Marcio Fernandes

Especial para o Jornal Opção, de Portugal

Aqui estou de volta a Ponte da Barca, uma das vilas mais antigas e encantadas de Portugal. Situada no Alto Minho, bem na fronteira com a Galícia (Espanha), foi reconhecida por Carta de Foral datada de 1125 e assinada pela condessa Dona Teresa de Leão. Agora chove lá fora e eu observo os pingos nas ruas molhadas de solidão. Banhada pelo lindo e extremamente limpo Rio Lima, ela possui aproximadamente 12 mil habitantes divididos em 25 freguesias (distritos) e tem metade do seu território de 184,76 km² situado no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

É chamada de Vila dos Poetas em razão de aqui ter nascido, no começo do século 16, os irmãos e escritores renascentistas Diogo Bernardes, príncipe dos poetas líricos, e Frei Agostinho da Cruz, príncipe dos poetas místicos. A poesia, antiga e contemporânea, está presente em várias partes da vila em monumentos literários únicos e deliciosos.

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Rio Lima: belo e sem poluição | Foto: Marcio Fernandes/2025

Ponte da Barca reivindica e sustenta a afirmação histórica de ter sido o local de nascimento do maior navegador de todos os tempos, Fernão de Magalhães (1480-1521), primeiro homem a realizar a circum-navegacão do planeta na nau Vitória, movida por energia eólica.

A ponte que confere nome à vila é uma fantástica obra da engenharia medieval com tabuleiro de 180 metros de extensão. Foi erguida em meados do século 14 e continua em uso com passagem de mão única para veículos de todos os portes, além de possuir um passadiço para pedestres.

Ponte da Barca ostenta uma arquitetura apalaçada com enormes casarões construídos em blocos de granito e ricamente ornamentados. Nos arredores da vila brotam extensos vinhedos que compõem a Rota do Vinho Verde, um espetáculo da produção vinicultura de Portugal.

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A ponte é uma fantástica obra da engenharia medieval | Foto: Marcio Fernandes/2025

Por aqui, tradição é uma palavra levada a sério, inclusive pela preservação da cultura celta dos povos originários do lugar. Tradição que se expressa na rica gastronomia, conhecida pela mesa farta de produtos orgânicos e sazonais. Linda, pacata e envolvente, a vila tem seu casario refletido nas águas do Rio Lima nos dias ensolarados de céu que se aproxima do azul cobalto devido à tamanha intensidade das luzes que a ornamenta.

Há imensos jardins cobertos de plátanos cuja exuberância atravessa todas as estações. No verão eles sustentam uma cobertura vegetal densa que depois cai sobre o solo na defloragem iniciada no outono e consagrada no rigoroso inverno minhoto.

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Árvores de Ponte da Barca | Foto: Marcio Fernandes/2025

Ponte da Barca tem um sistema de saneamento que o Brasil vai demorar alguns séculos para alcançar. Para se ter noção, a deposição de resíduos sólidos é feita em tubulações que levam a containers subterrâneos. O lixo armazenado é depois recolhido e cientificamente tratado com finalidade de aproveitamento econômico em uma usina situada a três quilômetros do centro da vila. Sem contar que o Rio Lima tem zero de poluição orgânica e industrial. Você pode perfeitamente beber água da torneira sem qualquer risco de contaminação.

Eu sou daqueles que entendem que a principal função do ambiente sadio não é só a preservação das abelhas ou do macaco-prego, mas das pessoas que o habita. Aqui a harmonia das gentes com o espaço natural é tão relevante que a gentileza é um mandatório orgânico. Como eles são elegantes na simplicidade e educados no trato pessoal!

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A Vila dos Poetas | Foto: Marcio Fernandes/2025

Eu estava a caminho de um supermercado na estrada e de repente para uma senhora em um automóvel Mercedes e me pergunta em inglês se eu queria carona para Arcos de Valdevez. Sinal de que não há violência criminal nem sequer roubo de celular, delito que o Lula considera de menor potencial ofensivo, ainda que seja pretexto ao latrocínio no Brasil.

Quando a noite avança em definitiva direção da madrugada, o silêncio de automóveis e gentes cala a vila, com exceção do Rio Lima a descer caudaloso e rápido com voz própria e barulhenta no choque com as bases da ponte medieval. A minha solidão neste ambiente é absolutamente confortável e me traz a vontade de caminhar até a foz como se fosse partir para os Grandes Descobrimentos da portugalidade que corre no sangue dos meus ancestrais.

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Candidato em campanha eleitoral | Foto: Marcio Fernandes/2025

Não tenho nada contra o Brasil, mas sou um malthusiano convicto por entender que os trópicos são avessos à civilização e terra fértil para políticos malandros que acumulam mandatos em nome de populismo barato, fomento da pobreza continental do bananal desalmado.

Portugal está em campanha eleitoral para escolher os representantes municipais. Enquanto o ônibus da Rede Expressos está sempre atrasado e lento, observo as mensagens dos candidatos locais plenas de platitudes e mentiras. Um diz que enverga a “Força da Mudança”. Outro gaiato se anuncia portador do “Rumo Certo”. Mais ousado, um cara com cara de tarado, assume a função de “Avançar Com Quem Sabe”. Tem também o que promete “Fazer +”. Tudo isso me traz uma tristeza danada, mas fugaz.

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A beleza arquitetônica de Ponte da Barca, com uma igreja ao fundo | Foto: Marcio Fernandes/2025

Caso eu encontre uma moradia graciosa a bom preço vou comprá-la. Os requisitos essenciais são ter muro baixo, quintal para eu cultivar alguma agricultura, vista para o Jardim dos Poetas e vizinhança da casa na qual nasceu Fernão de Magalhães. Hoje, a programação é fazer a trilha da ecovia que vai dar em Arcos de Valdevez. No caminho, rezar como ex-ateu, um pai nosso em proteção aos judeus.

Marcio Fernandes, jornalista, é colaborador do Jornal Opção.