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Fernando Cupertino

Era um domingo de manhã. Eu já estava sentado à mesa para o café, quando minha neta veio juntar-se a mim.

— Bença, vô… bom dia!

— Deus a abençoe, minha linda. Dormiu bem?

— Demais!… nem vi a chuva.

Eu já havia tomado meu costumeiro café com leite, ou melhor dizendo, leite com café, para fazer justiça às proporções da mistura. Um pãozinho com manteiga e geleia havia completado a frugalidade da refeição, a fim de dar espaço calórico e glicêmico para um generoso pedaço de goiabada cascão, num indispensável casamento com o queijo meia cura.

Minha neta, militante dessas dietas “fit”, que demonizam o açúcar e a sua tão esperada metamorfose em compotas, doces e outros deliciosos atentados ao regime, dirigiu-me um olhar reprovador, mas ao mesmo tempo complacente. Afinal, como deixar que um assunto assim atente contra o afeto que nos une, não é mesmo?

— Vovô, você vai mesmo comer goiabada com queijo no café da manhã?

E eu, candidamente:

— Vou sim, senhora…

— Você é louco por goiabada, não é mesmo?

— Sim, muito! De preferência a cascão, artesanal, com um bom pedaço de queijo meia-cura, como esse aqui. Isso é um autêntico paraíso!

— Mas, vô — disse ela entre risos — quem lhe garante que no Paraíso haverá goiabada com queijo?

— Ora essa, menina. Há algumas coisas a considerar. Primeiro, por mais que me esforce, não tenho nenhuma certeza de que merecerei o paraíso, no fim dos meus dias, pelo que, aliás, não tenho nenhuma pressa. Assim, como é sempre melhor não trocar o certo pelo duvidoso, vou comendo minha goiabada com queijo por aqui mesmo…

— Mas, Vô, minha pergunta não foi essa. Perguntei se no paraíso haverá goiabada com queijo e você não me respondeu. O que acha? Há ou não há?

— Veja bem, minha flor: se eu lá chegar, hei de me encontrar, por certo, com São Pedro, pois é ele quem tem as chaves do paraíso dependuradas no cinto. E antes de entrar, vou logo perguntar se no Paraíso há ou não goiabada com queijo.

— Tudo bem, vô. Se ele disser que sim, estará tudo resolvido. Mas e se ele disser que não há?…

— Impossível! Mas se eu ouvir dele um absurdo desse tamanho, vou logo querer saber onde está o livro de reclamações dos clientes, ou o telefone do Procon celestial, pois como é que se pode conceber um paraíso sem goiabada com queijo? Se não houver, paraíso por certo não há de ser!…

Ela desistiu de encompridar a conversa e eu, pensando nessa terrível hipótese, tratei logo de comer mais um pedaço, pelo sim, pelo não…

Fernando Cupertino, médico, professor de Medicina, escritor e compositor, é colaborador do Jornal Opção.