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Existem diversas citações sobre a repetição da história. A mais conhecida delas talvez seja a de Karl Marx, mas particularmente gosto da do filósofo George Santayana: “aqueles que não conseguem se lembrar do passado estão condenados a repeti-lo”. Em oito de fevereiro de 1976 o Jornal Opção já publicava reportagem sobre o ressecamento de Goiânia, sobre a necessidade de preservar árvores e água dessa jovem cidade. Confiram a matéria:

” Goiânia a caminho do ressecamento”, texto de Carmo Bernardes, da edição de domingo 08/fevereiro/1976 Página 12.

“Talvez seja interessante consultar os arquivos das estações meteorológicas de Goiânia para se obter um dado seguro do progresso já alcançado na modificação do clima na área de Capital. É necessário saber se os níveis de depressão na umidade relativa do ar registrados atualmente durante a estação seca diferem muito de épocas anteriores. De par desses parâmetros, a sugestão de medidas a tomar terá o apoio do fato tecnicamente constatado e, portanto, maior força de exigência. É conhecido o fenômeno do abandono progressivo da água nas regiões desgastadas.

As áreas construídas, o capeamento de asfalto, a compactação de terra desprovida de árvores, a devastação da cobertura vegetal em grandes extensões, fazem com que o solo perca as propriedades físico-químicas que the garantem a retenção da água. O professor Jean Dorst (1) diz que “as civilizações nascem e prosperam em certa medida, em função de uma feliz administração do capital hídrico. Se considerarmos os exemplos das grandes civilizações do Oriente Próximo, constataremos que nasceram na orla dos desertos, tornados férteis pelo homem que soube aproveitar as aguas vindas das montanhas vizinhas. A ruína dessas civilizações foi, em parte determinada pela erosão das montanhas que deixaram de funcionar como coletores acumuladores hídricos”.

Neste caso, entra em jogo uma série de mecanismos os mais complexos, provenientes em grande parte do fato de as precipitações pluviométricas não infiltrarem no solo. Na medida em que o leito dos ribeirões vão recebendo obras de retificação e drenagem, forçando a vasão a fluir numa linha reta e em velocidade arbitrária ao seu regime natural primitivo, o escoamento de águas pluviais é grandemente facilitado, em prejuízo da infiltração. No correr do tempo, com a área afetada sofrendo um déficit de infiltração sempre crescente, vai havendo um visível abaixamento do lençol subterrâneo. A grita geral, e que se agrava de ano para ano, das populações dos bairros mais altos da cidade por falta de água nas cisternas, é o indicio mais seguro disto.

Não há dúvida que a atividade humana, concentrada num habitat, modificando-o por meio de drenagem, de erosão e de impermeabilização do solo em regiões distantes dos oceanos e das florestas , tem repercussão de grande amplitude no clima. E em Goiânia essa repercussão é sentida principalmente na qualidade do ar que respiramos, cujo o percentual de umidade vem baixando de ano para ano, a ponto de alcançar índices inferiores a 20% nos meses de julho e agosto, o que é considerado muito abaixo do exigido para uma boa qualidade da vida.

Embora os fenômenos naturais não se façam assim tão simples, parece elementar, entretanto, o silogismo de que “se a terra não acumula água, logo não pode evaporar, e não evaporando não haverá umidade no ar”.

Outro aspecto que deve ser considerado, quando se procura as causas do “ressecamento” da atmosfera de Goiânia, pode ser identificado pelas indicações do professor Abreuville, num trabalho seu publicado em 1949, sobre a mesma questão no Sudão (Africa).

Diz o cientista francês que “é preciso considerar a influência: das florestas densas-úmidas como um prolongamento da ação dos mares para o centro do continente e, do ponto de vista da pluviosidade e da umidificação desse continente, considerar as orlas interiores da floresta como a costa do oceano. Para se ter uma ideia do volume de massa liquida evaporada que a área de influência de Goiânia perdeu com a extinção dos bosques que circundavam a cidade e que existia mesmo no interior do setor urbano e foram predados, vejamos e que diz a ciência: “… segundo dados de Franco e Inforzato Eucalyptus saligna de 7 anos de idade consome 49.000 m3/ha/ano de água.

Segundo Vilaca e Ferri (1954- Boletim da Faculdade de de Filosofia e Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, isso corresponde a um consumo de 19.600 litros por planta durante um ano. Esses autores, partindo de dados de Rawitscher Ferri (1943) mostraram que of nosso cedro (Cedrela fissilis) consome muito mais: uma planta isolada, de 6 anos, gasta 37.500 litros por ano. (…) Cana de açúcar também consome muito.

Dados de Meguro Ferri (1956 Anuário da Academia Brasileira de Ciência) revela um gasto de 32.344 268 litros/alqueire/ano, o que corresponde a 1.336 mm de pluviosidade anual, em região com precipitação do 1.400 mm por ano. Ora, isto parece uma fábula. Descontando os valores em metros cúbicos que uma árvore retém no seu tronco, ramos e folhas, do que dela evapora diariamente de resto para umedecer a atmosfera obteremos um quadro de fazer parar para refletir.

A gigantesca espoliação do clima, perpetrada pela devastação irracional das áreas verdes, interior e circundantes de Goiânia, que hoje ressentimos duramente na desidratação periódica das crianças, nas sérias complicações das moléstias pulmonares e no ressecamento da pele, esta última a levar o Dr. Jeronimo Bueno a afirmar que Goiânia talvez seja a cidade que as mulheres consomem mais cosméticos no Brasil, é uma nota desoladora de imprevidência das nossas administrações passadas.

Não só os administradores, mas também os intelectuais, que têm a obrigação de conhecer essas questões e de alertar as autoridades, não terão a absolvição da história. Considerando a espetacular contribuição que as florestas oferecem purificação e a umidificação do ambiente, não será intempestivo dizer que os 30% em média de umidade que ainda podemos respirar em Goiânia são fornecidos pelas reservas florestais do Dr. Altamiro.

Para terminar estas considerações com uma nota alegre, mas perfeitamente razoável, a atmosfera “molhada” que ainda respiramos nesta cidade espoliada pertence ao Dr. Altamiro Pacheco e dela usufruimos enquanto ele não resolver abrir lavouras nos seus matos.

(1)-“Antes que a Natureza Morra” Coordenação do professor Mário Guimarães Ferri Condição das Ed. Edgard Blucher Ltda. e Ed. Da Universidade de São Paulo, 1973.