De helicópteros a festas na selva: influencers do garimpo ilegal somam 60 mil seguidores

17 agosto 2025 às 17h00

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A ostentação é a palavra de ordem nas plataformas digitais. Influencers compartilham viagens ao exterior, carros de luxo, iates no Mediterrâneo e jantares em restaurantes cinco estrelas. Agora, até a prática de crimes ambientais virou motivo para “ostentar”.
Perfis de redes sociais têm incentivado a exploração ilegal de minerais e pedras preciosas em biomas como a Amazônia e em estados como Pará e Goiás. Nessas páginas, são compartilhadas dicas sobre como escapar da fiscalização do governo, além de orientações para a produção de azougue (mercúrio líquido) e até instruções para enterrar maquinários a fim de evitar sua destruição em operações de combate ao garimpo ilegal.
Ao longo de quatro meses, o Jornal Opção acompanhou as redes sociais de quatro garimpeiros: carloseduardo, elizeuchico, leandroisrael e aerogarimpo — sendo esses dois últimos responsáveis pela rota aérea dos produtos, principalmente o ouro. Juntos, os perfis somam 60 mil seguidores.
O perfil mais ativo e, consequentemente, com mais seguidores é o aerogarimpo. São 523 posts e 26 mil acompanhantes, que ao entrar na página já se depararam com a mensagem: “garimpeiro não é bandido, é trabalhador”.
No espaço, é possível ver, além da exploração de ouro e a ostentação com veículos de luxo, pepitas e até a atuação de indígenas. Há ainda as festas realizadas nos garimpos e em prostíbulos no meio da selva.
A venda de aeronaves usadas no transporte ilegal também fazem parte do repertório na págino. Helicópteros, teco-tecos e jatos são vendidos a preços que começam em R$ 400. A aeronave mais cara apurada pela reportagem é um helicóptero, modelo 2008, que custa R$ 1,4 milhão. O mesmo veículo foi postado pelo piloto em voos pela Amazônia, Minas Gerais e Pará.
“Garimpeiros frequentemente utilizam helicópteros, especialmente em áreas de difícil acesso, como a Amazônia, para atividades de garimpo. Esses helicópteros são usados para transportar equipamentos, suprimentos e até ouro extraído, além de facilitar o acesso a áreas remotas onde ocorrem as atividades de garimpo. Essa é a verdadeira rota do garimpo”, diz a postagem compartilhada em 21 de julho, que chegou a marca de 8,8 mil curtidas, 247 comentários e 4,7 mil compartilhamentos.
Outro influencer do garimpo ativo é Carlos Eduardo, que soma quase 10 mil seguidores e 13 postagens. Minerando no Maranhão, ele costuma compartilhar a rotina de “formiga”, como são conhecidos os garimpeiros que trabalham diretamente na terra.
“Já dizia meu vovô, acessório é ouro, carro é Toyota e investimento é bom é garimpo ilegal. Cuida que a grama tá R$ 600”, diz em uma postagem realizada no dia 11 de abril.
“Mais difícil que entrar no garimpo é sair dele. É um vício. Às vezes a gente tem que olhar os problemas é falar: eu vou para o garimpo”, publicou em vídeo de 30 de março – data do primeiro vídeo disponível no perfil.
Apelo social
Embora considerado uma prática rentável, o garimpo requer investimentos altos. As chamadas dragas do garimpo podem custar entre R$ 1 e 8 milhões de reais, e são um dos principais alvos da fiscalização, que visa causar prejuízos às operações.
Além destes, há uma série de outros itens, como as retroescavadeiras, aeronaves e os próprios motores para as máquinas, que são visados nas ações. Somente em 2023, a destruição de equipamentos por agentes governamentais resultou em mais de R$ 1 bilhão de prejuízo ao garimpo no Brasil.
Uma das principais funções das redes sociais para os garimpeiros é a defesa da atividade, que conta até com o tradicional slogan: “garimpeiro é trabalhador, não bandido”, como divulgado pelo perfil aerogarimpo.
Vídeos publicados em redes sociais criticam ações das autoridades contra o garimpo ilegal, especialmente quando dragas e retroescavadeiras são queimadas durante operações. Com forte apelo nas plataformas digitais, essas postagens costumam trazer áudios ao fundo que relatam as dificuldades da atividade e incentivam a persistência no garimpo. Em alguns casos, os conteúdos chegam a retratar “dias de luto” após a destruição dos equipamentos.
“Garimpeiros do interior do Mato Grosso estão vivendo cenas de terror e destruição pelos órgãos ambientais. Maquinário sendo queimado e áreas devastadas, além de trabalhadores em pânico. A situação gera um clima de medo, revolta e incerteza na região”, afirma o perfil aerogarimpo.
Aumento do garimpo
A rentabilidade do crime organizado é maior com a extração e a produção de ouro ilegal do que com o tráfico de cocaína, revelou estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Enquanto polícias Militar, Civil e Federal atuam no dia a dia contra o tráfico internacional de drogas, quem tem atribuição legal para combater garimpeiros é somente a PF.
Entretanto, embora seja um crime federal, há exceções como no Estado de Goiás. Apenas neste ano, o Batalhão Ambiental da Polícia Militar de Goiás (PM-GO) — principal força de combate ao garimpo ilegal no Estado — desarticulou cerca de 13 pontos de garimpo sem a devida autorização em seis municípios goianos: Santa Cruz de Goiás, Goianésia, Diorama, Cristalina, Jaraguá e Goianápolis.
Ao todo, mais de 140 pessoas foram detidas por garimpo em Goiás apenas neste ano, número 712,5% superior ao contabilizado em todo o decorrer de 2024, que foi de 16.
“Embora não haja um levantamento oficial e constantemente atualizado sobre a origem de todos os garimpeiros ilegais em Goiás, informações de operações e investigações indicam a presença de indivíduos provenientes de Estados como Pará, Minas Gerais, Maranhão e Tocantins”, explicou o 1° tenente Darildo José Leite, do Batalhão Ambiental, em entrevista ao Jornal Opção.
Além da migração de indivíduos oriundos de Estados onde há forte atuação de mineração tanto legal quanto ilegal, a corporação também costuma flagrar goianos entre os garimpeiros ilegais. De acordo com Darildo, a incidência de garimpo ilegal em Goiás pode variar ao longo do tempo devido a fatores como a descoberta de novas áreas com potencial mineral, a intensificação da fiscalização em determinadas regiões e a dinâmica do mercado de minérios.
No entanto, com base em informações de órgãos ambientais e de inteligência, algumas cidades e rios costumam apresentar maior presença do crime ambiental, como: Cavalcante, Alto Paraíso de Goiás, São Domingos, Crixás, Santa Terezinha de Goiás e Itapirapuã.
Em relação aos rios, o tenente lista: Rio Tocantins, Rio São Bartolomeu, além de cursos d’água da região norte do Estado, como pequenos rios menores e córregos. A busca indiscriminada por minérios, principalmente ouro e cristais, porém, tem cobrado o seu preço, afetando a qualidade da água e, consequentemente, a biodiversidade.
“Embora o ouro e os cristais sejam os mais comuns, em algumas áreas podem ser encontrados outros minerais de interesse, como diamantes, mas em menor escala. É importante ressaltar que a exploração ilegal de qualquer minério causa impactos ambientais significativos, como desmatamento, erosão, contaminação de rios por mercúrio (utilizado na extração de ouro) e perda de biodiversidade”, reforça.
Desafios e fiscalização
O combate ao crime não é simples. De acordo com o Batalhão Ambiental, uma das maiores dificuldades está na localização dos garimpeiros, que geralmente atuam em regiões de difícil acesso, como matas densas, margens de rios isolados e áreas sem infraestrutura viária. Nesses casos, a chegada aos pontos de exploração só é possível por meio de embarcações ou longas caminhadas com apoio aéreo.
Mesmo com o uso de tecnologia de rastreamento, sistemas de informação e bancos de dados, a logística das operações continua sendo um obstáculo. O transporte de equipamentos, de efetivo e, em alguns casos, de materiais apreendidos e pessoas presas exige tempo, planejamento e recursos significativos.
A depender do meio utilizado de extração e da localização, os equipamentos acabam sendo destruídos no local da apreensão, como balsas improvisadas. Apenas em 2024, 11 embarcações flutuantes foram localizadas em posse de garimpeiros em Goiás. Elas estavam em locais considerados remotos.
Outro fator que exige atenção e táticas por parte dos agentes é a própria organização e estrutura dos garimpos. Darildo conta que, muitas vezes, os criminosos possuem uma estrutura organizada, com sistemas de comunicação próprios, rotas de fuga e até mesmo vigilância, na tentativa de dificultar a aproximação das equipes.
“Em algumas situações, os garimpeiros ilegais podem oferecer resistência à fiscalização, inclusive com o uso de violência, colocando em risco a integridade física dos policiais ambientais. Porém, essa dificuldade é sanada com o preparo ambiental e operacional que os policiais têm”, afirma.
A identificação e localização exata dos garimpos ilegais também podem ser desafiadoras, devido à extensão territorial do Estado e a limitação do efetivo policial, além da dinâmica da atividade e da capacidade de ocultação dos infratores. A obtenção de informações precisas e atualizadas, seja por meio de denúncias ou de levantamento, é fundamental para o sucesso das operações.
“Por ser um crime federal, as apreensões de equipamentos, minérios e outros materiais relacionados à atividade ilegal são, em geral, encaminhadas à Polícia Federal, que possui competência para investigar crimes federais. Porém, a complexidade da legislação ambiental e os trâmites burocráticos podem, em alguns casos, dificultar e alongar os processos de autuação e responsabilização dos infratores”, concluiu Darildo.
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