Agostinho da Silva, um pensador lusófono

01 julho 2018 às 00h00

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Filósofo, poeta e ensaísta sempre teve múltiplos interesses, mas concentrou-se em áreas como literatura portuguesa e brasileira e as questões portuguesas

Adelto Gonçalves
Especial para o Jornal Opção
O filósofo, poeta e ensaísta Agostinho da Silva (1906-1994) sempre teve múltiplos interesses, mas concentrou-se em áreas como literatura portuguesa e brasileira e as questões portuguesas, deixando obras, artigos e ensaios que o colocam hoje como um dos maiores – senão, o maior – pensadores luso-brasileiros do século XX. Em “Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira”, volume I, que tem merecido reedições, o leitor encontrará textos pedagógicos e filosóficos oferecem uma ideia geral do pensamento agostiniano.
Um dos textos que se destaca entre os 28 artigos, prefácios de livros e ensaios aqui reunidos é aquele que carrega o título “Ensaio Para uma Teoria do Brasil”, publicado originalmente na revista “Espiral”, nºs. 11-12, de 1966, em que o autor diz que “a grande base do retardamento do Brasil como civilização nova vai estar no ciclo do açúcar e, mais que tudo, no ciclo do ouro, que provoca o quase despovoamento de Portugal em homens, fixa no Brasil uma tão elevada percentagem de europeus que o equilíbrio anterior se rompe e se perde aquele hibridismo de cultura que se apresentava como tão promissor”.
Para Agostinho da Silva, a partir daqui, “o indígena passa a ser uma minoria que se elimina rapidamente e a lei de Pombal, banindo o uso do tupi, é o ponto culminante do drama brasileiro, que consiste essencialmente em ver-se arrastada pelas correntes de um mundo europeu, que lhe é estranho, a nação que estava ensaiando um teor de vida inteiramente novo”. Dessa maneira, passou o Brasil a ser o que Portugal foi a partir do século XV, “um país ocupado pelo estrangeiro, quer a ocupação se faça com o direito romano, a arquitetura renascentista ou a poesia do tipo italiano, quer se processe com instituições da Contra-Reforma, a política de linha maquiavélica e, mais diretamente, as tropas de ordenação austríaca trazidas pelo duque de Alba”.
Segundo o pensador português, “a melancolia portuguesa que nitidamente se estabelece nesta altura, embora haja, e devido a outras ocupações, raízes anteriores, passa ao Brasil, ocupado também por uma característica de vivência que de nenhum modo correspondia aos seus anelos íntimos e às suas mais profundas disposições”.
Pois é essa melancolia que se faz cada vez mais intensa neste Brasil do início do século XXI, em que o País parece destinado a um futuro pouco promissor, de violência urbana desenfreada, sem políticos confiáveis que possam conduzir a Nação. O resultado disso é uma diáspora que pode repetir o fenômeno do século XVIII ao inverso, com os brasileiros seguindo cada vez em maior número para Portugal, em busca de uma vida mais tranquila. Até quando Portugal vai aguentar essa “invasão” é que não se sabe.
Nesse ensaio, Agostinho da Silva alertava ainda para a necessidade que o Brasil tinha de oferecer uma educação de massas, mas, como se vê, o alerta caiu no vazio. Hoje, a carreira de professor não atrai mais os jovens porque deixou de ser uma profissão digna, constituindo apenas um “bico”, ou seja, uma atividade-extra para reforçar o orçamento doméstico. E, como o professor está pouco capacitado para ensinar, aquele que aprende a ler, geralmente, mal entende o que lê porque, como dizia o pensador, não lhes cultivaram o hábito de “joeirar criticamente o que lê”.
Biografia
Nascido no Porto, George Agostinho Baptista da Silva, depois de concluído o ensino secundário, fez o curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto de 1925 a 1928, diplomando-se doutor em Filologia Clássica em 1929, com apenas 23 anos de idade.
Obteve bolsa para estudar História e Literatura na Sorbonne e no Collège de France (1931-1933). Em 1932, fundou em Lisboa o Centro de Estudos Filológicos da Universidade Clássica. Ganhou bolsa para estudar em Madri, mas deixou a Espanha devido à aproximação da guerra civil (1936-1939).
Em julho de 1943, foi preso pela polícia política do regime salazarista, a Pide, e ficou na cadeia do Aljube, permanecendo incomunicável durante 18 dias. Depois de libertado, foi-lhe imposta pena de residência fixa que cumpriu em Portimão. Em 1944, partiu com a mulher e um casal de filhos para o exílio, na América Latina. Em 1945, foi para o Uruguai, onde lecionou História e Filosofia em escolas de Montevidéu.
Em 1946, já na Argentina, organizou cursos de Pedagogia Moderna para a Escola de Estudos Superiores de Buenos Aires. Em 1947, fixou-se definitivamente no Brasil, onde viveu até 1969 com a sua segunda mulher, a professora Judith Cortesão (1914-2007), filha do historiador Jaime Cortesão (1884-1960), da qual teve seis filhos.
Entre 1948 e 1952, fixou-se no Rio de Janeiro, onde trabalhou no Instituto de Biologia Oswaldo Cruz, dedicando-se à investigação nas áreas de Zoologia, Entomologia e Parasitologia. Em 1952, mudou-se para João Pessoa a fim de ajudar a fundar a Universidade Federal da Paraíba. Em 1959, juntou-se ao professor Eduardo Lourenço na Universidade da Bahia, onde ensinou Filosofia do Teatro e pôs em marcha o projeto de conhecimento da África Negra, tendo fundado o Centro de Estudos Afro-Orientais.
Em 1961, foi nomeado assessor para a política externa do presidente Jânio Quadros (1917-1992). Em 1962, com Darcy Ribeiro (1922-1997), dedicou-se ao projeto da fundação da Universidade de Brasília e criou o Centro de Estudos Portugueses naquela instituição. Em 1963, com bolsa da Unesco, viajou para o Japão, onde deu aulas de Português. Conheceu ainda Macau e Timor e visitou os Estados Unidos e o Senegal.
Só regressou a Portugal após a morte de António de Oliveira Salazar (1889-1970). Depois do 25 de Abril de 1974, passou a lecionar em diversas universidades portuguesas. Na década de 70, o governo brasileiro o aposentou do ensino. Mais tarde, ele dirigiu o Centro de Estudos Latino-Americanos. Tempos depois, o governo português restituiu-lhe os salários retroativos aos anos da ditadura salazarista. Despreocupado com a questão financeira, viajou, escreveu, recebeu medalhas e títulos, além de ter concedido muitas entrevistas a órgãos de imprensa. Faleceu em 1994, em Lisboa, aos 88 anos.
É ainda autor de “A vida de Pasteur” (Seara Nova, 1938), “Sanderson e a Escola de Oundle” (Inquérito, 1941), “Moisés e Outras Páginas Bíblicas” (1945), “Um Fernando Pessoa” (Agir, 1958), “Um Fernando Pessoa e Antologia de Releitura” (Guimarães, 1959), “Quadras Inéditas” (Ulmeiro, 1990), “Do Agostinho em Torno do Pessoa” (póstumo, 1997) e “Uns Poemas de Agostinho” (póstumo, 1997), entre outros.
Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo