Cooperação do agronegócio pode evitar que crise afete todos os goianos de maneira drástica
10 novembro 2022 às 23h56
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Ninguém, em sã consciência, pode sugerir que o agronegócio não é importante para todos os Estados, portanto para o Brasil. Como a economia está inteiramente conectada, um setor alimenta a expansão de outro setor. Se o agronegócio se expande, a indústria também cresce, assim como o mercado financeiro. O resultado é um mercado interno fortalecido, o que gera riquezas individuais, mas também proporciona mais recursos aos governos para utilizarem-nos em benefícios para a sociedade. Noutras palavras, sob o comando do Estado, imbricam-se crescimento e desenvolvimento. Porém, sem a intervenção do Estado, o crescimento por si só não levará necessariamente ao desenvolvimento, ou seja, à distribuição de parte substancial dos ganhos do crescimento com a maioria das pessoas.
O governador Ronaldo Caiado é um político liberal, quer dizer, defende um Estado mais enxuto e menos dispendioso para a sociedade. Entretanto, acima de questiúnculas ideológicas e políticas, é um gestor que tem consciência de que governa para todos, e não para setores específicos. Poucos gestores do país conhecem tanto o agronegócio — a pecuária e a agricultura. Primeiro, porque também é produtor rural. Segundo, porque é defensor daqueles que, de maneira abnegada, produzem alimentos no campo de Goiás e do país. A sua história é a de toda uma vida atuando na defesa dos produtores rurais — seja como líder ruralista, deputado federal, senador e, agora, governador.
O político limitado por peias ideológicas, às vezes percebe a árvore, mas não a floresta. Ronaldo Caiado vê a árvore (o indivíduo isolado) e, também, a floresta (a sociedade, que precisa do amparo do Estado). Como governador, tem de pensar — é um imperativo — em todos os goianos, e não apenas nos produtores rurais, nos industriais etc. O presidente Franklin Roosevelt, quando criou o New Deal, na década de 1930, contribuiu, de maneira decisiva, para retirar os Estados Unidos da depressão (uma crise econômica gigante). Porém, como usou o Estado para recuperar o país, aumentando a intervenção na economia, acabou sendo chamado até de “comunista” — o que, evidentemente, não era. O tempo deu razão ao presidente — que, dada a poliomielite, governava o país a partir de uma cadeira de rodas —, pois a recuperação da economia ocorreu. Roosevelt e seus auxiliares, como o extraordinário Harry Hopkins, souberam perceber que às vezes é preciso salvar o capitalismo “dos” capitalistas e… “para” os próprios capitalistas.
Os produtores rurais de Goiás (vários são exportadores), por certo, estão lendo as notícias sobre a economia norte-americana. O economista Nouriel Roubini fala numa crise semelhante à da década de 1970 (a crise do petróleo), o que vai afetar a economia global, não apenas a dos Estados Unidos e a da Europa. Dada a força do agronegócio — até porque o mundo, com ou sem crise, não deixará de comprar alimentos —, a crise atingirá menos os produtores rurais. Mas os governos (e aqueles que têm dívidas em dólar) sentirão certo abalo.
Num momento de instabilidade nacional, que pode sofrer uma aceleração — ante a iminência de uma crise internacional —, é necessário rever certas questões. Ou seja, é preciso entender e aceitar que determinadores setores da economia têm mais condições de contribuir com a sociedade e, ao mesmo tempo, consigo mesmo.
Os produtores rurais sabem que, para se tornarem mais competitivos, num mercado agressivo, é preciso ter, digamos, algumas “vantagens”. Por exemplo: um sistema de escoamento — rodovias e pontes bem cuidadas, em caráter permanente, o ano inteiro — eficiente e rápido. Porém, para manter uma infraestrutura em condições adequadas, o governo de Goiás, e de outros Estados, precisa de recursos financeiros — ainda que, por assim dizer, em caráter emergencial.
Para manter Goiás com uma infraestrutura em perfeitas condições, para tornar o agronegócio local altamente competitivo e eficiente, o governo de Ronaldo Caiado tomou uma decisão: enviou dois projetos de lei para a Assembleia Legislativa cujo objetivo é criar e substanciar o Fundo Estadual de Infraestrutura, o Fundeinfra. Trata-se de uma contribuição sobre a produção agropecuária, incidente sobre a produção de milho, soja, cana de açúcar, carne para exportação e minérios.
É crucial entender que o dinheiro do fundo será utilizado exclusivamente para obras de infraestrutura que vão beneficiar… o setor agropecuário. A rigor, o que se retira dos produtores voltará para eles, em forma de benefícios, que vão facilitar o escoamento-distribuição de seus produtos. Não é, portanto, um recurso que fica com o Estado.
A contribuição não é, a rigor, alta. É de até 1,65% sobre o valor de comercialização do produto. Um detalhe é relevante e precisa ser observado com atenção: o produtor pode optar ou não pela contribuição. Porém, a manutenção de benefícios fiscais e regimes especiais de tributação — cujo objetivo é desonerar o setor agropecuário — depende da adesão à contribuição.
O governo de Goiás estima que, com o Fundeinfra, poderá arrecadar de 700 milhões a 1 bilhão de reais. Como se sabe, a redução da alíquota de ICMS na comercialização de energia elétrica e combustíveis deve gerar um impacto de 4 bilhões de reais para o Tesouro do Estado.
Apesar de sua importância, dada a integração da economia — a compra de um trator pelo setor agropecuário gera e mantém empregos na indústria —, a pecuária e a agricultura são os setores menos tributados em Goiás. Contribuíram, em 2021, com 1,61% da arrecadação total do governo do Estado. Nos últimos 12 meses, a maior contribuição derivou do setor de combustíveis, com 7 bilhões de reais (em impostos para o governo). A indústria comparece em segundo lugar, com 5,5 bilhões de reais. A contribuição do setor atacadista é de 4,8 bilhões de reais. O setor agropecuário, em nono lugar, contribuiu com 506 milhões de reais.
Se contribui menos do que os demais setores, em termos de impostos, o setor agropecuário faturou, apenas em outubro de 2022, R$ 8,037 bilhões.
Está se dizendo que o agronegócio não tem importância? Não. Está se falando exatamente o contrário, isto é, que, dado seu peso na economia, a agricultura e a pecuária — o agronegócio — podem contribuir um pouco mais com todos os goianos, e, seminal, sem se prejudicar. Na verdade, apesar da celeuma — derivada de um debate mal colocado (as tais ideias fora do lugar) —, a taxação proposta pelo governo vai beneficiar basicamente os produtores rurais.
De acordo com o governo, os recursos auferidos pelo Fundeinfra serão utilizados exclusivamente em infraestrutura agropecuária, modais de transporte, recuperação, manutenção, conservação, pavimentação e implantação de rodovias, sinalização, artes especiais, pontes e bueiros, e edificação e operacionalização de aeródromos. Então, repetindo, tira-se com uma mão e devolve-se com a outra.
O Conselho Gestor do Fundeinfra terá integrantes do governo do Estado e da iniciativa privada. Eles serão nomeados pelo governador e terão mandato de um ano. Não haverá remuneração. O objetivo é que se tenha uma gestão responsável. E o Conselho Fiscal irá acompanhar tanto a captação quanto a aplicação dos recursos obtidos. Terá três representantes: um da iniciativa privada, um da Secretaria de Economia e um da Controladoria Geral do Estado.
É importante sublinhar que o governo de Goiás não está inventando a roda. Na verdade, os Estados do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul e do Maranhão adotaram o modelo, com resultados positivos. Tanto que a iniciativa privada, depois da reticência inicial, se tornou defensora do projeto.
Ante a possibilidade de uma crise fiscal — e note-se que uma declaração do presidente eleito Lula da Silva, a respeito do aumento do gasto público, balançou o mercado financeiro —, urge que os governos, como o de Goiás, encontrem fórmulas criativas para impedir que, numa economia conectada, os produtores rurais, os industriais e o pessoal da área de serviços sejam penalizados de maneira dramática. Imagine se o Estado perde a capacidade de investir em educação, no social, na saúde, na segurança pública e na rede de proteção social. O acontecerá? A crise se espalhará por toda a sociedade, prejudicando, inclusive, o agronegócio — que não é uma ilha. Os homens e mulheres do agronegócio — sim, figuras heroicas, guerreiras — devem refletir a respeito. O que parece “perda”, num primeiro momento, pode ser, no momento seguinte, “ganho”.
Talvez tenha chegado a hora de citar John Kennedy, o democrata que presidiu o país rico do mundo, os Estados Unidos: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”.