Leia um poema do russo Mikhail Kuzmin, uma das grandes expressões da Era de Prata

06 setembro 2025 às 21h00

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Astier Basílio
Sem filiar-se a nenhuma escola, Mikhail Kuzmin (1872-1936) foi uma das grandes expressões da Era de Prata na Rússia.
No manifesto “Uma bofetada no gosto do público” temos: “A todos esses Maksim Górki (…), Kuzmin, Búnin e etc., etc. nada mais é preciso que uma datcha à beira do rio”.
Porém, Vielimir Khlébnikov, o grande mestre do futurismo, não concordou com a inclusão do nome de seu antigo mestre no rol dos defenestrados, vindo a ser voto vencido.
Traduzimos aqui um dos poemas mais emblemáticos de Mikhail Kuzmin.
Meus ancestrais
Mikahil Kuzmin
São marinheiros de velhas famílias,
apaixonados por horizontes distantes
bebedores de vinho na escuridão dos portos
abraçando alegres estrangeiras;
bem-vestidos à moda dos anos trinta,
imitadores d’Osray e Brummel
a fazer pose de dândi
toda ingenuidade de uma raça nova;
são generais, importantes, com estrelas,
que um dia foram adoráveis libertinos,
a guardar relatos divertidos ante um copo de rum,
hão de ser sempre idênticos;
adoráveis atores sem grande talento,
que trouxeram essa escola de terras alheias,
interpretando “Maomé” na Rússia
e a morrer com um inocente volterianismo;
vocês, sinhazinhas em bandanas,
cujo sentimento é tocado em valsas de Marcaillou,
a bordar suas bolsas em miçangas
para noivos de paragens longínquas,
jejuando em capelas de suas casas
e adivinhando sua sorte em cartas;
donas de terra, sábias, econômicas,
orgulhosas de suas próprias posses,
que sabem dar o perdão e o rompimento,
que ao íntimo dos outros se aproxima,
de forma zombeteira e piedosa,
a se erguer antes d’aurora no inverno;
e decentemente estúpidas as flores das escolas teatrais
trazidos desde a infância à arte da dança,
docemente devassas,
viciosas, puramente,
arruinando o marido com vestidos
e a ver os seus filhos todo dia, meia hora;
e mais além, ao longe, são fidalgos de condados perdidos,
são um tipo severo de boiardos,
franceses que da revolução correram,
incapazes de ir ao cadafalso —
vocês todos, todos vocês —
vocês calaram sua longa era,
e aqui vocês gritam por milhões de vozes,
de mortos, mas de vivos,
em mim: o último, o pobre,
mas que por vocês têm uma língua;
e cada gota de sangue
lhes é íntima,
os escuta,
os ama;
e eis aqui estão todos vocês:
queridos, estúpidos, comoventes, próximos,
abençoados por mim
com a vossa silenciosa bênção.
1907
(Tradução de Astier Basílio)