Biografia de Jim Morrison é razoável, mas traz bons momentos na interação com Ray Manzek
30 junho 2019 às 00h00

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Ex-vocalista do The Doors talvez não conquiste no quadrinho pelo excesso de verborragia e poucas gestos
Biografias, conforme o “pai dos inteligentes”, é “narração oral, escrita ou visual dos fatos particulares das várias fases da vida de uma pessoa ou personagem”. A leitura desse tipo de material se torna mais interessante, quando envolve alguma figura emblemática, que desperta o interesse do público.
A biografia não precisa ser, necessariamente, em formato de livro literário. Cinema e quadrinhos também costumam beber dessa fonte. E, no caso da nona arte, podemos falar sobre a coleção Figuras do Rock em Quadrinhos, da editora V & R. Uma dessas que fiz questão de adquirir foi a de Jim Morrison, ex-vocalista do The Doors, que morreu aos 27 anos, em 3 de julho de 1971, em Paris.
“Jim Morrison — O Rei Lagarto”, material em questão, é uma graphic novel escrita por Luciano Saracino e ilustrada por Quique Alcatena. A dupla inicia a história no Père-Lachaise, cemitério onde o cantor foi enterrado.
Um personagem caminha pelo local em meia a gatos em busca do túmulo do artista. Nesse momento, o trecho de “A Balada do Cárcere de Readings”, do escritor irlandês Oscar Wilde, é apresentada: “E por lágrimas estranhas a urna fraturada da compaixão será enchida, pois párias vão chorá-lo, e os párias choram sempre”. O homem passa pelo túmulo do escritor antes de chegar ao de Jim.
E se começa depois da morte de Jim Morrison, a história ainda o vai mostrar sem vida em sua banheira, antes de voltar ao passado. Vale destacar que o vocalista do The Doors era dependente de álcool e drogas e, apesar de não haver causa exata da morte (não foi realizada autópsia), a especulação é sobre a possibilidade de overdose de heroína.
O começo
Mais um recuo no tempo, 1965. Dessa vez, Morrison está vivo, vomitado e inconsciente em um quarto de hotel. Quando seu companheiro de banda Ray Manzarek entra no recinto, encontra a letra de “Moonlight Drive”, música que uniu o grupo.
Mas a história do The Doors não começa aí, como mostra, posteriormente, a HQ. Em um encontro casual, naquele mesmo ano, Ray e Jim se encontraram na praia, em Los Angeles, e em uma conversa amena, Morrison, que resolveu não ir para Nova York, como havia planejado, apresentou a Manzarek suas ideias e composições — entre elas, “Moonlight Drive”.
“Vamos nadar até a lua, escalar a maré, penetrar a noite que a cidade dorme para esconder, vamos nadar, amor. É nossa vez de tentar, estacionados junto ao oceano, no nosso passeio ao luar”, cantou Jim Morrison ao amigo, que respondeu: “É a melhor letra que já ouvi na minha vida”. Era poesia pura. Manuel Bandeira por certo aprovaria (o bardo pernambucano era apaixonado pela música “Chão de Estrelas”, de Orestes Barbosa: “Mas a lua, furando o nosso zinco/ Salpicava de estrelas nosso chão/ Tu pisavas nos astros, distraída”).

Desenrolar
O decorrer da história mostra o começo difícil da banda, shows cancelados, a figura polêmica que era Jim Morrison, além de seu relacionamento com Pamela Courson e a metamorfose em “rei lagarto” — graças a ela, além de outros relacionamentos.
Ainda é possível ver as baladas, as drogas e encontros com o artista plástico Andy Warhol e a cantora Janis Joplin. E também com a polícia.
Apesar dos outros membros da banda, John Densmore e Robby Krieger, a revista foca, mesmo, é no relacionamento entre Jim e Ray. Manzek é apresentado como um amigo real de Jim Morrison, a quem fala o que é preciso. São alguns dos bons momentos do título.
“Sabia que no contrato de cada show há uma cláusula que a gente chama de ‘se o Jim estragar tudo’”?, conta Ray ao amigo e completa: “Trinta vezes essa cláusula nos deixou sem grana”.

Angústia
O livro mostra, entre outras coisas, as angústias de Jim Morrison ao perceber que o sonho de mudar o mundo com suas canções não seria possível. Afinal, a guerra do Vietnã se seguiu, a experiência com as drogas era uma farsa, Martin Luther King foi assassinado e Charles Manson usou uma música dos Beatles para matar suas vítimas. “E para piorar, Jimi [Hendrix] e Janis Joplin morreram.”
Na obra tudo isso é dito. Talvez, a sensação fosse maior ao leitor se as imagens falassem mais que os personagens. A obra tem formato de 29,7 x 21 cm e 64 páginas, e, além da história normal, tenta imergir o leitor em uma série de viagens lisérgicas de Jim Morrison, que podem não causar o impacto desejado — a mim, pelo menos, não causaram.
Não chega a ser nem um grande quadrinho e nem uma grande biografia, mas pode despertar o interesse por Morrison e pelo The Doors. Eu, que nunca curti a banda, até animei a ouvir “The End”, ao fim deste texto.
Autores
Luciano Saracino é escritor, professor, roteirista de cinema e quadrinhos. Argentino, como seu colega Quique, adaptou para os quadrinhos, também, uma obra do escritor uruguaio Horacio Quiroga: “Contos de Amor de Loucura e de Morte” (Iluminuras, 192 páginas, tradução de Wilson Alves-Bezerra).
Já Enrique “Quique” Alcatena chegou a ilustra “Conan, o Bárbaro”, na Marvel, nos anos 1980, passou por outros grandes personagens, como Batman e Superman, na DC.