Inverno em Madri mostra um país arrasado depois da Guerra Civil Espanhola e sob o início da ditadura de Franco

30 agosto 2025 às 21h00

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Mariza Santana
A Guerra Civil Espanhola foi um conflito armado que ocorreu entre 1936 e 1939 entre os republicanos que defendiam a Segunda República e os nacionalistas liderados pelo general Francisco Franco. Foi um período de extrema violência dos dois lados oponentes, que resultou em milhares de mortes, um país destroçado, muita miséria e repressão por parte dos vitoriosos.
Após a vitória de Franco, que contou com o auxílio de Adolf Hitler, por meio de bombardeios alemães (o quadro “Guernica”, de Pablo Picasso, é um retrato desse momento histórico), de Benito Mussolini, ditador da Itália, os espanhóis viveram durante 36 anos sob o jugo da ditadura franquista, que só terminou em 1975, com a morte de sua principal figura e a restauração da democracia.

Em 1940, logo após o fim da Guerra Civil Espanhola e vitória dos nacionalistas, a capital do país estava em frangalhos, assim como a economia nacional. A miséria rondava milhares de moradores, enquanto falangistas e monarquistas brigavam por nacos de poder e benesses da corrupção dentro do governo de Franco. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) seguia seu curso, com a derrota das tropas britânicas e francesas em Dunquerque, a ocupação de Paris pelas forças nazistas, e os bombardeios alemães ocorrendo em Londres e em outras cidades britânicas.
O romance “Inverno em Madri” (Record, 616 páginas, tradução de Marcelo Mendes), do escritor inglês C. J. Samsom, é ambientado no ano de 1940 e, como diz a título da obra, na capital espanhola, pouco depois do início da ditadura do Generalíssimo Franco, como o ditador gostava de ser chamado. Ex-professor de Cambridge e sobrevivente de Dunquerque, Harry Brett é recrutado pelo serviço de inteligência britânico para trabalhar de intérprete na embaixada do Reino Unido em Madri e espionar as atividades empresariais de um ex-colega de liceu, Sandy Forsyth, envolvido em negócios escusos na Espanha.

Outro colega de liceu de ambos, Bernie Pipper, foi dado como morto e desaparecido, ao lutar ao lado dos republicanos na batalha do Vale do Jarama, na Espanha, em 1937. Outra personagem importante na trama é a ex-enfermeira da Cruz Vermelha Barbara Clare, que se envolveu emocionalmente com Bernie, e depois com Sandy. Ela teria uma missão secreta para cumprir, que exigiria muita coragem e determinação.
Neste ambiente explosivo de intrigas políticas e diplomáticas, misturado com desavenças do passado colegial dos personagens masculinos, o livro “Inverno em Madri” desenvolve um drama envolvente, e extremamente atual, neste momento em que o mundo vive o revigoramento do discurso de extremistas de direita em diversos países.
Harry Brett, que não tinha estofo suficiente para se tornar espião, é obrigado a mentir ao antigo companheiro de liceu, enquanto se apaixona por Sofia, uma jovem simpatizante dos republicanos derrotados que representa a maioria do povo madrileno naquela época, ao enfrentar as dificuldades da escassez e da pobreza em uma terra arrasada.

A descrição dos mendigos e dos pequenos engraxates nas ruas de Madri, e ainda dos cães famintos que atacavam as pessoas nos bairros pobres, dá uma noção da precária situação da capita espanhola no ano de 1940.
Por outro lado, no âmbito do poder franquista, a Inglaterra, por meio de um bloqueio naval, tenta impedir que o ditador espanhol entre na guerra ao lado de Hitler; enquanto os alemães pressionam para contar com mais um aliado, inclusive por meio de uma forte campanha de propaganda de guerra, reforçando sua narrativa. No meio desse xadrez diplomático, judeus franceses chegam à Espanha fugindo da perseguição nazista e em busca da rota das Américas.
Romance histórico ilumina os fatos
Romances históricos são sempre boas alternativas para que se possa compreender determinado período ou acontecimento de grande impacto nos rumos dos países e da humanidade. Ao misturar personagens reais e fictícios, o escritor propicia ao leitor uma viagem no tempo, ao mesmo tempo que contribui para que ele vislumbre os fatos passados e como as lições que podem ser tiradas dele são capazes de nos guiar para uma análise mais acurada dos acontecimentos presentes. E como diz o ditado: precisamos aprender com os erros do passado para não repeti-los no presente.
Christopher John Sansom nasceu em Edimburgo, em 1952, e faleceu em Brighton em 2024. Foi um escritor de romances históricos criminais. Estudou história na Universidade de Birmingham, na qual obteve o bacharelado e o doutorado.
Depois, se formou em direito e atuou na assistência jurídica de pessoas vulneráveis durante duas décadas. Seu trabalho literário de maior destaque foi a série “Shardlake”, que retrata o reinado de Henrique VIII, no século XVI. O romance “Inverno em Madri” foi publicado no Brasil em 2006.
Mariza Santana é jornalista e crítica literária.