Livro do advogado Caio Alcântara é míssil contra a preguiça dos militantes do Direito
18 outubro 2025 às 21h00

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Nilson Gomes-Carneiro
Especial para o Jornal Opção
O casal Maria Cristina Alcântara e Dilmar Pires perguntou ao filho Caio, de 4 anos, o que queria ser quando crescesse. “Advogado da lei ou pastor”, relembra a mãe. Mas por que, meu filho? “Porque quero usar terno”. Pois a criança se tornou um dos grandes criminalistas do País. Aos 23 anos já fazia defesas no Superior Tribunal de Justiça, no Supremo Tribunal Federal e demais lugares em que seus clientes são acionados.
O nível do menino da Cristina e do Dilmar, agora com 32 anos, pode ser comprovado com a leitura do livro “Processo Sem Sujeito”, pela editora Lumen Juris.
O livro de Caio Alcântara é produto da dissertação de mestrado em Direito Constitucional apresentada no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDB), de Brasília. Se o leitor quiser discutir com o autor mais profundamente, tudo bem, mas saiba que é referendado por três luminares do Direito no continente. Tem apresentação de Lenio Luiz Streck, prefácio de Georges Abboud e posfácio de Ilton Norberto Robl Filho, seu orientador no curso. Por isso já disseram que a dissertação deveria ter sido apresentada como tese de doutorado. Porque, a rigor, é, mais do que uma mera dissertação, uma tese. Ou teses, digamos.

Numa linguagem bem leiga, ou seja, no popular, no idioma do povão, o livro do menino do Dilmar e da Cristina trata da “preguiça” — para não dizer otras cositas más — dos militantes do Direito, sobretudo dos pensadores, aqueles que deveriam formar convicção intelectual acerca dos temas.
Como diz na quarta capa, “os provimentos significam a reação do Judiciário à tardia formação da sociedade de massas em busca da justiça, numa razão instrumental que disfarça uma lógica econômica e exclui a efetiva participação do indivíduo na tomada de decisão. O que se vê, portanto, é um processo sem sujeito”. Daí o título do livro.
Caio Alcântara é sócio do escritório de advocacia do ex-senador Demóstenes Torres, seu colega na pós-graduação stricto sensu.

“O curso contava com pesquisadores do Direito do país quase todo e o Caio era destaque nas turmas por ser realmente estudioso”, elogia Demóstenes Torres. Era tão bom mestrando que os colegas diziam: “Seu nome não deveria ser Caio, e sim Sobe”.
Escolheu o tema dos precedentes, curiosamente, em virtude de acompanhar a produção em texto de Lenio Streck, respeitado por juristas de todo o planeta pelo conhecimento e também por ser o avesso da desídia, o nome chique da preguiça. Lenio e Caio se tornaram amigos, pois a leitura (ainda não era a livraria) os uniu. E o que os precedentes unem, nada separa. “Não apenas os precedentes, mas o mau uso dos precedentes”, explica o autor.
E o que são os tais precedentes? Outro jurista, Álvaro Cesar Cavalcante Silva, lembra a definição do sérvio Bojan Spaic: uma decisão judicial que pode fixar ou exemplificar um curso de conduta que, ao ser imbuído de normatividade — “o agir retirado do campo da natureza diretamente para o ‘dever ser’ humanamente construído” vincula as respectivas cortes na apreciação de hipóteses concretas futuras.

Fora do campo da teoria do Direito, vale uma definição mais ampla e menos empolada, nas palavras de Álvaro Cavalcante: “Precedente significa qualquer decisão judicial passada que, implícita ou explicitamente, é empregada para decidir questões similares presentes ou futuras.” Caio Alcântara chama de “falso precedente o que se tem no Brasil, pois os provimentos vinculantes engessam o debate”. É a tal da “preguiça” — dolosa ou culposa? — conquistando a nação pela inação.
Um pensador bastante citado na obra é o português António Castanheira Neves e seu livro “O Instituto dos Assentos”, que não são precedentes nem compatíveis com a separação dos poderes. Desde 1993, após decisão da Suprema Corte de lá, Portugal declarou sua inconstitucionalidade.
Segundo Castanheira, os assentos foram pensados para uma época em que sequer existia Poder Judiciário, muito menos nos moldes de hoje. Portanto, são incompatíveis. Quem cuida do futuro é o Poder Legislativo, o Judiciário cuida do passado, dos fatos que já ocorreram. Decidir casos pensando no futuro não é função de juiz.
“A obra de Caio Alcântara se situa na tradição de uma doutrina que, de fato, se pretende doutrinadora”, analisa Álvaro Cesar.
“A partir do exame do instituto português dos assentos judiciais e da correlata obra de Castanheira Neves, o autor observou adequadamente que a pretensão de encapsulamento em ‘enunciados vinculantes’ das razões expendidas no julgamento de casos concretos, sendo empregado de modo genérico-abstrato para o porvir, esbarra forçosamente no princípio da separação entre os Poderes. Ora, o Judiciário, ao sintetizar prescrições gerais de procedimento e conduta, usurpa a função típica do Legislativo, que consiste na produção as normas que ampararão o decidir das cortes”.
O instituto dos precedentes classicamente encontra distinções quando é observado seu emprego nos sistemas jurídicos de caráter anglo-saxão ou europeu continental, como leciona Álvaro Cesar acerca do conteúdo do livro de Caio Alcântara: “Nos Estados Unidos, por exemplo, a chamada doutrina do stare decisis é consagrada — que, segundo a famosa obra do juiz Antonin Scalia, ‘A Matter of Interpretation — Federal Courts and the Law’, impõe que as razões daquilo que se decidiu em um dado caso serão seguidas no julgamento das hipóteses concretas seguintes, sem embargo de distinções que deverão ser efetuadas conforme as nuances que o caso concreto sob exame apresentar -, nos países adeptos do civil law as decisões judiciais prévias não são, pelo menos em tese, vinculantes para as decisões judiciais futuras”.
Nilson Gomes-Carneiro é jornalista, advogado e escritor.
