Confira traduções de poemas de Denis Novikov, o bardo que Joseph Brodsky avalizou
08 novembro 2025 às 21h00

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Astier Basílio
De Moscou
Se nos anos 1960 a Rússia presenciou o fenômeno dos poetas que arrebatavam multidões aos estádios, o ânimo foi arrefecendo e a geração dos anos 1980, sentia-se deslocada, até mesmo inútil.
Com o colapso da URSS, uma das vozes mais vigorosas que emergiu desses escombros foi a de Denis Novikov — cuja poesia serve como testemunho desse período de desintegração. O que pode ser conferido na tradução do poema abaixo:
Que tal se calar de igual pra igual,
já que nosso papo não vai dar em nada.
Não há ferimento, nem sobre ele há sal.
Uma chuva de pombos lavou a sacada.
A grana não dura. Minha mão se enterra
mil vezes no bolso. A grana não dura.
E então, pelo visto, não é uma esfera
o planeta, mas só um objeto que fura.
[Outubro de 1987]

Em 1991, Novikov mudou-se para Londres em busca de seu grande amor, a atriz Emily Mortimer (de “Match Point”, “The Newsroom”). Embora o romance não tenha prosseguido rendeu um ciclo de poemas cujo texto inicial apresento abaixo:
Poemas para Emily Mortimer
Para ti — mas se a voz da musa sombria… — Púchkin
I
Como uma mancha em camisa macia
o medo da ressaca aparecia
e o taxista me olhou fechando a cara;
inventando um atalho, uma saída,
e ao coçar a orelha ensurdecida
eu dizia pra mim: “tem calma, para”.
Delírio eslavo fervendo em tua mente
mas tu chegas em casa, certamente.
Não foi a morte ou um fantasma quem veio,
mas um ninguém, calado, num biscate,
um malandro já fora de combate,
um motorista de carro de passeio
Eu conjuro a razão e não a poupo,
prometi me tornar um olmo, um choupo,
vegetal, mantimento — estremecia —
ou um céu a crescer em forma e brilho.
Deus não vai me entregar, isso é vacilo.
E quem vai me dizer hoje é que dia?
E por três dias de nada vai saber,
no quarto, em pranto, vai reconhecer,
enquanto isso a jovem miss por sua vez
atravessando toda a ilha em um cab,
vê algo no céu, mas o que é, não sabe:
alguém voando vestido de xadrez
(…)
A poesia do russo recebeu o aval de ninguém menos que Joseph Brodsky (Nobel de Literatura): “Os poemas de Denis Novikov atraem antes de mais nada pela completa autonomia de sua dicção (…) A escolha das palavras é sempre uma escolha do destino, e não o contrário, pois determina a consciência – de quem lê, mas ainda mais de quem escreve; a consciência, por sua vez, determina o ser (…)”.
Denis Novikov morreu, vítima de infarto, em 2004, aos 37 anos. Nossas traduções são as primeiras em língua portuguesa.
Astier Basílio, escritor, tradutor e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.
