PL Antifacção revela a distância entre o discurso e a prática no combate ao crime
11 novembro 2025 às 18h44

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O debate sobre o Projeto de Lei Antifacção vai muito além da segurança pública. Ele escancara uma velha tendência brasileira: a de responder ao medo com leis mais duras e discursos de força, sem enfrentar as causas reais da violência. O texto, que nasceu no governo federal e acabou sob relatoria do deputado Guilherme Derrite (PP-SP), ganhou contornos políticos e polêmicos que desfiguram sua proposta inicial de combater o crime organizado com inteligência e integração.
A nova versão do projeto tenta equiparar facções criminosas ao terrorismo e ainda impõe limites à atuação da Polícia Federal, que passaria a depender da autorização dos governadores para agir nos estados. Essa mudança é um passo atrás. Ao restringir a PF, o país enfraquece uma das instituições mais preparadas para investigar o crime organizado e desmontar redes de corrupção que alimentam facções dentro e fora das prisões.
Por trás das discussões técnicas, há uma disputa política clara. O tema da segurança pública virou vitrine para projetos de poder, não para soluções concretas. A relatoria entregue a um ex-secretário do governo Tarcísio de Freitas, ligado à extrema direita, transformou o debate em mais um palco de embate ideológico. E, nesse embate, a população continua refém do medo, enquanto os números da violência seguem altos e a sensação de insegurança cresce.
Endurecer penas ou criar novos rótulos, como chamar facções de terroristas, não resolve o problema. O que falta é capacidade real de investigação e aplicação da lei. Hoje, o Brasil esclarece menos da metade dos homicídios cometidos. Isso mostra que o desafio não está na falta de legislação, mas na incapacidade de fazer o sistema funcionar. O país precisa menos de leis simbólicas e mais de políticas integradas, que envolvam polícia, justiça, escolas, comunidades e políticas sociais.
Há também um risco grave em usar o termo terrorismo para justificar ações excepcionais do Estado. Essa confusão serve a interesses políticos, não à segurança da população. Em nome do combate ao crime, o país pode acabar abrindo brechas para arbitrariedades e abusos. O medo é sempre uma ferramenta poderosa nas mãos de quem quer ampliar o controle e reduzir direitos.
A segurança pública precisa ser tratada como política de Estado, e não como palanque eleitoral. O que realmente enfraquece o crime é o trabalho silencioso de inteligência, o rastreamento de dinheiro sujo, a investigação de servidores corrompidos e a cooperação entre instituições. Nenhuma lei de emergência ou discurso inflamado vai substituir isso.
O Brasil precisa decidir que caminho quer seguir. Pode continuar repetindo o ciclo do medo e da punição, empilhando projetos que prometem soluções rápidas, mas pouco mudam a realidade. Ou pode optar pela coragem de construir uma política de segurança moderna, humana e eficaz, que enfrente o crime sem abrir mão da democracia. A escolha é nossa e ela diz muito sobre o país que queremos ser.
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