Livro de Daniel Yergin: energia, clima e a geologia nos tempos da globalização: Mapa da China (III)

09 julho 2023 às 00h00

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Salatiel Soares Correia
Especial para o Jornal Opção
O Mar do Sul da China, conhecido como “a rota marítima mais crítica do mundo”, estende-se do Oceano Índico até a Ásia e o Oceano Pacífico. Pelas águas desse mar, circulam 3,5 trilhões de dólares do comércio mundial, bem como dois terços do comércio marítimo chinês; 30%, do japonês e 30% do comércio mundial.
[Terceira parte da resenha do livro “O Novo Mapa — Energia, Clima e o Conflito Entre Nações” (Bookman, 544 páginas), de Daniel Yergin]
O leitor deve ficar atento ao relato de Daniel Yergin — no livro “O Novo Mapa: Energia, Clima e o Conflito Entre Nações” — sobre os desafios da economia chinesa para manter seus extraordinários índices de crescimento: “A China superou os Estados Unidos e tornou-se o maior consumidor de energia do mundo; hoje, o país representa quase 25% do consumo da energia mundial”.
As constatações expostas pelo professor Daniel Yergin revelam o enorme desafio que terá o governo chinês no sentido de se tornar autossuficiente em relação à energia que atenda ao desenvolvimento do Estado.
O mapa energético da terra de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping (que iniciou a modernização do país), alicerçado em energias menos nobres, a exemplo do carvão, certamente, perderá espaço para outras energias, tais como o petróleo e o gás natural.

Quando comparada a matriz energética norte-americana com a chinesa, percebe-se o uso avassalador do carvão pela China. Desse modo, enquanto, na China, o consumo de carvão representa 60% da sua energia total, nos Estados Unidos, o consumo desse energético representa tão somente 11% de sua energia total. No tocante ao petróleo, o consumo norte-americano é de 37%, enquanto o chinês é bem mais modesto, cerca de 11%. Como última comparação, vejamos o consumo do gás natural. Nos Estados Unidos, o consumo de gás natural fica em torno de 37%, enquanto, na China, o consumo desse energético é de apenas 6%.
Para a China, os desafios a enfrentar são evidentes. O principal deles se centra na região mais disputada por inúmeros países (inclusive pelos Estados Unidos). Trata-se do Mar do Sul da China. Um observador com experiência na região, o diplomata singapurense Tommy Kok, entende que o Mar do Sul da China “é uma questão de lei, poder, recursos e de história.”.
Por que razão essa região chinesa é tão disputada? É pelo fato de trilhões de dólares passarem por lá todos os dias. Por essa região, cruza a metade dos petroleiros do mundo. É pelo Mar do Sul que adentra o petróleo chinês comprado no Oriente Médio. A importância estratégica dessa região é altamente significativa para a China, mas, sobretudo, para outros países que não conquistaram a autossuficiência energética.

Posto isso, creio ser importante explicitar numericamente a relevância do Mar do Sul da China para a economia mundial. Vale consultar o livro “A Caminho da Guerra — Os Estados Unidos e a China Conseguirão Escapar da Armadilha de Tucídides? (Intrínseca, 416 páginas, tradução de Cassio de Arantes Leite), de Graham Allison, professor de História Aplicada em Harvard. Bem, aos fatos.
O Mar do Sul da China, conhecido como “a rota marítima mais crítica do mundo”, estende-se do Oceano Índico até a Ásia e o Oceano Pacífico. Pelas águas desse mar, circulam 3,5 trilhões de dólares do comércio mundial, bem como dois terços do comércio marítimo chinês; 30%, do japonês e 30% do comércio mundial.
Diariamente, 15 milhões de barris de petróleo passam de lá para vários recantos do planeta. Sem esgotar as gigantescas cifras que mensuram a importância estratégica para vários países, creio que você, que lê estes escritos, entende o porquê de, naquela região do mundo, viver-se uma espécie de “Terra em Transe”, que é o título de um famoso filme do gênio do cinema brasileiro Glauber Rocha (1939-1981 — viveu apenas 42 anos).
Mapa indo-pacífico: o jogo americano e chinês
A ferrenha disputa pelo controle dessa região estratégica, entre as mais importantes potências mundiais, constitui-se num problema geopolítico que levou os Estados Unidos a apresentarem um novo mapa de toda região: o mapa indo-pacífico, que se estende da costa oeste dos Estados Unidos à costa oeste da China. O contrapeso ao poder da China nessa região conflituosa ficou sob a responsabilidade de um país aliado dos Estados Unidos: a Índia.

Desse modo, a geopolítica do poder repete-se: assim como a Rússia se aliou à China, os Estados Unidos aproximaram-se da Índia com o objetivo de fortalecer sua presença em uma região altamente estratégica para o PIB mundial.
O grito de alerta para essa região foi dado por Kevin Rudd, ex-primeiro-ministro da Austrália. Para ele, “está claríssimo que há um aumento do arsenal militar e naval em toda a região da Ásia-Pacífico. É uma realidade”.
É real pelo fato de nessa região circular parcela significativa da riqueza de vários países dependentes da energia fundamental para o tempo hodierno. Países poderosos como China, que dependem da importação de energia, mantêm-se atentos a qualquer movimento que represente o controle do Mar do Sul da China.
Para concluir esta análise sobre a realidade energética da China, creio que a extrema dependência da economia da importação de energia não deixa de ser o calcanhar de aquiles de uma grande empresa brasileira. Entretanto a proatividade do governo chinês no campo energético mostra que o país de Mao Zedong tem plenas condições de se tornar um grande exportador de energia. Nesse sentido, a mudança do mapa energético chinês, outrora dependente de um insumo altamente poluidor, o carvão, para outro em que o petróleo, a energia elétrica e o gás natural mostram-se presentes, evidencia que a China tornar-se-á muito melhor.
O que atesta esse mundo melhor é a nova rota da seda que o governo chinês começa a implementar pelo mundo afora. De acordo com o autor, “não é um conceito geográfico. Trata-se de desenvolvimento, de projetos estrategicamente importantes que são financeiramente corretos”. O pensar em longo prazo sobre as ações dessa natureza revela que a China tende a ser mais proativa que os Estados Unidos.
Talvez, o único ponto fraco da China seja sua matriz energética, na qual predominava o uso de um energético tão poluente como é o carvão, aliado à dependência energética da China de outros países. Essa realidade, contudo, vem transformando-se com muita rapidez. Basta observar o novo mapa energético da China com o avassalador crescimento de energias mais limpas e renováveis, como é o caso da eletricidade que será gerada pela maior usina hidroelétrica do mundo (a de três gargantas) e do gás natural oriundo da aliança estratégica entre Pequim e Moscou.
No texto seguinte, passaremos a avaliar o mapa energético de uma região repleta de petróleo e de conflitos: o Oriente Médio.
Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, mestre em Energia pela Unicamp. É autor de oito livros relacionados aos temas Energia, Política e Desenvolvimento Regional. É colaborador do Jornal Opção.
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