Confira a lista de leitura do crítico e promotor Marcelo Franco para 2024
10 janeiro 2024 às 13h33

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Nada encuentro en mi vida más decisivo que leer.
(…)
Me declaro lector enamorado de las palabras. Tal vez porque amar es la condición que más se asemeja al leer, también él, como el amor, pura emoción. Descubrimiento. Diálogo permanente. Mutua entrega. — Antonio Basanta, “Leer Contra la Nada”.
“Vou agora falar de minhas próprias vicissitudes pessoais durante as duas doenças nervosas que me atingiram. Estive doente dos nervos duas vezes, ambas em consequência de uma excessiva fadiga intelectual.” Daniel Paul Schreber, “Memórias de um Doente de Nervos”.
O editor-chefe do “Jornal Opção” pediu-me uma lista de leituras para 2024. Eis uma tarefa que sempre se mostra árdua: fazer programas de livros que pretendemos ler, já que tantos há, tantos desejamos, tantos queremos listar. Postergo, regateio, truco e retruco, disfarço e peço ajuda aos universitários, mas o homem é incansável. Portanto, como nos anos anteriores, se esta lista tiver sido publicada, é porque o coração do amigo Euler venceu os deveres do editor Euler de França Belém; o cordial amigo aceitando minhas perdas de prazo e meus textos nunca pequenos e, não raras vezes, labirínticos (e espero que ele haverá de me perdoar os muitos livros que menciono em outras línguas: vocês também creem, como eu, que estamos traduzindo menos aqui na Mãe Gentil? Já podeis da pátria filhos ver contente a cena editorial brasileira? No lo creo, I don’t believe it, j’y crois pas).
Acredito-me apto à tarefa, não nego: leio desde que entrei pela primeira vez na biblioteca dos meus pais, mal saíra dos cueiros. Claro, hoje leio mais nos intervalos dos achaques da meia-idade, nos momentos em que escapo das tormentas jurídicas de embargos e agravos e quando o Rivotril sossega um pouco esta já cansada mente. De qualquer modo, sim, leio e releio, pago impostos e tento adiar a visita da Indesejada das Gentes, mas eis que o ano chega ao fim e novamente preciso fazer a tal lista. Ou talvez exagere na parte “leio e releio”: às vezes, quando não estou tentando organizar minhas estantes, consigo ler algumas páginas. Apto? Já começo a duvidar de mim mesmo; para ganhar novo fôlego, reafirmo o que já disse certa vez: gosto de listas, principalmente quando são inúteis, o que é o caso — poucos se importam com esses quiquiriquis ditos culturais. Minha convicção é que cumprimos com galhardia nosso destino de transformar o Brasil neste grande DCE de Humanas, com a natural consequência de frequentarmos apenas a epiderme das coisas transcendentes que nos cercam, donde lista de livros é coisa destinada ao esquecimento e ainda um ritual de vaidade, bem sei, pois nada há de novo sob o Sol. E tanta leitura lembra-me uma passagem hilariante de um dos filmes — não sei exatamente qual — dos irmãos Marx. Uma mulher vai até a seção de achados e perdidos de um hotel, onde é recebida por Groucho, para buscar qualquer coisa que havia desaparecido. Ela diz: “Bem, estou procurando algo…”, e Groucho imediatamente responde: “Ora, quem não está?”. Todos estamos procurando algo, não?
Leer es un riesgo.
(…)
El primer riesgo para el lector, el más antiguo y de los más graves, es el de convertirse y querer convertirse en escritor; o también, y peor aún, en crítico. Me limito a recordar una obviedad fundamental: los libros son contagiosos. — Alfonso Berardinelli, “Leer es un Riesgo”.
À lista, então; antes, contudo, também repito um parágrafo inteiro — plagio a mim mesmo — de uma lista anterior, pois o alerta que então fiz permanece válido. Escrevi que ganhamos problemas inesperados com os livros. “Admiro muito quem lê assim”, já ouvi. Sei, sei: essa admiração só pode vir de quem não tenha de lidar com a falta de espaço para os volumes, os problemas respiratórios causados pela poeira das estantes e o perigo da falência rondando o comprador obsessivo, triste padecente de síndrome de Diógenes literária.

É uma engrenagem que funciona em moto-contínuo: sempre se pode começar mais uma pilha com livros novos — quem não está interessado, por exemplo, nas futricas do príncipe Harry ou em Nelson Ned? (Eis o primeiro livro da lista: “Tudo Passará: A Vida de Nelson Ned, o Pequeno Gigante da Canção”, de André Barcinski.) E, antes de irmos às leituras que programei e que provavelmente serão substituídas por outras, também insisto, como já o fiz anteriormente, que a lista ideal deve ser uma mistura de livros antigos, lançamentos recentes, leituras programadas em listas anteriores e nunca cumpridas e livros citados somente para que se possa simular erudição. Mais grave ainda: as listas, para o meu desespero, aumentam sempre, pois, como Erasmo de Roterdã, “quando tenho um pouco de dinheiro, compro livros e, se me sobrar algum, compro comida e roupas”.

Mãos à obra, enfim. Como nos últimos anos, adquiri outros vícios neste ano do Nosso Senhor de 2023, logo eu, já tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil. Por exemplo, a espanhola Irene Vallejo. Li, no ano passado, o seu “O Infinito em um Junco — A Invenção dos Livros no Mundo Antigo”, e foi por ela que cheguei ao também espanhol Antonio Basanta, que me deu uma das epígrafes deste texto, furto cometido em seu “Leer Contra la Nada”; por ela — obrigado, obrigado! — também conheci “Los Libros y la Libertad”, de Emilio Lledó. Vallejo é vício de difícil cura; por causa de “O Infinito em um Junco”, irão para a minha ilha deserta “Manifiesto por la Lectura”, “Alguién Habló de Nosotros” e “El Futuro Recordado”. Leiam Irene Vallejo, não bebam destilados falsificados e cometam ao menos um pecadilho diário, eis as minhas lições principais quando eu me tornar coach.

Se ganhei novos vícios, mantenho os antigos. Notem vocês: assim como gosto de entrar em farmácias e perguntar o que há de novo da Aché ou da Bayer, fiscalizo diariamente as livrarias virtuais em busca de livros sobre a Segunda Guerra Mundial. Porém, todavia e contudo, este 2023 não me pareceu um ano pródigo na área — ou eu estive desatento? Alguma coisa se salvou, claro, mas quase nada em português: “To Besiege a City: Leningrad 1941–42”, de Prit Buttar; “France on Trial: The Case of Marshal Pétain”, de Julian Jackson; “Judgment at Tokyo: World War II on Trial and the Making of Modern Asia”, de Gary J. Bass; e “V Is For Victory: Franklin Roosevelt’s American Revolution and the Triumph of World War II”, de Craig Nelson.

Outro livro que também merece leitura, mesmo não sendo exatamente sobre a Segunda Guerra, é “Baviera Tropical — A História de Josef Mengele, o Médico Nazista Mais Procurado do Mundo, que Viveu Quase Vinte Anos no Brasil sem Nunca Ser Pego”, de Betina Anton, assim mesmo, com esse longo título de livro do século 17. Ah, os vícios: já fui partigiano e maquisard, tenham certeza.
Outro vício antigo e arraigado é a Amazônia, em cujos matos sempre me embrenho. Neste ano, aliás, percorri o rio Solimões de Manaus a Tabatinga, sete dias num barco: uma viagem memorável. Tudo vale a pena se a malária é pequena.
Pois então, ecológicos leitores: da parte não cumprida de listas anteriores, “Árvore de Rios: a História da Amazônia” e “Naturalists in Paradise: Wallace, Bates and Spruce in the Amazon”, do assombroso John Hemming, e “River of Darkness”, de Buddy Levy, sobre a epopeia da descoberta do Amazonas por Francisco de Orellana. Dos livros deste ano (ou do ano passado?), fico com “Arrabalde: Em Busca da Amazônia”, de João Moreira Salles.

Ninguém me perguntou, mas querem saber como a viagem pelo Solimões foi planejada? Pois não o foi. Muitos sabem que estive na Amazônia diversas vezes, fiscalizando aquele matogal e aquela imensidão de águas. Já voei em avião de segurança duvidosíssima e já estive em barco à deriva por falta de gasolina. Tudo bem, tudo também vale a pena se a sumaúma não é pequena.
Então vejam: as ideias mais malucas nascem de conversas banais. Perguntamo-nos, eu e amigos: vamos viajar de novo? Claro, sim, pois não. Simbora subir o Amazonas (Solimões), de barco, entre Manaus e Tabatinga? Ora, pois, pois, o que são 1.650 quilômetros trancados num barco? Daí entramos na Colômbia por Letícia? Evidentemente. Bom, como voaremos de volta a Brasília, por que não esticar até São Luís e depois Barreirinhas, nos Lençóis Maranhenses? Opa, tô dentro. Estando em Lençóis, não custa nada ir ao Piauí e dar uma espiada no Delta do Parnaíba, que tal? Claro, claro, há lógica na ideia, quem haverá de negar? E como tudo é perto e o Piauí tem apenas uns 70 quilômetros de litoral, vamos correr as praias? Sem dúvida! Enfim, vi coisas tão inusitadas que uma vida não basta para as narrar, ainda mais que me ocupo fazendo… listas.

Avante. Ainda na categoria “vício que trato com papinhas de leite”, há os livros sobre livros e leituras, inclusive memórias e biografias de escritores. Já mencionei Antonio Basanta e Irene Vallejo, mas que tal “Shakespeare in Bloomsbury”, de Marjorie Garber, narrando a influência do “bardo dos bardos” no grupo de escritores de Bloomsbury, Virginia Woolf entre eles?
Por falar em Woolf, lerei ainda “A Medida da Vida: Os Últimos Anos de Virginia Woolf”, de Herbert Marder. Aliás, quem também escreveu sobre o autor de “Macbeth” foi a atriz Judi Dench, “Shakespeare: The Man Who Pays the Rent”: merece entrar no infinito programa de leituras. Mais, mais: “A Biblioteca no Fim do Túnel: Um Leitor em seu Tempo” (Rodrigo Casarin) e “The Shakespeare and Company Book of Interviews” (editado por Adam Biles).
Não menos interessante, a Amarylis publicou uma ótima biografia de Oscar Wilde, escrita por Matthew Sturgis, “Oscar Wilde: Uma Vida”. Entrevistas podem formar uma biografia, não? “Nasci na América: Uma Vida em 101 Conversas (1951-1985)”, com várias entrevistas do escritor italiano Italo Calvino. Para os fãs do 007 como eu, “Ian Fleming: The Complete Man”, de Nicholas Shakespeare (Shakespeare não nos abandona…).
Nas primeiras posições da lista, “Larry McMurtry: A Life”, de Tracy Daugherty, sobre o escritor texano que foi também dono de uma imensa livraria. Muitas biografias? Bem, então acrescento um livro bizarro sobre livros igualmente bizarros: “Librorum Ridiculorum: A Compendium of Bizarre Books” (Brian Lake). Mais um, adquirido enquanto eu dedilhava este texto para os meus cinco leitores, um compêndio com as cartas trocadas entre os escriture do chamado “Boom Latino-Americano”, “Las Cartas del Boom”.

Leio biografias e memórias como um menino que espia vidas alheias por um buraco de fechadura — só não saio por aí contando o que vi porque todo mundo tem acesso à mesma fechadura. Em 2024, tentarei corrigir o desastre cinematográfico de Ridley Scott, que fez Napoleão — interpretado por um Joaquin Phoenix com prisão de ventre — explodir as pirâmides do Egito; portanto, é chegada a hora de ler a biografia do francês escrita por Andrew Roberts, “Napoleon: A Life”, há muito comprada e jamais lida, e mais uns livrinhos sobre a Imperatriz Josefina, principalmente “The Rose of Martinique: A Life of Napoleon’s Josephine”, de Andrea Stuart, ambos merecendo tradução aqui no Florão da América.
Na mesma toada, já que fizeram a cinebiografia de Robert Oppenheimer, entram na lista “Oppenheimer: O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, de Kai Bird e Martin J. Sherwin; “Robert Oppenheimer: A Life Inside the Center”, de Ray Monk; e “Brotherhood of the Bomb: The Tangled Lives and Loyalties of Robert Oppenheimer, Ernest Lawrence, and Edward Teller”, de Gregg Herken.

Ainda no quesito “vamos comparar livros com filmes”, lerei “Assassinos da Lua das Flores — Petróleo, Morte e a Origem do FBI”; depois direi se Martin Scorsese ganha do autor David Grann. Que eu saiba, Henry Kissinger ainda não se tornou tema de filme, mas, já que ele se foi neste ano, louvado e detestado na mesma medida — gênio ou criminoso de guerra? —, não custa dar uma espiada na primeira parte de uma biografia escrita por Niall Ferguson, monumental e planejada para ter dois volumes, “Kissinger (1923-1968): O Idealista”. Como perceberam, a fechadura pela qual espio é até maior; todavia, o espaço aqui é pouco…
Este ano, que se registre, foi pródigo em lançamentos e relançamentos de biografias e memórias de músicos e cantores, bem como de livros sobre música em geral, principalmente aqui no Berço Esplêndido — até já mencionei, ali acima, a biografia de Nelson Ned.
Pois a ótima editora Cepe publicou um livro de leitura que se promete prazerosa “Pelas Ruas que Andei: Uma Biografia de Alceu Valença”, de Julio Moura. Não só (mas por outras editoras): “Lupicínio: Uma Biografia Musical”, de Arthur de Faria; “A Incrível História de Lenny Eversong ou A Cantora que o Brasil Esqueceu”, de Rodrigo Faour (autor de uma ótima “História da Música Popular Brasileira”, em dois volumes); “Do Vinil ao Streaming: 60 Anos em 60 Discos”, de Daniel Setti.

Mas não somente cantores são os retratados do ano; entre outras biografias, entram na lista “O Avesso do Bordado: Uma Biografia de Marco Nanini”, de Mariana Filgueiras; “Di Cavalcanti — Modernista Popular”, de Marcelo Bortoloti; e ainda ganhamos o segundo e último volume da biografia de San Tiago Dantas, escrita por Pedro Dutra, “San Tiago Dantas — A Razão Vencida” — San Tiago era um desses homens de quem o Impávido Colosso se esquece de tempos em tempos, apesar de eles merecerem os nossos constantes louvores, como, por exemplo, Afonso Arinos e Milton Campos. Também me darei de presente, digamos, uma espécie de biografia coletiva, ainda que de um curto período, “Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim”, de Márcio Pinheiro.
Política? Sim, política. Evitarei a turma apocalíptica que repete a bobajada de que a democracia está morrendo e que há um tirano à espreita em cada esquina — vocês sabem: “a polarização faz mal ao país”… Então teremos o quê, unanimidades? Entendamos: por “morte da democracia” leia-se “nunca mais votem em candidatos que nós, intelectuais iluminados, não aprovamos”. Vai para a lista, então: “The Year That Broke Politics: Collusion and Chaos in the Presidential Election of 1968”, de Luke A. Nichter — sim, em 68 nasceu certa polarização, nos Estados Unidos, que dura até hoje, mas muitas outras ocorreram antes. Vejamos como Nichter cuida do tema, portanto. O que mais? Um livro de História que, imagino, não deixa de ser sobre política: “Beyond the Wall: A History of East Germany” (Katja Hoyer). Simulemos erudição: “The New Leviathans: Thoughts After Liberalism”, de John Gray, e “Freedom from Fear: An Incomplete History of Liberalism, de Alan S. Kahan. Dos brasileiros, vou de “Poder Camuflado — Os Militares e a Política, do Fim da Ditadura à Aliança com Bolsonaro”, de Fabio Victor, e “A Crise da Política Identitária”, organizado por Antonio Risério. E, entrando na lista com bumbos e tapetes vermelho, “Os Ungidos: A Fantasia das Políticas Sociais dos Progressistas”, do sempre brilhante Thomas Sowell.

Gosto de ensaios — uma forma de fazer listas sobre tudo, por assim dizer, e como esta minha própria lista já vai longa, programo a leitura de poucos, talvez “A Memoir of My Former Self: A Life in Writing”, de Hilary Mantel, que não é exatamente uma coletânea de ensaios, mas sim de textos jornalísticos da autora britânica, falecida em 2022. “Intervenções”, de Michel Houellebecq, parece imperdível, e sigo planejando reler toda a obra de Joan Didion, agora com “Rastejando até Belém”. Didion, se não sabem (eu já os avisei antes…), escreveu o melhor obituário dos anos 60.
Sou um atormentado que lê biografias de juristas, votos dos ministros do Supremo Tribunal e até decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos (sim, sim, meu terapeuta já foi avisado).
Como a juíza Sandra Day O’Connor, a primeira mulher a chegar à Suprema Corte norte-americana, morreu há uns dias, creio que já bateu a hora de ler outro livro que comprei e jamais li, “First: Sandra Day O’Connor”, de Evan Thomas. Inteligentíssima sem ser exatamente brilhante (antes que me acusem de coisas inomináveis: sua colega Ruth Ginsburg, apesar de eu discordar da forma como ela pensava o Direito, foi brilhante), O’Connor é um “case” de poder que merece estudo — não pensem que juízes de cortes supremas não sejam jogadores na arena do poder (não, não falo do Brasil; aliás, qualquer dia contarei como a Suprema Corte de Israel, numa decisão de 400 ou 500 páginas, no famoso caso “Mizrahi Bank”, criou para si poderes que não tinha).

Bem, e o que fez a maleável O’Connor? Numa corte de nove juízes divididos ideologicamente em dois grupos de quatro juízes, ela se tornou o “swing vote”, a juíza que poderia votar com qualquer um dos lados. Vale dizer: ela se transformou no centro de poder da Suprema Corte dos Estados Unidos e a moldou durante algum tempo.
Ah, sim, sobre “brilhantismo”, algo nem sempre valioso por si só: seu colega William Douglas, que se aposentara antes de sua chegada ao tribunal, era tido como um tipo brilhante e… turbulento, para dizer o mínimo. O’Connor teve vida aventurosa e foi uma força da natureza: nascida no Texas, criou-se no Arizona (onde foi senadora estadual) e se tornou a primeira mulher da Suprema Corte dos Estados Unidos (nomeada pelo “terrivelmente conservador” Ronald Reagan…). Era, digamos, uma “sábia da aldeia” — o livro vai ou não para a ilha deserta? Claro que sim: lá serei o “swing vote” de decisões tomadas por mim mesmo.

Ainda na seara jurídica (ou áreas próximas), “Juristas em Resistência: Memória das Lutas Contra o Autoritarismo no Brasil”, de Antonio Pedro Melchior; “Punir: Uma Paixão Contemporânea”, de Didier Fassin, um antropólogo que analisa a nossa atual sanha punivista. E sobre o nosso Supremo? Adiciono à minha mutável lista dois ou três livros: “O Tribunal: Como o Supremo se Uniu Ante a Ameaça Autoritária”, de Felipe Recondo e Luiz Weber; “O STF na Política e a Política no STF”, de Fabrício Castagna Lunardi; e “Ativismo Judicial: Limites da Jurisdição Constitucional”, de Wanderlei Reid. Ativismo ou atitude, eis a questão, pobre Yorick — e dormir, morrer; dormir!; talvez sonhar.
Tenho lido pouca ficção, ai de mim, e aqui peço ajuda aos meus três leitores. Fora “Os Perfeitos”, de Jacobo Bergareche, e “O Declínio de um Homem”, de Osamu Dazai, um clássico japonês em boa hora traduzido, o que mais sugerem?
Já o geólogo, digo, o cardiologista que cuida do meu coração me recomendou a leitura de mais poesia para que as sístoles e diástoles entrassem em compasso aqui. Entre os lançamentos do ano, escolho “Compaixão”, de Anne Sexton, mas confesso que a sua vida turbulenta me interessa mais, daí que somei aos poemas uma biografia polêmica, “Anne Sexton: A Biography”, de Diane Wood Middlebrook, e as cartas da própria poeta, “Anne Sexton: A Self-Portait in Letters”.

Ah, sim, também acrescentei à lista um livro que narra a amizade — e a rivalidade — entre Sexton e Sylvia Plath, “Three-Martini Afternoons at the Ritz: The Rebellion of Sylvia Plath & Anne Sexton”, de Gail Crowther. Desanimado como estou, tenho certeza de que a releitura de “Morte e Vida Severina” me trará alguma serotonina extra. Confiram: “E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida:/ vê-la desfiar seu fio,/ que também se chama vida,/ ver a fábrica que ela mesma,/ teimosamente, se fabrica,/ vê-la brotar como há pouco/ em nova vida explodida;/ mesmo quando é assim pequena/ a explosão, como a ocorrida;/ mesmo quando é uma explosão/ como a de há pouco, franzina;/ mesmo quando é a explosão/ de uma vida severina”. Melhor que Zoloft, não concordam?
Opa, de volta à ficção: não nos esqueçamos, saiu o último romance de Mario Vargas Llosa, “Lo Dedico mi Silencio” — último mesmo, porque o peruano anunciou a sua aposentadoria.
Tento compreender o mundo que me cerca; assim, em tempos de guerra, “Judeus Não Contam”, de David Baddiel; “The Israel-Palestine Conflict: A History”, de James L. Gelvin; “Muslim Palestine: The Ideology of Hamas”, de Andrea Nüsse; “Palestine: A Four Thousand Year History”, de Nur Masalha; “Os Árabes: Uma História”, de Eugene Rogan; “The House of Islam: A Global History”, de Ed Husaim; “A Tale of Two Narratives: The Holocaust, the Nakba, and the Israeli-Palestinian Battle of Memories”, de Grace Wermembol.

Sem contar o excepcional “Lioness: Golda Meir and the Nation of Israel”, de Francine Klagsbrun, biografia da primeira-ministra que ganhou uma guerra e perdeu o cargo (“A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda…” etc. etc. etc.).
Quando sobram uns caraminguás dos impostos e do whisky das crianças, viajo; se não sobra muito cobre, leio relatos de viagens e estadias em outros países. “Sempre Paris: Crônica de uma Cidade, seus Escritores e Artistas”, de Rosa Freire D’Aguiar, e “A Fila Anda”, do jornalista Marcio Fernandes, estão na lista, por supuesto. Marcio é meu amigo; indico seu livro, porém, porque ele é, sobretudo, um causeur magnífico, o que se reflete em suas crônicas de viagem.
Sempre gostei de acrescentar séries às listas de livros. Reverei “Succession”, que se encerrou em 2023 e trata de um improvável Rei Lear, interpretado por Brian Cox, do mundo corporativo. Já que falamos de TV, me recordei de outro livro há pouco tempo comprado, “Especulações Cinematográficas”, em que Quentin Tarantino comenta alguns filmes. Sem tela na ilha deserta, verei filmes lendo o grande Tarantino.
Estou quase encerrando, meus fiéis dois leitores. Não posso deixar de também insistir num artigo de fé que sempre repito nas minhas listas, palavra por palavra: declaro solenemente que não lerei todos aqueles autores que os cadernos de cultura proclamam como renovadores da língua portuguesa; dos estrangeiros, nada de romances que mostrem “o American way of life tornado pesadelo”; já em matéria de heterodoxias, só acompanharei o pós-pós-modernismo de livros revolucionários que sigam a estranha ordem “início-meio-fim”.
Opa, eia, sus e xó: para tanto ler, faltou listar “História do Descanso”, de Alain Corbin. E por que tamanha ânsia literária? Respondo com o Vargas Llosa de “La Verdad de las Mentiras”: “La literatura no dice nada a los seres humanos satisfechos con su suerte, a quienes colma la vida tal como la viven. Ella es alimento de espíritus indóciles y propagadora de inconformidad, un refugio para aquel al que sobra o falta algo, en la vida, para no ser infeliz, para no sentirse incompleto, sin realizar en sus aspiraciones. Salir a cabalgar junto al escuálido Rocinante y su desbaratado jinete por los descampados de La Mancha, recorrer los mares en pos de la ballena blanca con el capitán Ahab, tragarnos el arsénico con Emma Bovary o convertirnos en un insecto con Gregorio Samsa, es una manera astuta que hemos inventado a fin de desagraviarnos a nosotros mismos de las ofensas e imposiciones de esa vida injusta que nos obliga a ser siempre los mismos, cuando quisiéramos ser muchos, tantos como requerirían para aplacarse los incandescentes deseos de que estamos poseídos”. Tantas, tantas ofensas e imposições de uma vida injusta…
Encerro, encerro. “Tolle lege”, sussurram-me os livros que venho acumulando, um tanto por prazer, outro tanto por pura obsessão, um tiquinho por tédio e inércia. Então é isto. Submeto a lista ao editor e aos leitores, com muito medo, muito mesmo, daqueles leitores de jornais que os escrutinam com lupa e depois escrevem textos em que destroem cada vírgula fora do lugar e todo pensamento buscado em mentes alheias, a tal turma “senhor-editor-escrevo-para-mostrar-que”. Paciência, ademã e olho vivo, que cavalo não desce escada.
