Em “Rede de Ódio”, ficção e realidade da destruição de reputações e do radicalismo político se confundem

16 agosto 2020 às 00h00

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Filme polonês “Rede de Ódio” mostra como um jovem se torna parte da engrenagem que manipula a polarização na internet e a violência na rua

Tomasz Giemza é expulso da Faculdade de Direito por plágio. Protagonista do filme polonês “Rede de Ódio” (Sala samobójców. Hejter), o ator Maciej Musiałowski vive um jovem do interior da Polônia que tem os custos da universidade na capital Varsóvia bancados por uma família rica de conhecidos de infância, os Krasucki. Nas primeiras cenas, o longa-metragem dá sinais de sociopatia de Tomasz, obcecado pela filha do casal, Gabi Krasucka (Vanessa Aleksander), e sua compulsão em mentir.
A sequência revela o perfil de stalker do jovem, que inclusive deixa o celular de propósito na casa dos Krasucki para como era tratado quando não estava perto. A paixão obcecada por Gabi e a perda de admiração pelo casal Zofia (Danuta Stenka) e Robert Krasucki (Jacek Koman) começam a se revelar enquanto Tomasz volta para o dormitório da faculdade, já expulso.
Na Varsóvia daquela noite, um protesto da extrema direita contra os imigrantes na Europa começa a revelar a faceta violenta da polarização política. Mas, no desenrolar do filme, a situação se agrava com ajuda do protagonista. Tomasz quer provar sua capacidade após a expulsão na faculdade e consegue emprego em uma agência de publicidade.
Empresa de fachada

A empresa é uma fachada para trabalhos secretos de destruir a reputação de celebridades e adversários políticos dos contratantes. O primeiro teste de Tomasz é criar uma narrativa que acabe com a boa repercussão do conteúdo postado por uma famosa que utiliza produtos alimentícios à base de cúrcuma.
Depois, se envolve na derrota do candidato de esquerda a prefeito de Varsóvia, Pawel Rudnicki (Maciej Stuhr). Os dilemas da admiração e obsessão do jovem com a família Krasucki, principalmente a paixão pela filha Gabi, se misturam com a falta de rancor ou sentimento demonstrado por Tomasz enquanto grampeia os três ou publica mensagens falsas para colar em Pawel a imagem de defensor dos imigrantes e inflar a ira de um sentimento nacionalista extremo nos radicais.
Ao longo do filme, Tomasz se envolve cada vez mais com todos os campos ao mesmo tempo em que intensifica a campanha de ódio com perfis falsos e mensagens criadas para direcionar o debate eleitoral. A campanha se torna um choque violento entre os que, assustados, defendem a liberdade e a democracia, e aqueles que, radicalizados, querem uma Europa só para europeus.
Agente duplo

A figura do agente duplo, que mistura o que é real do que é mergulhar no trabalho sujo e criminoso, se confunde no filme. Tomasz se torna uma figura cada vez mais fria, até com a paixão alimentada de forma absoluta desde a infância. Enquanto boa figura que conquista a confiança do candidato de esquerda e da família Krasucki, que apoia a eleição de Pawel, o protagonista manipula o debate eleitoral pelas redes sociais.
Chega até a marcar dois protestos antagonistas para o mesmo horário e local. O desfecho trágico do filme se confunde também com a história trágica recente da política polonesa. E desenha muito do que tem ocorrido em todo mundo, o que não exclui a rede de mentiras no WhastApp e outras redes sociais no Brasil.
Ficção na realidade
Prefeito de Gdansk, Paweł Adamowicz foi esfaqueado no palco de um evento beneficente de Natal. A apresentação da The Great Orchestra of Christmas Charity é uma ação nacional para angariar fundos na Polônia para a compra de equipamentos hospitalares para o atendimento de crianças e pessoas em situação de vulnerabilidade.
De acordo com a BBB, cerca de 25 milhões de euros (R$ 160,5 milhões) foi a arrecadação final do evento de 13 de janeiro de 2019, quando Adamowicz, que tinha 53 anos, foi esfaqueado e morreu no dia seguinte no hospital. A polarização, com manifestações antidemocráticas, racistas e ultranacionalistas, na Polônia do diretor Jan Komasa e do roteirista Mateusz Pacewicz se assemelha muito a outros lugares do mundo na ficção e na realidade.
https://www.instagram.com/p/BsledmdHaWz/
Filme necessário
Seja pela personalidade doentia do protagonista ou pela trama que revela o trabalho sujo de destruição de reputações, gabinetes do ódio que atacam de forma orquestrada, quase sempre com perfis falsos e mentiras das mais absurdas, adversários políticos e opositores na sociedade, “Rede de Ódio” é um filme necessário na era da pós-verdade.
De preferência depois de assistir, também na Netflix, o documentário “Privacidade Hackeada” (2019), que retrata a atuação da empresa Cambridge Analyctica na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, na campanha do Brexit no Reino Unido e em outras eleições nacionais pelo mundo.
Interessante ver como as redes sociais propiciam que crimes virtuais contra reputações sejam cometidos e ganhem repercussão entre os usuários sem muito controle. Tema tão necessário que “Rede de Ódio” se tornará uma série da HBO.
https://www.youtube.com/watch?v=8vtU1Oikx84