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Como resumir um livro de crônicas com histórias e impressões tão distintas, das memórias e dramas familiares às angústias vividas durante o isolamento provocado pela pandemia de Covid-19? Mas, quando elaboro essa pergunta, penso que, ao mesmo tempo, consegui apresentar, em síntese, o que a jornalista Ana Cláudia Rocha escreveu e que se tornou matéria-prima do livro “A Menina Que Não Abracei”, obra de sua autoria lançada recentemente.

O livro é um mosaico de emoções, confissões e lembranças, que levam o leitor a embarcar em uma viagem rumo à intimidade da numerosa família Rocha, descendentes de Ana e Benedito Rocha, alguns deles muito conhecidos no meio jornalístico. A própria Ana Cláudia foi minha colega de redação, seu irmão Reynaldo foi meu superior. O outro irmão Hélio também foi colega de redação; e Eduardo, por sua vez, trabalhou no ramo publicitário com meu marido.

O médico Edgard, irmão de Ana Cláudia, conheci mais tarde, no encontro dos jogadores do time de futebol da família, no Clube Atlético Popular, o CAP, onde meu marido também jogou. Aliás, foi com emoção que li a crônica sobre a reunião dos jogadores de futebol sênior, pois também estive lá e fui testemunha daquele reencontro. Então, a missão de resenhar o livro de Ana Cláudia se mostrou uma responsabilidade ainda maior, devido à proximidade, aos caminhos que se cruzaram várias vezes com alguns dos Rocha, mas preferi não me acovardar e aceitar o desafio.

Ana Cláudia Rocha, jornalista e escritora | Foto: Facebook

Afinal, “A Menina Que Não Abracei” é uma obra escrita, sobretudo, com o coração, com aquele olhar da personagem Pollyana, do livro de Eleanor H. Porter, publicado em 1913 e considerado um clássico da literatura infantojuvenil. Eu também li os livros dessa menina que gostava do “jogo do contente” e buscava extrair o mais belo e positivo de todas as coisas, mesmo das aparentemente mais desagradáveis.

A própria Ana Cláudia se confessa uma “Pollyana” de carteirinha, ao procurar consolo e alegria nos momentos de isolamento social, que para ela devem ter sido bem mais difíceis de enfrentar pelo fato de ser oriunda de uma família de nove irmãos, conviver toda a infância e adolescência em uma casa acolhedora e movimentada por muitos familiares e amigos. E depois, pelo histórico de colunista social, de estar sempre envolvida com reuniões e encontros. O isolamento, nesse caso, foi uma dura prova a ser enfrentada naqueles dois anos mais difíceis de nossas vidas.

Mas, além da visão apaixonada da vida, da forte religiosidade e do amor à família, as crônicas de Ana Cláudia transbordam sensibilidade. Quando fala dos pais, ele o poeta, ela sua musa; quando testemunha a emoção da maternidade, que foi mesclada com a perda do patriarca ao mesmo tempo em que se anunciava a vinda da primeira filha. Ela relata, de uma forma tão linda, as dores, alegrias e medos de ser mãe; e depois, a tristeza e a coragem para enfrentar o ninho vazio, quando os filhos se vão para constituir suas próprias famílias. A perda do irmão Reynaldo, o acidente vascular do irmão Edgard, e a morte precoce do sobrinho Rafael são capítulos repletos de amor e tristeza, que transbordam sentimentos e nos mostra como ela foi criada em uma família aconchegante e unida.

O cultivo às raízes também é outro forte das crônicas de Ana Cláudia. Ela fala, com jeito carinhoso, também sobre Corumbá de Goiás, cidade histórica goiana, terra natal de seus pais, que de lá se mudaram para a jovem capital goiana em busca de melhores oportunidades para criar a numerosa prole. Outro cenário recorrente é a casa da família, localizada na Rua 72, no Centro, com seu alpendre, em uma época em que não havia insegurança na cidade e tampouco cercas altas. Os vizinhos eram conhecidos e amigos. No fundo, o quintal com as árvores frutíferas, matéria-prima para os doces postos à mesa nas reuniões dominicais, e local do campinho de futebol tão famoso, palco dos jogos do Clube Atlético Popular (CAP).

Em uma das crônicas, a autora nos apresenta Cida, a vigilante dos cartazes de supermercados, protetora da Língua Portuguesa, pessoa que não deixava passar um aviso com o nome das hortaliças grafado de forma errada, desafiando as normas da ortografia. Logo após o final do ponto alto da pandemia, uma viagem a Brasília, agora já sem a obrigatoriedade da máscara facial, é relatada como se fosse uma reconquista da liberdade perdida, com muito lirismo. Nas crônicas em que Ana Cláudia conta a perda do sobrinho Rafael nos sentimos transportados para aquele momento de tristeza, mas a fortaleza e a religiosidade da escritora nos ensinam que é preciso aceitar e confiar nos desígnios divinos, mesmo com a alma enlutada.

Mas foi a crônica “Pelas estradas de Minas” (a única que vou nomear aqui) que mais me agradou. A família Rocha vai a Belo Horizonte acomodada na kombi batizada de “Rochamóvel”, e a escritora explica que era o ano de 1980 e o papa João Paulo II tinha visitado recentemente a capital mineira e sido conduzido pelo “Papamóvel”. O que mais marcou a viagem familiar, encabeçada pelo patriarca Benedito Rocha, foi a visita ao Santuário de Nossa Senhora de Piedade, construído no alto da serra. “Viajar é renovar a alma”, ressalta a autora, encantada por subir as montanhas de Minas e poder conhecer um lugar considerado mágico por ela.

E a autora diz, a respeito do santuário católico: “O local era meio lindo, místico. A arquitetura divina da igreja e o cenário nublado de um céu esbranquiçado criavam uma impressão curiosa, entre o universal e o rústico, entre o simplório e o majestoso. Rezamos, agradecemos, pedimos”. Obrigada, Ana Cláudia, por abrir as portas da sua alma e de sua família, para nos brindar com crônicas de tão linda sensibilidade.

Ana Cláudia Rocha nasceu em Goiânia (GO) e se formou em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atuou como repórter, subeditora e editora do Caderno de Cultura de “O Popular”, e foi colunista social (e sempre uma repórter de primeira linha; no lugar de “promover”, colocava a informação no centro do palco). Integrante de uma família de jornalistas, ainda menina sentiu sua vocação de comunicadora falar mais alto, conforme conta em uma de suas crônicas. Atua também como redatora e organizadora de eventos. Possui textos publicados em coletâneas como o livro “Campininha das Flores”, “Histórias de Ternura” e “Memórias de Rocha — Vida e Obra de Benedito Odilon Rocha”. É autora de crônicas no projeto “QuintAna” nas redes sociais. Integra a Academia Corumbaense de Ciências, Letras, Artes e Música, onde ocupa a cadeira número 4, cujo patrono é Benedito Odilon Rocha, seu pai.

Mariza Santana é jornalista e crítica literária. E-mails: [email protected]