O Poder Naval como elemento-chave para a supremacia global

23 janeiro 2024 às 15h57

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*Antônio Caiado
A obra de Alfred Thayer Mahan no final do século 19, enfatizando a importância crucial do poder naval para a supremacia global, oferece um pano de fundo histórico relevante para compreender as dinâmicas atuais das relações internacionais marítimas. Seus princípios, que uma vez guiaram a expansão e o domínio naval dos Estados Unidos, ressoam nas tendências contemporâneas de poder marítimo, particularmente no contexto da ascensão da China e dos desafios enfrentados pelos Estados Unidos.
No cenário atual, as questões marítimas têm adquirido uma importância crescente nas relações globais. A ascensão naval da China e o declínio relativo da capacidade naval dos Estados Unidos refletem uma mudança significativa no equilíbrio do poder marítimo. Os EUA, tradicionalmente dominantes nos oceanos, agora enfrentam o desafio de manter sua preeminência frente a uma China em ascensão, que tem investido maciçamente em sua frota naval.
Os conflitos e tensões em regiões estratégicas como o Mar Vermelho, onde terroristas Houthis ameaçam a navegação, e o Mar da China Meridional, destacam a relevância do controle dos mares no cenário geopolítico contemporâneo. A instabilidade nessas áreas não só afeta o comércio global, mas também tem profundas implicações estratégicas para as potências envolvidas. No caso do Oriente Médio, uma região crítica em termos geopolíticos e geográficos, ele é circundado por mares e estreitos de significativa importância estratégica. O Estreito de Ormuz, por exemplo, é um ponto nevrálgico para o transporte global de petróleo, ligando os produtores do Golfo Pérsico ao resto do mundo. O controle desse estreito, muitas vezes contestado entre Irã e países vizinhos, é vital para a segurança energética global. Em tempos de conflito, a ameaça de fechamento do Estreito de Ormuz pode ter um impacto substancial nos mercados globais de petróleo e na economia mundial.
Além disso, o Mar Mediterrâneo, que faz fronteira com o Oriente Médio ao norte, também é um espaço marítimo estratégico, atuando como um ponto de ligação entre a Europa, a Ásia e a África. A presença naval na região do Mediterrâneo Oriental tem se intensificado devido às descobertas de reservas de gás natural, levando a disputas territoriais e preocupações de segurança, particularmente entre países como Israel, Chipre, Turquia e Egito.
Em caso de conflitos armados, o domínio dessas rotas marítimas e estreitos pode servir como um poderoso instrumento de pressão política e econômica, além de ser crucial para operações militares e estratégias de defesa. Portanto, a estabilidade nessas áreas é fundamental não apenas para a segurança regional, mas também para o equilíbrio geopolítico e econômico global, e é exatamente por isso que Estados Unidos e Reino Unido têm atuado no combate às ações dos terroristas Houthis do Iêmen.
No Extremo Oriente temos a Ilha de Guam, um território dos EUA no Pacífico, que se tornou um ponto de tensão entre a China e os Estados Unidos. Sua localização estratégica e as bases militares americanas significativas têm atraído a atenção da China, que vê Guam como um elo crucial na cadeia de defesa dos EUA no Pacífico. Este interesse crescente da China na região tem levado a um aumento nas atividades navais e aéreas, exacerbando as tensões e destacando a importância estratégica de Guam em um possível conflito.
Além disso, o comércio marítimo global e a infraestrutura crítica, como cabos de telecomunicações submarinos, desempenham um papel vital na economia mundial. A dependência dessas rotas marítimas e infraestruturas tem sido evidenciada por eventos disruptivos recentes, como a pandemia de COVID-19 e o bloqueio do Canal de Suez. Neste sentido, a importância geoestratégica no conflito entre Rússia e Ucrânia é um ponto crítico. O controle desta região é crucial para a Rússia, que vê o Mar Negro como essencial para sua segurança e projeção de poder. A anexação da Crimeia pela Rússia e o subsequente conflito na Ucrânia intensificaram a importância do Mar Negro, tanto para a projeção de poder militar quanto para o controle das rotas de comércio e energia.
Em vista de tudo isso, existem muitos desafios no domínio naval que incluem a implementação de estratégias de bloqueio, a minagem de águas estratégicas e o uso crescente de tecnologias não tripuladas. Estes desenvolvimentos têm demandado uma complexidade crescente nas operações navais e também a necessidade de manter um forte poder de dissuasão e projeção marítima. Neste caso, a ascensão naval da China é particularmente notável e serve como exemplo, refletindo um foco estratégico no desenvolvimento de uma marinha capaz de projetar poder e proteger seus interesses comerciais e estratégicos. Sendo assim, os EUA e seus aliados precisam reavaliar suas estratégias navais para enfrentar este novo ambiente, enfatizando o fortalecimento de capacidades marítimas e a formação de alianças robustas.

A análise das atuais dinâmicas marítimas globais sugere uma volta aos princípios estratégicos de Mahan. A ascensão da China e o terrorismo no Oriente Médio evidenciam a necessidade de uma estratégia marítima renovada, focada na manutenção do poder naval como um elemento-chave para a supremacia global. Assim como Mahan previu, os mares continuam sendo uma arena crucial para o exercício do poder e influência no cenário mundial.
*Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 136º Maneuver Enhancement Brigade (MEB) senior advisor, analisando informações para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.