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Wilson Rodycz*

Neste ano de 2025 completa-se um século do falecimento de Władysław Stanisław Reymont, o escritor polonês ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1924. Na época, outros renomados escritores disputavam a preferência da Academia Sueca. Stefan Żeromski, George Bernard Shaw, Maxim Gorki e Thomas Mann também queriam o Prêmio. O pêndulo se inclinou para Reymont sob a justificativa de que o seu livro Chłopi (Os Camponeses) se caracterizava como “uma grande epopeia nacional em que a harmonia sinfônica de suas proporções e a riqueza de seus matizes constituem um hino à vida de um povo que se ufana da sua terra ancestral.”

Władysław Reymont viveu uma existência de muitas dificuldades, tendo conseguido estabilidade econômica e recebido reconhecimento literário somente mais tarde; no final, quando foi galardoado com o Prêmio, se encontrava muito doente, a ponto de não ter ido a Estocolmo receber pessoalmente a honraria.

Reymont nasceu em 7 de maio de 1867 na localidade de Kobiele Wielkie, perto de Radomsko, e faleceu em 5 de dezembro de 1925, em Varsóvia. Foi o quinto filho de Josef Rejmont, um organista de aldeia, e de Antonina, nascida Kupczynska. Ao resumir a sua biografia para a Academia, sobre a fase inicial da sua vida ele escreveu:

Eu tinha vinte e dois anos. Era saudável, tinha apenas um terno e botas furadas. Tinha fé no mundo e mil projetos ousados em mente. Escrevia febrilmente: dramas em dez atos, romances sem fim, contos em vários volumes, poemas. Depois, rasgava tudo impiedosamente e queimava. Vivia em solidão; não tinha amigos; tanto as autoridades quanto meus colegas de trabalho me tratavam de forma desfavorável; eu cumpria mal meus deveres. Não conseguia me adaptar nem à mentalidade das pessoas ao meu redor nem às minhas condições de existência. Tudo isso era doloroso e difícil de suportar. 

Reymont não completou estudos formais, tendo trabalhado desde cedo em variadas funções; foi aprendiz de lojista, alfaiate, noviço em um mosteiro paulino, funcionário ferroviário, ator de circo, etc.

Em 1902, se casou com Aurelia Szablowska, uma enfermeira que conhecera enquanto se recuperava de um acidente ferroviário, que lhe rendeu uma indenização substancial e lhe permitiu se dedicar melhor à escrita. O casal viajou a Paris, onde ele concluiu a sua obra principal. 

A sua produção literária começou em 1896 com o romance Komediantka. Na verdade, um pouco antes. Em 1895, quando estava no fundo do poço, Reymont acompanhou uma peregrinação para Częstochowa e conseguiu que um diário de Varsóvia publicasse seus relatos, denominados Pielgrzymka do Jasnej Góry (Peregrinação à Montanha da Luz), que lhe renderam 25 rublos e agradaram os críticos por sua representação da psicologia coletiva. Alguns meses depois, escreveu Komediantka e não mais parou. Reymont se baseava na experiência e usou seus sofrimentos e suas aventuras como matéria-prima para a sua ficção. As anotações de um diário, mantido durante os anos de 1884 e 1894, lhe serviram de guia.

As suas obras mais festejadas são os romances Ziemia Obiecana (Terra Prometida), de 1899, e Chłopi (Os Camponeses), escrito entre 1904 e 1909.

Ziemia Obiecana (Terra Prometida).

O título dessa obra carrega uma certa ironia. Nela, Reymont pinta a vida na cidade de Łódź com uma visão crítica da exploração da classe trabalhadora e da imoralidade dos capitalistas. Aparece a efervescência do seu desenvolvimento econômico no final do século 19, devido à indústria têxtil, quando ficou conhecida como a “Manchester Centro-Europeia”. Na trama, os novos-ricos, oriundos da pequena burguesia, se misturam a alguns nobres e aos muitos trabalhadores migrados da zona rural, constituindo um amálgama heterogêneo de ambições e esforços no contexto dessa nova sociedade. O protagonista é Karol Borowiecki, um jovem polonês ambicioso que trabalha como gerente de fábrica, entrelaçando-se a sua história com a de personagens que vivem uma saga de injustiças, cinismo, paixão, heroísmo e lutas. Em certa altura, o herói diz:

“Mas lembre-se: você está em Łódź. Como vejo, você sempre se esquece da ilusão de fazer negócios com pessoas civilizadas da Europa. Łódź é uma floresta, uma selva — na qual, se você tiver garras fortes e boas, pode avançar sem medo e acabar com seus vizinhos; caso contrário, eles cairão sobre você, sugarão você até secar e depois jogarão fora sua carcaça.”

Nessa obra, Reymont mostra a sua capacidade de descrever com realismo e simplicidade ambientes e pessoas, convencendo a crítica especializada e conquistando o interesse dos leitores. Terra Prometida foi versada para mais de quinze idiomas. Não é disponível em língua portuguesa; em espanhol, tem o título La tierra de la gran promessa, publicada em 2006 pela Editora La Otra Orilla – Belacqva, de Barcelona.

Chłopi (Os Camponeses)

Trata-se de um extenso e minucioso panorama da vida aldeã. Sobre a obra, Reymont declarou:

Em 1903-04 publiquei a primeira versão de Chlopi; a princípio era apenas um volume. Queimei-o e reescrevi-o. Desta vez, foi dividido em quatro volumes (1904-09). 

Cada volume corresponde a uma estação do ano. O enredo é situado na aldeia de Lipce. O foco é um triângulo amoroso entre o pai, Maciej Boryna, seu filho Antek, e a bela Jagna. Esse fio condutor serve de pretexto para o autor explorar questões importantes da sociedade nacional da época, como a divisão de classes, o apego à terra, a pobreza e a emigração. No Boletim Tak! número 29, de março-abril de 2023, publicamos uma resenha mais detalhada desse livro, podendo ser consultada nas páginas 8 a 11.

Chłopi foi traduzido para os idiomas alemão, sueco, inglês e francês, mas não para o português; em espanhol, leva o título “Los Campesinos”, publicado em Madri, em 1960, pela Editora Aguilar.

Obras principais:

  • Komediantka, 1896
  • Fermenty, 1897
  • Spotkanie: szkice i obrazki, 1897
  • Lili: żałosna idylla, 1899
  • Ziemia obiecana, 1899, 2 vol.
  • Sprawiedliwie, 1899
  • Chłopi, 1904-1909, 4 vol.
  • Na krawędzi: opowiadania, 1907
  • Wampir, 1911
  • Rok 1794: powieść historyczna, 1913-1918, 3 vol.
  • Przysiega: nowele, 1917

As obras completas de Reymont foram publicadas em trinta e seis volumes, em Varsóvia, em 1930-32, e suas obras selecionadas, em doze volumes, em Cracóvia, em 1957.

Czesław Miłosz diz que, embora Reymont tenha continuado a escrever prolificamente, ele não obteve o mesmo sucesso popular e crítico que saudou Os Camponeses: “sua energia parece ter sido gasta naquele grande esforço de sua carreira literária.”  

Em 1924, no final de sua autobiografia para a Academia, Reymont assinalou:

Em abril de 1919, parti para os Estados Unidos a fim de visitar meus compatriotas naquele país. Voltei em 1920. Em 1922-23, escrevi Bunt (Desafio) e comecei a ter problemas cardíacos. Ainda tenho muitas coisas a dizer e desejo muito torná-las públicas, mas será que a morte me permitirá?

Infelizmente, foi impedido por uma cardiopatia. Em português, dispomos apenas de A Lei do Cnute e Contos. No original: Z Ziemy Chelmskiej (Reportagem sobre a Região de Chelm), de 1910, que forma o volume referente ao autor da Coleção dos Prêmios Nobel de Literatura, publicado em 1963 pela Editora Delta, com 196 páginas.

Reymont adaptado para o cinema e a televisão diversas vezes

Chłopi foi filmada em 1922 e, mais recentemente, em 2023, no formato animação, pelo britânico Hugh Welchman e sua esposa, Dorotea Kobiela, polonesa; ganhou os Prêmios de Melhor Trilha Sonora da Academia Polonesa de Cinema e do Público. Em 1973, foi adaptada pela TVP, numa série em treze capítulos dirigida por Jan Rybowski, que ganhou o Prêmio do Presidente do Comitê de Rádio e Televisão, o Prêmio Primavera Artística de Łódź e a atriz Emilia Krakowska foi agraciada com o Prêmio Estrela de Cinema de Łagów (interpretando a protagonista Jagna).

 Ziemia obiecana foi filmada em 1927 e 1975, essa última vez por Andrzej Wajda, tendo ganho o Prêmio de Ouro no 9º Festival Internacional de Cinema de Moscou e também sido indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em 1978, do próprio filme Wajda extraiu uma série para a televisão polonesa em quatro episódios.

Komediantka foi filmado em 1986 por Jerzy Sztwiertnia e, na mesma época, foi objeto de uma série de televisão em nove episódios:  ambientada na segunda metade do século 19, a trama conta a história de Janka, que abandona tudo e embarca na carreira de atriz.

Reymont é nome de uma comuna

Em 1983, a comuna de Lipce, na província de Łódź, adotou oficialmente o nome de Lipce Reymontowskie, recriando ambientes do romance e da vida do escritor, além de um Museu em sua homenagem.

2025 – O ano Reymont na Polônia.

Por Resolução do Senado da República da Polônia, o Ano de 2025 foi estabelecido como “Ano de Władysław Stanisław Reymont” com o propósito de exaltar a importância das suas realizações criativas para o patrimônio nacional e mundial. Estão programados eventos por todo o país, ao longo do ano. 

O Ministério da Cultura e do Patrimônio Nacional lançou o programa Reymont. Interwencje de bolsas para apoiar projetos em homenagem ao escritor.

Na Biblioteca Pública da cidade de Łódź, entre janeiro e fevereiro transcorreu a Exposição “Władysław Stanisław Reymont – Lugares, Pessoas, Obras”, com livros e materiais do escritor vinculados a lugares da região, como o local de nascimento e residência, os anos de estudo e trabalho e as suas tentativas de atuar nos palcos quando se cansou do emprego na ferrovia. Várias edições de suas obras principais foram exibidas.

Ainda em Łódź, no Museu do Cinema, em fevereiro foi inaugurada uma exposição marcando o 50º aniversário da estreia do filme “A Terra Prometida”, de Wajda.

Em Gdynia, foi lançado um concurso de design gráfico para ilustrar a capa de alguma obra do escritor.

Reymont no Brasil.

Embora não seja desconhecido entre nós, Reymont ainda é valorizado aquém do que merece. Atendo-nos apenas aos círculos polônicos, registramos que desde 2019 atua em Porto União/SC e União da Vitória/PR o Clube Literário Władysław Reymont. Em Indaial-SC há um grupo folclórico denominado “Chłopi”, fundado em 2022, que se dedica a representar as tradições polonesas, inspirado no romance famoso. Se deixamos de mencionar alguma iniciativa ou instituição, pedimos desculpas e que, por favor, nos sejam enviadas as informações.

Wilson Carlos Rodycz | Foto: Acervo

*Wilson Carlos Rodycz é magistrado aposentado do TJRS, foi Cônsul Honorário da Polônia em Porto Alegre e diretor da R&O Editora Ltda.; é pesquisador da imigração, tendo publicado, entre outros livros e artigos sobre o tema, o livro “Os imigrantes poloneses da Colônia Lucena/Itaiópolis: se um marreco pisar no gelo ele quebra” (P. Alegre: R&O Editora, 2011, 222 p.). Nos últimos anos, tem publicado textos ficcionais em revistas e coletâneas. Em 2024 publicou o livro de contos “Cada qual com seus danos e outras histórias” (P. Alegre: Ed. Metamorfose, 2024, 96 p.). Prepara um romance. Reside em Gramado-RS.

Referências:

REYMONT, Wladislaw. Los Campesinos. Tradução do idioma polonês para o espanhol: R. J. Slaby e Fernando Girbal. Prólogo: Fernando GIRBAL. Madrid: Editora Aguilar, 1960, 1294 p.

_______. A Lei do Cnute e Contos. Z Ziemy Chelmskiej (Reportagem sobre a Região de Chelm), 1910. Tradução: Valdemar Cavalcanti. Coleção dos Prêmios Nobel de Literatura, Prêmio de 1924 Wladislaw Stanislaw Reymont. RJ: Editora Delta, 1963, 196 p.

_______. La tierra de la gran promessa. Tradução do idioma polonês para o espanhol: Pilar Gil Cánovas. Barcelona: Editora La Otra Orilla – Belacqva, 2006, 549 p.

SIEWIERSKI, Henryk. História da Literatura Polonesa. Brasília: Editora UnB, 2000, 243 p.

Władysław Reymont – Biográfico. NobelPrize.org. Divulgação do Prêmio Nobel. https://www.nobelprize.org/prizes/literature/1924/reymont/biographical/ Acesso em 17 de julho de 2025.

Władysław Reymont (1867-1925) – Stanisław Władysław Rejmont. Biográfico. Authors Calendar. https://authorscalendar.info/reymont.htm Acesso em 17 de julho de 2025.