Guillermo Roz merece ter obra traduzida e publicada no Brasil
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                08 abril 2017 às 10h03

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Ainda inédito no País, embora internacionalmente apreciado, Roz está entre os escritores mais promissores da Argentina contemporânea

Fedra Rodríguez
Especial para o Jornal Opção
Um profícuo intercâmbio entre os selos Alfaguara da Argentina e do Brasil resultou na publicação cruzada de coletâneas de contos de autores argentinos e brasileiros há alguns anos. Assim, o leitor argentino que foi à Feira de Buenos Aires, em 2014, pôde folhear e levar para casa uma antologia com nomes importantes da literatura brasileira contemporânea, como os veteranos João Ubaldo Ribeiro e Luis Fernando Verissimo, além de representantes da nova geração, entre eles, Ricardo Lísias, Laura Erber e Paulo Scott. Por aqui, tivemos oportunidade semelhante de descobrir outros nomes além dos já admirados Jorge Luis Borges, Ricardo Piglia, Ernesto Sábato e Julio Cortázar, mediante um recurso que nos permite vislumbrar o universo cultural de um país composto por breves drágeas que revelam as instâncias sociais e culturais nacionais dentro de determinada época.
Se essa notável iniciativa indica um evidente interesse literário mútuo, também é verdade que, deste lado, ainda nos resta muito por desvendar no que diz respeito às produções de nossos hermanos, inclusive daqueles que deixaram o continente sul-americano. No grupo dos novos autores “de peso”, como Leonardo Oyola, Fabián Casas e Patricio Pron, encontra-se Guillermo Roz, jornalista e escritor nascido em Buenos Aires, em 1973, e radicado em Madri desde 2002. Sua obra, inédita no Brasil, embora internacionalmente apreciada e laureada, coloca-o entre os escritores mais promissores da literatura argentina contemporânea, a qual tem se construído na pluralidade de vertentes e estilos.
Roz deu seus primeiros passos na terra natal, onde cursou a Faculdade de Letras na Universidad Nacional de la Plata, preocupando a família, especialmente o pai, que um dia lhe perguntou “quando terminaria sua relação com as Letras”. Na verdade, o jovem escritor estava só começando uma longa jornada, cujo passo seguinte seria embarcar para a Espanha, fundindo sonho e autodesafio.
As vicissitudes trazidas com a emigração, inclusive (ou principalmente) no campo amoroso, serviram como combustível para a arrancada literária de seu primeiro romance “La vida me engañó”, publicado em 2007 pela editora Mirada Malva. Não por coincidência o título é o mesmo de um tango em que se choram as penas da desilusão com a amada. Para o autor, entretanto, “não é falando de dores de amores que se faz literatura”, deixando claro que sua maturidade literária viria com o tempo e com as dores também, mas tratadas e ponderadas de outra maneira.
De apaixonado desencantado que recorre ao lápis e papel para desenhar “em forma de literatura” a nostalgia dos tempos de plenitude vividos com Maya, Roz dá novos contornos a seus textos e o cor de rosa borrado deixa espaço para as narrativas negras lisérgicas, lançando em 2009 “Avestruces por la noche: dos nouvelles”, também publicada pela Mirada Malva. O subtítulo em espanhol e francês (“dos nouvelles” ou “dois contos”) revela que o escritor segue por duas estradas distintas que afinal convergem e levantam a questão: até que ponto a real identidade de um indivíduo sofre a influência das oscilações do mundo externo? Na primeira “nouvelle”, o mundo conhecido do protagonista Goyo é completamente subvertido, já que ao acordar, nada do que conhece se mantém igual, mas é substituído por bandos de avestruzes “animados como colibris gigantes”. Aqui a metamorfose ocorre no entorno, não no sujeito: mas o que é pior? Ver o próprio corpo transformado no de uma barata, quando nada mais se alterou ou manter-se aparentemente o mesmo e ter de lidar com um mundo inteiro metamorfoseado em disparate? Por sua vez, a segunda narrativa também aborda o absurdo imposto por outrem. A jovem Anaconda foi batizada com esse nome quando seu pai estava completamente embriagado. Como Goyo e outros tantos personagens da literatura universal que foram postos à prova pelo despropósito, Anaconda tenta desandar o malfeito que se adere à própria identidade.
E Roz não abandonaria esse tema, pelo contrário, mergulharia nele ainda mais ao construir a história do camponês Malemort, imigrante francês do século 19, que deixa sua terra para ir à Argentina recomeçar a vida. Diferentemente de outros imigrantes que somente desejam buscar riquezas ou aventuras, Malemort tem como objetivo deixar para trás o lugar em que sua intimidade foi desvelada: rumores sobre sua suposta impotência sexual se espalham pequena cidade de Aveyron e parecem justificar o fato de que não teve filhos com sua esposa Juliette. Vilipendiado por todos e assombrado por uma infância marcada pelo desamor materno, agarra-se à tábua de salvação da emigração, sem saber, entretanto, que essa empreitada seria bastante complexa e desafiadora. Com as pernas trêmulas pela “ansiedade, ilusão e ignorância”, o personagem encara o desafio de subir no barco rumo à América do Sul, e assume a condição de herói que existe em “cada homem que sobe num barco” para refazer a vida em outro país.
No entanto, a história do sofrido camponês, contemplada com o XV Premio Unicaja de Novela Fernando Quiñones em 2015 e marco essencial no percurso literário do autor portenho, abarca outras narrativas que se entrecruzam com a trajetória de Malemort, garantindo ao leitor páginas de reflexão e acontecimentos inesperados.
Mas o sucesso de “Malemort, o Impotente” (Alianza Editorial, 2015) não foi uma exceção na carreira de Roz: suas obras têm acumulado reconhecimentos mundo afora nos últimos anos. Em 2012, o thriller “Tendríamos que haber venido solos” (Alianza Editorial, 2012) ganhou o prêmio Nuevo Talento Fnac, e, no ano seguinte, o romance negro “Les ruego que me odien” (Musa a las 9, 2013) leva o I Premio de Narrativa Francisco Ayala. Mas há mais: no ano passado, o conto “Carpinacci no vuelve” garantiu o XXVII Premio UNED de Relato Breve, cristalizando definitivamente o nome de Guillermo Roz como expoente da literatura argentina da atualidade.
Para o leitor brasileiro, fica a esperança, baseada numa possibilidade real (atualmente me empenho na tarefa de iniciar a tradução de “Malemort”), de que os profundos personagens desse “filho do boom latinoamericano” peguem logo um barco e aportem no país para compartilhar suas vivências. Nós, é claro, acolheremos cada um deles com o apreço que merecem.
Fedra Rodríguez é graduada em Letras Francês e doutora em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade de Sevilha, Espanha. Atua como tradutora, redatora, professora e roteirista de cinema.
