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Mariza Santana

A guerra civil chilena de 1891 foi um dos episódios mais impactantes da história da América do Sul, ao lado da Guerra do Paraguai e da instalação dos regimes autoritários nas décadas de 1960 e 1970. O evento foi causado pelo confronto direto entre o presidente José Manuel Balmaceda e o Congresso Nacional do Chile.

Os exércitos governista e congressista se enfrentaram em sangrentas batalhas, sendo que duas delas, em Concón e Placilla, próximo à cidade de Valparaíso, as forças congressistas massacraram os governistas, que registraram muitas mortes.

Derrotado, o presidente Balmaceda se exilou na embaixada da Argentina, em Santiago, e depois se suicidou. Esse triste episódio da história do país vizinho é recontado pela escritora chilena Isabel Allende, no seu mais recente romance, denominado “Meu Nome É Emilia del Valle”.

Como já é costume na maior parte da produção literária de Isabel Allende, a protagonista é uma mulher forte e à frente do seu tempo. Emilia del Valle é filha ilegítima de um aristocrata chileno com uma ex-aspirante a freira irlandesa, que foi criada pelo pai adotivo, um professor, em um bairro de migrantes mexicanos em San Francisco, na Califórnia (EUA), na segunda metade dos anos de 1800.

Ainda jovem, Emilia descobriu seu talento para as letras e começou a escrever romances breves vendidos a preços populares. Depois, seu espírito aventureiro a levou a se tornar a primeira jornalista do sexo feminino do jornal “Daily Examiner”, de sua cidade natal, a despeito de todos os preconceitos e obstáculos.

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Isabel Allende: uma das mais importantes escritoras de língua espanhola | Foto: Reprodução

A jornalista, ao lado do colega de profissão Eric Whelan, foi enviada para o Chile, na condição de correspondente de guerra, com a função de enviar crônicas sobre o conflito. Em Santiago, conheceu a matriarca da família Valle e seu pai biológico, que estava à beira da morte.

Em seguida, seguiu para o centro do conflito, na região de Valparaíso, e viveu a traumatizante experiência de participar de estar em um campo de batalha, no conflito sangrento de Cocón, onde as tropas do governo foram dizimadas pelas forças congressistas.

Sobrevivente da batalha graças à ajuda de uma mulher guerreira, Emilia del Valle reencontrou Whelan, que estava cobrindo as ações bélicas das forças insurgentes do Congresso Nacional. E mesmo não testemunhando a refrega seguinte, passou por outra experiência traumatizante, que não vou revelar para não tirar a surpresa do leitor.

No final da história, depois que a guerra civil termina e a normalidade volta aos poucos para a população chilena, a aventureira Emilia seguiu em busca de suas origens em alguns dos episódios mais belos do romance, que descrevem a beleza das paisagens do Sul do Chile e a força resistente do povo mapuche, que nunca foi derrotado completamente pelos conquistadores espanhóis.

Isabel Allende 420 capa de Meu nome é Emilia del Valle 1

A escritora Isabel Allende é uma excelente contadora de histórias. Mesmo com mais de 80 anos de idade, mantém seu vigor literário, o que pode ser comprovado pelo livro “Meu Nome é Emilia del Vale”.

A jornalista Emilia vem se juntar a outras grandes personagens femininas de sua galeria, como Clara, do best-seller “A Casa dos Espíritos”, e Violeta, do romance homônimo, só para citar duas delas. Em muitas de suas obras literárias a escritora demonstra todo o seu amor pelo Chile, seu povo e sua cultura, apesar de viver já há tanto tempo na Califórnia.

O trabalho de Isabel Allende é como o vinho, fica ainda melhor com o passar do tempo. É simplesmente uma delícia se perder nas páginas dos seus romances e nas aventuras dos seus personagens. Sua obra já foi traduzida para mais de 40 idiomas e registra vendas superiores da 70 milhões de exemplares. Ganhou também muitos prêmios literários, sendo que em 1918 ela se tornou a primeira escritora de língua espanhola a ser agraciada com a medalha de honra do National Book Award, por sua contribuição ao mundo das letras.

Isabel Allende nasceu em 1942, no Peru, mas passou a primeira infância no Chile, terra de origem de sua família, e viveu em vários lugares na adolescência e na juventude, por ser filha de um diplomata chileno.

Depois do golpe militar de Augusto Pinochet, em 1973, exilou-se na Venezuela, e depois se mudou para a Califórnia, nos Estados Unidos, onde vive atualmente, sendo responsável por uma extensa produção literária. “Meu Nome é Emilia del Valle” é daqueles livros que merecem inspirar um filme ou minissérie.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária.

(Email: [email protected])