obrigados a se mover para lá e para cá em uma farsa que ignora a verdade final. Ou o desdobrar de algo na escuridão que é inominável mas impossível de desviar os olhos. Ou a essência idiótica e aleatória da natureza que a tudo apodrece, mas que aos nossos olhos parece cruel e predatória.

Nada disso, entretanto, é exposto de forma pedante ou professoral. Tratam-se de contos de terror legitimamente assustadores (e divertidos, se você fizer parte da audiência amaldiçoada com gosto pelo macabro). Escritos no estilo gótico americano, Ligotti tem um refinamento de linguagem que claramente descende de Edgar Allan Poe, H.P. Lovecraft e Robert W. Chambers.

Outras das conclusões próprias de Thomas Ligotti acerca da existência podem ser extraídas de contos como Bungallow House (1995), quando o personagem é confrontado com um terror psicológico obliterante: “não há ninguém para se conhecer, nenhum lugar aonde ir, nada para se fazer”. No terror de Thomas Ligotti, personagens não atiram em monstros, não cravam estacas no coração de vampiros, não fogem por suas vidas – eles são arremessados para dentro de si mesmos, onde podem enxergar verdades cósmicas maiores e mais terríveis.