Livro de contos desvela a Grande Goiânia para os leitores brasileiros

11 setembro 2025 às 11h41

COMPARTILHAR
Hélverton Baiano
Especial para o Jornal Opção
O livro de contos “De Goiânia e Redondezas” é uma coletânea com contos de oito autores, que trabalham sua narrativa tendo Goiânia e cidades da região metropolitana como cenário. Um dos autores e coordenador da publicação é o sociólogo, cientista político e professor Pedro Célio Alves Borges (uma das estrelas da ciência política brasileira e da UFG). O lançamento será na Casa Rosada (ufa!: ainda bem que Javier Milei não irá), sede do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, a partir das 9 horas da sexta-feira, 12.
Desde sempre somos gregários e gostamos de pilheriar, contar causos, ouvir histórias e bater papos. Uma vida saudável pede que tenhamos essas relações para não ficarmos doidos. O conto ajuda a gente a melhorar a qualidade de vida, a passear por outros mundos, a viajar nas histórias, a se assustar, a ficar apreensivo, a sofrer e se alegrar com as peripécias dos personagens. E tudo isso nos ajuda a viver melhor, a passear com a cabeça, a caçar coisas com o pensamento, a desfazer a oficina do diabo que pode se tornar nossa mente se ficar ociosa, como bem diz o ditado.

A contística goiana está engatinhando nas histórias que têm Goiânia como palco e destino. Talvez também porque a cidade seja nova. E essa pode ser uma justificativa plausível. O livro “De Goiânia e Redondezas” chamou minha atenção para esse fato, que é relevante, porque é aqui onde a gente vive, onde construímos nossas relações e nossas histórias. Por isso mesmo, é daqui desse cenário que deveríamos tecer a maior parte de nossas histórias. Alguns romances já o fazem e cito, para ilustrar, “Veias e Vinhos”, de Miguel Jorge, e “Urutau”, de Larissa Brasil.
Tivemos recentemente o “Cidade Infundada”, da Martelo Casa Editorial, que reúne contos que se passam em Goiânia. Temos iniciativas do coletivo Goiânia Clandestina com esse intuito, entre outras; o livro de contos “Cidade Sombria”, da editora MMarte, e um ou outro conto da literatura já consolidada que traz a capital do estado e suas redondezas como palco. O livro agora lançado contribui fortalecer essa cena goianiense e sua região metropolitana.

Percebo que o conto está retomando um lugar de importância no cenário da literatura de um modo geral e em Goiânia não diverge disso. A sociologia da literatura pode explicar melhor isso, coisa que consigo fazer só de perceber pela convivência, sem qualquer base acadêmica ou algo que o valha. Uma explicação para isso pode estar no aparecimento do mundo digital, do qual não conseguimos mais nos desvencilhar e sem o qual fica difícil conviver hoje em dia. E isso leva ao fato de que as coisas se apressaram mais e exigem que as resoluções aconteçam com mais rapidez. É o mundo líquido do qual nos falou o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
Para falar um pouco sobre o conto utilizo a metáfora do escritor argentino Julio Cortázar. Ele dizia que o conto deveria ser como uma esfera, com uma estrutura perfeita e completa em si mesma, sem arestas e com concisão. Escrever com concisão não é tarefa fácil, por isso mesmo o conto exige mais de quem escreve menos. Diferentemente do romance, onde o autor pode ampliar o emaranhado que intrinca a história, no conto o autor precisa enxugar, usar a parcimônia, aprimorar o que é para ser dito, cortando o desnecessário e usando a carpintaria na elaboração, para chegar a um final, esse, sim, insinuante e que surpreenda.

Vou agora aos contos do livro “De Goiânia e Redondezas”, com um pequeno apanhado, que não vai entregar nenhuma das histórias, senão fazer um breve resumo para incentivar a leitura. Percebi que a maioria dos autores optou por contar causos, que também é uma forma de conto, sem aquele primor de rebuscamento que não se pode exigir de quem está ainda começando a percorrer esse caminho. Advirto, no entanto, que são histórias muito gostosas de ler.
O conto “Herói do Meia Ponte”, de Antenor Pinheiro, nos leva a essa delícia de apreensão, imaginando o que poderá acontecer com Bill, o personagem principal. É muito gostoso isso. Essa apreensão, esse não saber o que vai acontecer. E esse saber que acontecerá o que você não sabe é muito atraente em uma história.

Em “Beco dos Aflitos”, de Eguimar Felício Chaveiro, o que aparece é o verdadeiro causo da roça bem contado, que deixa o leitor ansioso e interessado na saga do ancestral Zeca Chaveiro e de toda a família na preparação dos apetrechos para a romaria do Divino Pai Eterno de Trindade e tudo que a envolve, na formidável companhia familiar e no mais casto sentimento de esperança na realização dos votos e das graças alcançadas.
Em “Siminformas e Ritinha Topa-Tudo”, de Gustavo Coelho, adentramos o mundo da prostituição na P-16, a famosa rua dos puteiros antigos de Goiânia, com uma história de um final intrigante e instigante. Com ele a gente tem uma noção de como se constituiu esse mundo dos cabarés no início da capital goiana.

Em “O Sonegador”, Hamilton Carneiro usa a temática e a linguagem rurais para contar uma história hilária, mostrando a perspicácia do vendeiro Nestor, que tinha uma bodega na estrada que liga Goiânia a Inhumas, num tempo de antigamente. Importante nessa confecção é que ele finaliza de uma forma surpreendente e por isso inusitada, como pede a perfeição do conto.
“A IA Rolando e o Martelo do Madeira” é o conto de Léo Pereira. Como sempre muito inventivo e à frente do seu tempo, constrói um conto totalmente fora do padrão que conhecemos, algo distópico e utópico, se isso é possível, por isso mesmo muito interessante e insinuante, onde faz diálogos de um usuário com a Inteligência Artificial, desnorteando-a, mostrando sua precariedade e nos chamando à reflexão sobre temas literários, sociais e políticos.
O “Reencontro”, conto de Pedro Célio, é um delicioso relato do reencontro de duas amigas maranhenses, que migraram pra Goiânia há uns 20 anos, com suas respectivas famílias, retirando-se à procura de uma vida melhor. Depois de muito tempo sem se verem, cada uma conta à outra sobre sua vida e como foi a trajetória das famílias. É um conto que chama a atenção do leitor, que fica querendo saber os detalhes curiosos dessas vidas retirantes.
Em “Araras Negras”, Ranon Machado conta um causo de certo encantamento e esmerada vingança, destrinchado pelo personagem principal, Lindolfo Benzedor, um retirante baiano que se instala em Nerópolis. Prende a atenção do leitor, pois permeia uma história de expectativa, imaginação e mistério, protagonizada pelo misterioso negro Teobaldo Agripino e o maldoso delegado Coronel Coriolano Ferreira.
A contação de Túlio Fernando Mendanha, em “O Filho Caçula” traz o universo rural na labuta de dois trabalhadores, o Santilo e o Onofre (Bacurau), que limpam o terreno da grande propriedade do Coronel Chagas e conversam sobre amenidades da roça, da labuta dificultosa com a escassez de um tudo e das coisas misteriosas que acontecem e são contadas de geração a geração. O final é surpreendente e fortalece a história.
Minha recomendação é que leiam “De Goiânia e Redondezas”, porque vale a pena. Você vai descobrir como a imaginação literária ilumina, de maneira fulgurante, a realidade.
Hélverton Baiano, jornalista, poeta e prosador, é colaborador do Jornal Opção.